Mães e pais em casa com os miúdos, o meu grande abraço e um ainda maior #tamosjuntos. Desde que Portugal (e grande parte do mundo) se recolheu para evitar a propagação do novo coronavírus, convivemos com as nossas crianças num misto de amor e ódio que roça muito a bipolaridade.
Variamos entre o sono profundo, as enxaquecas causadas pelas birras, a dificuldade em conseguirmos fazer o nosso trabalho com os miúdos sempre a quererem saltar para o colo e a exaustão de ouvir os Caricas a mandar-nos “cada um para o seu quadrado”. Caramba, eu queria é que as minhas filhas já fossem crescidinhas e estivessem cada uma no seu quarto entre as 9h e as 18h — com a devida pausa para almoço, que também não somos uns monstros, calma.
Na verdade, e brincadeiras à parte, volto à bipolaridade constantemente quando me queixo, mas penso logo a seguir que tudo isto seria mais difícil caso as minhas filhas ainda não fossem nascidas. Ainda no outro dia li algures na internet alguém a dizer isso mesmo, que por mais que nos partam a cabeça, isto da quarentena seria bem pior sem miúdos em casa. E talvez até seja verdade.
Porém, numa altura em que grande parte dos portugueses está em teletrabalho, os nossos filhos têm o poder de nos pôr um sorriso na cara, mas também de nos levar à loucura. Em pouco mais de uma semana, tudo isto aconteceu durante o horário de trabalho:
— Enquanto falava ao telefone com um colega que me explicava algumas novas funcionalidades do nosso site, a minha filha de 3 anos entrou no escritório a berrar que tinha cocó no pé. Sim, no pé. Não estava sequer a perceber a lógica disto quando o cheiro que ficou na escritório foi indicador que tinha, de facto, acontecido cocó. Para perceberem a logística muito rapidamente, a miúda tinha um daqueles pijamas completos de animais da Primark, a fralda mudou de sítio, ela fez cocó, não pediu para ir ao bacio e o resto é história. Cocó no pé.
— Ainda no tema fraldas, estamos a fazer o nosso melhor nesta quarentena para as tirar. Não está a funcionar. Mais depressa ela coloca o bacio na cabeça e faz dele chapéu do que faz xixi lá para dentro.
— A bebé de 4 meses começou esta semana as sopas. Enquanto aproveitava uma pausa rápida para lhe dar de comer, no momento em que olho para o computador para ver se um artigo já tinha sido publicado, cuspiu-me toda de uma rajada. Mas à séria, ao ponto do computador ficar inundado em sopa. Patrão, se precisar de um novo, já sabes o que aconteceu.
— A minha filha mais velha desenvolveu um qualquer problema com o sentido de propriedade. Quer ser ela a fazer tudo, desde tirar a fralda, a fazer o pão, a abrir a porta do frigorífico, o que possam imaginar. Estava eu a escrever tranquilamente, e a aproveitar que ela estava a dormir (achava eu), quando se levantou da cama aos berros mal ouviu o bip da máquina da roupa a acabar. “A Carmo fazzzzzzzzzz!”. Expliquem-me.
— Interrompi o trabalho para lhe dar lanche, e dei-lhe um iogurte de banana para as mãos. “Quero de coco”, disse ela. “Não há de coco, filha”, respondi eu. O que sucedeu foram 15 minutos de drama ao nível da Fanny a gritar da casa para o João Mota, sendo que aqui o que batia forte lá dentro era mesmo o coco. Tenho vídeo, mas não a vou envergonhar a esse ponto.
— Estava novamente ao telefone, a fazer uma entrevista com um médico, quando a mais velha (é sempre a mais velha, os bebés são uns santos) me entra pela sala a pedir sopa, aos berros. Tentei disfarçar, fazer novamente a minha pergunta, quando desata num novo pranto, já com choro. “Dá-me sopa, mãeeeeeeee”. Seguiu-se um silêncio acusatório na minha chamada, e temo que a Segurança Social me bata à porta desde aí.
— Estava a fazer uma birra gigantesca enquanto eu descarregava uma entrevista. Disse do escritório: "Já vou aí falar contigo". A criatura respondeu-me: "Não quero falar contigo". 3 anos, 3. A lata da pessoa. Estou a criar uma ditadora ingrata.
Repito, tudo isto em seis ou sete dias de trabalho. Atenção, sei perfeitamente que sou uma das sortudas por ter as minhas filhas comigo, por ter a minha família em segurança e o privilégio de trabalhar a partir de casa. O meu máximo respeito por todos aqueles que se colocam em perigo, diariamente, para cuidar dos nossos doentes, para garantir que os supermercados continuam abertos, que Portugal continua a funcionar.
Feito o “disclaimer”, se sairmos disto vivos sem vontade de mandar os miúdos para a Patagónia, acho que merecemos todos uma medalha do Marcelo. Ou isso, ou pelo menos 10 minutos por dia naquele tal quadrado do Panda e dos Caricas, sem que ninguém nos chateie.