Ainda me lembro quando uma ida ao Porto implicava cumprir todos os pontos desta lista:
- Dormir no colchão de ar que a minha amiga montava para eu dormir "mais confortável", palavras dela. As minhas asseguram que ninguém consegue descansar mais do que duas horas seguidas num colchão que mais parece simular uma viagem em alto mar;
- Fazer a rota das francesinhas. Se alguém dizia que "aquela é que era a melhor", lá estávamos nós de faca e garfo em riste, num périplo entre o Santiago, o Lado B, o Capa Negra e até do lado de lá, em Gaia, para as tão afamadas francesinhas em forno de lenha do Tappas Café (bem sei que para os verdadeiros amantes do petisco, isso é como chamar cupcake a uma Madalena. Mas vá lá, estamos a falar de queijo derretido, é difícil resistir);
- Começar a noite a beber no 77 e contribuir para que se mantivesse no primeiro lugar de bares que vende mais minis em Portugal e acabá-la em copos XL de onde podia sair caipirinha ou mojito, o que interessava é que fosse sorvido por palhinhas coloridas.
E depois deste pequeno throwback até 2001 — vamos todos fingir que isto não aconteceu depois — voltemos a um 2018 mais consciente, tão consciente que já nem palhinhas usamos para beber os tais copos que, felizmente, passaram a ser enchidos apenas com doses certas de vinho.
Em 2018, uma ida ao Porto faz-se porque Chico Buarque decidiu começar a viagem a Portugal pelo norte, porque há um Serralves em Festa e ninguém ainda imaginava que poderia haver um atentado naqueles jardins e porque, last but not the least, a Brasileira abriu, num formato que requer mais tempo de paragem do que apenas uma pausa para café.
Já escrevemos sobre os pormenores da reestruturação do espaço, que juntou à mítica cafetaria um hotel e um restaurante. Mas nada como experimentar, certo?
Tínhamos das 14 horas de sábado até às 12 horas de domingo para usufruir de tudo o que este edifício da Rua Sá da Bandeira tem para oferecer. Parece suficiente, mas a verdade é que são ainda muitos metros quadrados a explorar, divididos entre um café, um restaurante e um hotel que, apesar de funcionarem como espaços independentes, são ligados por portas internas para os hóspedes.
Ainda nem acabamos de fazer o check-in e já temos direito a um cálice de vinho do Porto de boas-vindas, a dar provas de que o norte sabe receber.
Essa tal hospitalidade nortenha prossegue quando chegamos ao quarto e está à nossa espera mais um vinho do Porto e um bolo de chocolate que faz parte da montra gulosa da cafetaria. O sol ainda vai alto para mais um copo, mas não há horas marcadas para fazer subir o açúcar no sangue. Venham daí essas camadas de bolo de chocolate envoltas em creme de chocolate com lascas de chocolate por cima. Demasiado chocolate? Não, perfeito.
Depois desta bomba de açúcar sentimo-nos com forças para ir explorar o hotel. O que não sabíamos é que, a não ser que a ideia fosse ir queimar tudo no ginásio da cave, uma simples banana daria energia suficiente para esta aventura. O hotel divide-se em seis pisos, por onde se distribuem os 89 quartos, um ginásio e duas salas de reuniões. E pronto. Ainda subimos até ao último piso e descemos até ao rés do chão para ver se nos teria escapado alguma entrada secreta para a piscina ou o spa, mas não. Conseguimos apenas ir até ao jardim vertical, bom para quem quer fumar um cigarro sem ter que ir para a rua. Mas como não era o caso, foi só espreitar e voltar para o quarto que, atenção, não é nada mau.
Já nos abriram a cama e deixaram um chocolate na almofada — caso ainda não tivéssemos atingido os píncaros de açúcar do dia — e, apesar de no final dormirmos sem almofada, nada como nos deitarmos naquele mar de opções para todos os gostos e, neste caso, pescoços.
O relaxe é tal que quase nos passava despercebido aquele telemóvel pousado na secretária. Está preparado para que o hóspede o leve consigo sempre que sair do hotel, servindo assim de guia, tanto para as novidades como para os clássicos do Porto. Confirmamos que funciona quando nos diz que temos um multibanco a 100 metros, uma farmácia a 150 e o restaurante "O Escondidinho" com os seus conhecidos pratos — poderíamos acrescentar "cheios", mas isso seria um pleonasmo por estas terras — de bacalhau, cabrito ou lampreia.
Mas não vale a pena perder tempo à procura de sítio para jantar quando no restaurante do hotel se serve comida tipicamente portuguesa, numa sala tão bem decorada que até dá pena pisar aqueles azulejos do chão.
Sentámo-nos junto às portas de vidro para aproveitar que agora a luz dura até depois de jantar e preparámo-nos para escolher o vinho. Com os olhos postos nos pratos de peixe, optámos por um Alvarinho. "Não temos vinhos verdes. Nenhuns". Ainda a recuperar deste choque, outra facada: "Avisamos já que não temos nem a punheta de bacalhau nem os ovos mexidos com espargos". Parece de propósito, mas era exatamente isso que tínhamos pensado pedir para abrir as hostes, sem imaginar que, às 20 horas, um restaurante com uma carta feita apenas de cinco entradas, seis pratos principais e quatro sobremesas, tivesse tantos itens riscados no menu.
A sorte é que abafamos a indignação com o pão ainda quente que entretanto chegou à mesa e com o tártaro de atum que escapou, e ainda bem, ao corte da lista de entradas.
Para pratos principais optámos pelo bacalhau à lagareiro e uma salada de polvo. Se o primeiro não desiludiu no sabor e até surpreendeu na forma como é servido — vem dentro de um frasco de vidro transparente — o segundo fez-nos questionar de seria o prato certo. Havia polvo, é um facto, mas quase que se perdia por entre a batata assada, o ovo panado e os topping de queijo e tomate.
Para uma conclusão a jogar pelo seguro, "um café, por favor". Aí sim, não há como errar.
O dia seguinte
A cama era de facto incrível e tudo na vida fica ainda mais incrível assim que, depois de um banho, vestimos o robe e pomos os pés nuns chinelos de hotel.
É com algum sacrifício que saímos desta bolha de conforto, mas nada como o cheiro de ovos acabados de fazer para nos fazer descer até ao restaurante da noite anterior e onde é servido também o pequeno-almoço dos hóspedes.
Desta vez sabemos que não há o risco de ficarmos com escolha reduzida, uma vez que é buffet, mas não é por isso os nossos olhos de arregalam com a oferta. Não nos levem a mal nem pensem que temos em casa todos os dias uma banca cheia de cereais, pão de vários sabores, enchidos e queijos para escolher. Mas para um cinco estrelas, esperávamos pelo momento em que, passando um visto a tudo o que habitualmente há neste tipo de pequenos-almoços, algo nos surpreendesse. E isso não aconteceu. De tal forma que pedimos para continuar a refeição na cafetaria, o único sítio onde podíamos provar o tão afamado bolo 4 de Maio, o único que resiste desde a abertura da cafetaria, em 1903. Uma vez que é feito com fruta e não leva açúcar, bem que podia figurar como opção de pequeno-almoço para os hóspedes que queiram provar um bocadinho de história. Fica a dica.
Até que isso aconteça, deliciamo-nos com este bolo sem culpa, cortado com os talheres mais bonitos que tivemos oportunidade de usar até hoje e servido por quem faz questão que saiamos daqui com vontade de dar nota cinco. "Gostaram? Querem mais alguma coisa?". Um café, por favor, que esse, não há como o da Brasileira.
* A MAGG ficou alojada a convite do Pestana Porto – A Brasileira