![O que comem os chefs no Natal? De Justa Nobre a Vitor Sobral, fomos saber tudo](/assets/img/blank.png)
Dentro das casas das família portuguesas não há grandes segredos: espera-se um bacalhau (com ou sem broa) e um polvo para os que não gostam do tradicional prato cozido com batatas da Consoada, uma mesa exclusiva para as sobremesas (que se arrastam até ao Ano Novo) e, no fim, a toalha cheia de nódoas do vinho tinto que regou isto tudo. E os chefs? Comerão eles pratos mais elaborados? O almoço do dia 25 de dezembro será dividido em momentos, com reduções de molhos e adição de umas folhas para decorar?
Fomos saber as tradições de alguns dos mais conhecidos chefs portugueses e chegámos a uma conclusão: na casa de cada um prevalece a tradição e, acima de tudo, o gosto de cozinhar para a família.
Ainda assim, alguns revelam gostos particulares nesta altura do ano: o chef Hugo Brito, do restaurante Boi Cavalo, em Lisboa, gosta de "voltar ao papel de filho e tirar as mãos do volante do almoço", deixando a tarefa de trinchar o peru para os pais. Já a chef transmontana Justa Nobre, do restaurante O Nobre, não prescinde no Natal do seu foie gras acompanhado de um vinho de colheita tardia.
Curioso com os restantes chefs? Avance e prepare-se para ficar com apetite.
Chef Justa Nobre
![Chef Justa Nobre Chef Justa Nobre](/assets/img/blank.png)
Marido, filho, netos, irmãos, cunhados e sobrinhos. Juntam-se todos em redor de uma mesa cheia de iguarias preparadas por toda a família. Este Natal será passado em casa de uma das duas irmãs da chef Justa Nobre, que também trabalha na restauração, e não foi preciso pensar muito na ementa. "De entradas, temos salpicão, alheiras, sempre produtos de Trás-os-Montes. E sempre um bom queijo da Serra. Muito tradicional", diz a chef transmontana, de Vale de Prados, Macedo de Cavaleiros.
Contudo, há uma entrada que foge à regra. "Tenho sempre um foie gras. Adoro. Isso é o meu luxo", revela. "Com o meu foie gras no dia 24, gosto de beber uma colheita tardia. E só bebem [referindo-se à família] um bocadinho. Acabo o resto noutro dia". Já nos pratos principais, há bacalhau, polvo e sempre um galo caseiro. "Por causa dos meus netos, que não gostam nem de polvo nem de bacalhau". Já no dia 25 ao almoço, é sempre cabrito e este ano haverá também peru recheado por haver mais jovens à mesa. Mas para os adultos, a tradição portuguesa e familiar nunca falha. "Adoramos comer cabrito com champanhe."
Quanto a sobremesas, os tradicionais sonhos e aletria com amêndoa estão presentes, bem como umas rabanadas especiais. "Faço umas rabanadas espetaculares, recheadas com doce de castanha. É em homenagem à minha terra e à castanha", revela a chef Justa Nobre. Em alguns anos, há ainda doces inesperados. "Às vezes há um amigo ou outro oferece uma coisa diferente e eu fico toda contente. Porque uma pessoa cozinha tanto e faz tanta coisa, que às vezes quer apanhar uma coisa diferente".
Quando o almoço de Natal era em casa da chef (assim foi durante mais de 40 anos), por volta das 18h colocava fim à festa. "Ponho toda a gente na rua para ficar só eu e o meu marido a descansar, porque no outro dia é dia de trabalho. Logo de manhãzinha".
Chef Kiko
![Chef Kiko Chef Kiko](/assets/img/blank.png)
Quando adultos e criançada se juntam, o resultado é "um dia atribulado, com muita agitação". Assim é a ceia de Natal do chef Kiko — responsável pelos restaurantes O Talho, A Cevicheria, O Poke e O Boteco —, e para facilitar, nos últimos cinco anos, a ementa mudou. "Em vez de bacalhau e outros pratos mais rebuscados, os pequeninos comem sempre croquetes com arroz. É uma coisa um bocado estranha", brinca.
"Claro que os maiores seguem a tradição. À chegada, sempre muitos frutos secos, queijos. Depois sopa. Começamos sempre com o típico caldo verde e depois temos um ritual para o bacalhau cozido", diz, e continua a descrever. "O bacalhau vai para a mesa, com cenouras, couves e ovos cozidos e é servido com dentes de alho crus para toda a gente e azeite. Colocamos um dente de alho no centro do prato, juntamos azeite e um ovo cozido. Esmigalhamos. Fazemos quase ali uma pasta. Depois, juntamos o bacalhau e vamos comer essa pasta misturada com as couves e a cenoura". A acompanhar, "um bom espumante e copo de vinho tinto nunca podem faltar".
Nas sobremesas faz-se um pijaminha com as tradicionais rabanadas, o arroz doce e a aletria e ainda com outra menos típica no Natal. "O toucinho do céu, que é um clássico da minha mãe", revela o chef.
Chef Marlene Vieira
![Chef Marlene Vieira Chef Marlene Vieira](/assets/img/blank.png)
A chef Marlene Vieira, o rosto por detrás dos espaços Food Corner, no Mercado da Ribeira, e o Zunzum Gastrobar, em Santa Apolónia, passa o Natal em casa, com a sua família e a do marido, o chef João Sá, do restaurante SÁLA. "O nosso Natal é com toda a gente na cozinha. Todos estão a fazer alguma coisa. Uns põem a mesa, outros estão a atrapalhar. Mas isso faz parte. O Natal é barulho, é confusão. Não há aquela coisa organizada que há nos restaurantes", brinca.
Chegam a ser cerca de 20 pessoas, pouca gente para quem está habituado a servir salas cheias. Por isso mesmo, o bacalhau fica à responsabilidade dos chefs Marlene e João. "É por causa do ponto do bacalhau e temos noção de quando é que tem de ficar tudo pronto ao mesmo tempo, para as coisas estarem quentes", explica à MAGG.
Além do bacalhau com todos, há bacalhau com broa, versão menos tradicional para o chef João Sá, que não gosta de bacalhau com batatas. Na Consoada há também polvo, desta vez para agradar ao sogro de Marlene Vieira. "A família dele é de uma terra da zona de Viseu e gosta de filetes de polvo. Tentamos agradar a todos".
Para completar a mesa, cada membro da família leva os seus preferidos, tanto de entradas como de sobremesas, e sobre as primeiras, os queijos ficam mais uma vez para os chefs Marlene Vieira e João Sá. "Gostamos muito de queijos e temos mais noção do que é realmente bom. Por estarmos habituados, somos nós que escolhemos", afirma a chef.
Quanto às sobremesas, é a chef Marlene Vieira que faz as rabanadas, o pão de ló, o molotof e ainda a aletria, em conjunto com a mãe. Sobre cozinhar no Natal, tal como no dia a dia, diz que fá-lo com o maior gosto. "Não me chateia nada. Quero ter a certeza de que as coisas estão bem feitas", brinca. "Principalmente, gostamos de cozinhar para muita gente e para a família temos ainda mais prazer. Na verdade, foi como começámos: a cozinhar para a família e depois para a restauração."
Chef Vitor Sobral
![Chef Vitor Sobral Chef Vitor Sobral](/assets/img/blank.png)
Há 53 anos que é assim: o chef Vitor Sobral e os pais juntam-se em Melides, onde fica a casa dos pais, para dupla celebração. É que a 24 de dezembro é véspera de Natal e também o aniversário da mãe do chef responsável pela Tasca da Esquina, Peixaria da Esquina, Dom Roger e OTRO restaurante.
Ainda assim, a ementa é de Natal, sempre com caras de bacalhau para entrada e bacalhau no prato principal da Consoada, e no dia seguinte, a mesa é tomada por carne. "Pode ser uma galinha do campo, um cabrito ou um lombo de porco assado", diz o chef, que trata sempre dos pratos salgados do Natal, normalmente a acompanhar com vinho branco e tinto, após um espumante antes da refeição.
Quanto a sobremesas, "nunca mais acabam", afirma. "A minha mãe é uma doceira fantástica. Há tudo: sonhos, rabanadas, pudim de ovos, suspiros com pinhões (que eu sou louco). Há filhoses. Há bolo rei".
Tal como a colega Marlene Vieira, com quem partilha o painel de jurados do programa da RTP1, MasterChef Portugal, Vitor Sobral gosta de cozinhar nesta época. "Adoro cozinhar para as pessoas de quem eu gosto", diz.
Chef Hugo Brito
![Chef Hugo Brito Chef Hugo Brito](/assets/img/blank.png)
Responsável pelo restaurante Boi Cavalo, em Lisboa, o chef Hugo Brito sai da cidade em direção à casa dos pais, perto de Nisa, para passar o Natal. Descreve-o como "nada misterioso nem sofisticado", mas a verdade é que na preparação de cada prato, há um detalhe.
"No jantar de dia 24 comemos bacalhau — de cura amarela da Islândia, e sou eu quem o compro e cozinho —, com azeite das oliveiras que temos na nossa casa perto de Nisa", conta. Ao ingrediente principal juntam-se as couves, as batatas e o nabo, cujo ponto de cozedura não tem um consenso. "Há duas escolas de pensamento: a minha, da minha irmã e da minha mãe, que gostamos das couves e nabo mais al dente, e a do meu pai, que gosta de tudo mais bem cozido. Ele perde", brinca.
O almoço do dia de Natal conta com o tradicional peru, que os pais do chef Hugo Brito começam a marinar cerca de três dias antes. "A parte trinchar o peru tenho que confessar que não dou grande ajuda — eles dizem que complico demasiado — e, para ser sincero, sabe-me bem voltar ao papel de filho, tirar as mãos do volante do almoço", diz. A acompanhar, há castanhas e cogumelos, ervilhas e cenouras, salada e batatas dauphine (uma mistura de puré de batatas e massa de choux). "Só fazemos nesta altura e todos os anos a minha mãe diz que nunca mais faz porque dão imenso trabalho".
Nas sobremesas, o cenário que todos conhecemos. "Desde que me lembro, a minha mãe, depois do jantar de dia 24, cobre a mesa da sala de jantar com uma profusão de doces: rabanadas, filhós, sonhos de abóbora, arroz doce, um bolo rei da Confeitaria Nacional (que ninguém come), e uma lampreia de ovos, que é comida quase na íntegra pela minha irmã, que tem um fígado de ferro. Essa mesa fica posta durante uns dias, em que acho que a base da alimentação do meu pai passa a ser arroz doce".
O pai não deixa sobrar arroz doce e o chef Hugo Brito, bem como o filho, acabam com o peru, que aproveitam para fazer sandes, às quais juntam as restantes sobras.
Chef Bertílio Gomes
![Chef Bertílio Gomes Chef Bertílio Gomes](/assets/img/blank.png)
Diz-se que o bacalhau da coimbrense Lugrade é O Melhor Bacalhau do Mundo e é esse mesmo que o chef Bertílio Gomes, da Taberna Albricoque, escolhe para a consoada, acompanhado de couve e azeite Virgem Extra. "Sou que demolho e cozinho o bacalhau", conta o chef.
Também no almoço de Natal é seguida a tradição gastronómica portuguesa. "Costuma ser cabrito assado com batatas no forno, que também sou eu a tomar conta". O chef só tem descanso no que toca às sobremesas, que ficam a cargo da mulher.
"Faz umas azevias de grão excelentes, as melhores que comi! Também faz um belo arroz doce e merengues com doce de ovos", continua. Mas para cumprir à risca com a tradição, tem de haver mais sobremesas na mesa e para isso a sogra do chef Bertílio Gomes dá uma ajuda. "É perita em sonhos e filhoses e também faz um bolo de nozes muito bom."
Chef Filipa Gomes
![Chef Filipa Gomes Chef Filipa Gomes](/assets/img/blank.png)
O Natal de Filipa Gomes é passado normalmente em casa dos pais, uma casa de cozinheiros. Filipa trata de levar para as entradas — pão de cerveja preta —, já o pai trata do cabrito assado no forno, "que ele faz como ninguém", afirma a chef do 24Kitchen. Quanto ao bacalhau, muitas vezes é feito a quatro mãos — pai e filha — mas há algum tempo que o típico bacalhau com todos saiu da ementa para dar lugar a pratos diferentes. "Tanto pode ser um bacalhau gratinado, bacalhau com broa, risotto de bacalhau ou até bacalhau à Brás", conta.
Nas sobremesas, entra a mãe, que faz o arroz doce, e a sogra, responsável pela sericaia (neste caso trazida de uma pastelaria tradicional de Elvas).
E a parte final das refeições de Natal não fica por aqui. Filipa Gomes faz questão de ter sempre salada de frutas e uma sobremesa diferente. "Red velvet, torta de limão e maracujá, bolo de gengibre e especiarias, pavlova… ou aquele Grand Gateaux que partilhei no meu Instagram e que é sempre um sucesso", diz.
Chef Fábio Bernardino
![Chef Fábio Bernardino Chef Fábio Bernardino](/assets/img/blank.png)
Família é a palavra que melhor define os Natais do chef dos diretos diários no Instagram. "Desde os meus avós, pais e irmãos, tínhamos sempre a casa cheia. Boa comida à volta da mesa era coisa que nunca faltava", conta à MAGG o chef Fábio Bernardino. O ritual repete-se este ano e a tradição também: o bacalhau cozido, com couve e uns toques que fazem a diferença. "Nunca esquecer um bom azeite Virgem Extra aromatizado com alho e alecrim que faz a diferença a este prato. Cá em casa, nunca falha".
O Bolo Rei também está sempre presente e não é nas sobremesas. "Como entrada, pode parecer mais 'estranho', mas gosto muito de fazer a minha receita de bolo rei salgado", diz o chef e revela o segredo. "Não é nada mais que uma massa de Bolo Rei que em vez dos frutos cristalizados leva enchidos, frutos secos, legumes, um bom queijinho e é moldado da mesma maneira, apenas ficamos com uma opção salgada" e cuja receita já foi partilhada.
Nas sobremesas da Consoada, nunca pode faltar arroz doce e uma saudável "guerra" do melhor. "Com a inspiração da minha avó das Beiras, tínhamos sempre a 'guerra' do arroz doce com e sem ovos. Nas beiras um arroz doce não leva ovos, mas fica igualmente cremoso". Além deste, há habitualmente sonhos, fatias douradas, azevias e coscorões.
Já no dia 25 ao almoço, o cabrito assado no forno é o rei da festa. "Aqui é onde surge a inspiração africana que vem do lado da família da minha mãe. O tempero do nosso cabrito leva sempre um bom toque de picante, neste caso gindungo". Para fechar, um Bolo Rainha "com uma massa bem fofinha, numa fermentação a baixa temperatura".
Com tanta variedade de comida e barriga para tão pouco, nos dias seguintes impera o aproveitamento das sobras e ao chef não faltam ideias. "A roupa velha com as sobras de bacalhau ou um arroz de forno com as sobras do cabrito são dois pratos que nunca faltam". O chef tem várias receitas partilhadas, basta seguir uma delas ou a originalidade.