Quando entrámos na sala de pequenos-almoços, Maria João estava a pousar o terceiro ou quarto prato em cima da mesa. Com um sorriso, pediu-nos que nos sentássemos enquanto corria para a cozinha para trazer mais comida. Pão, manteiga, queijo, fiambre, presunto, fruta, um bolo de chocolate caseiro e dois pães de leite quentinhos compunham a mesa, mas tínhamos sérias dúvidas que fosse parar por ali.
— Vocês comam, meninas!, exclamou com as mãos à cintura.
— Não conseguimos, é muita comida — respondi-lhe já assustada. Não era uma preocupação com as calorias — era mesmo muita comida.
— Ora, não é nada. Vocês precisam de comer para ter força para o trabalho.
Foi naquele momento que me apaixonei por Maria João (assim mesmo, sem apelido, é apenas por estes dois nomes que é conhecida), a mulher que, ao lado da proprietária, Paula Pontífice, se assegura que nada falha. Ao longo da nossa estadia, a dona da Casa com História, na Covilhã, diz-nos várias vezes que teve muita sorte em encontrá-la. Conseguimos perceber porquê: Maria João cozinha maravilhosamente, é implacável nas limpezas e trata os hóspedes com uma naturalidade e simplicidade únicas. Se não fosse crime, admito que a teria metido na mala e levado para casa para sermos amigas para sempre.
Não foi um fim de semana romântico que nos levou até à Covilhã. Bem pelo contrário: perante a necessidade de fazer uma reportagem na região, decidimos ir conhecer a boutique guesthouse que tem uma ostentosa nota de 9,7 em 10 na Booking. E este é um pormenor importante porque, durante dois dias, não fizemos mais nada se não entrar e sair de casa a correr. Stressados, preocupados, apreensivos.
Foi uma daquelas reportagens onde correu tudo mal. Cada ideia que tentávamos concretizar falhava, cada pessoa com quem tentávamos falar renegava-nos como se tivéssemos uma doença. É mais fácil lidar com o assunto quando o dia termina e vamos para casa, estamos com pessoas que gostam de nós e adormecemos na nossa cama. Um bocadinho mais difícil é quando estamos rodeados de pessoas que não conhecemos, num sítio que nos é estranho.
Só que o nome Casa com História está longe de ter sido escolhido ao acaso e, de facto, demorou exatamente cinco minutos a sentir que estava em casa. Paula é uma anfitriã sensacional, daquelas com quem nos sentamos a conversar e não nos queremos levantar para ir embora. Maria João é um doce, e trata-nos como se fôssemos parte da sua família.
Se tudo tivesse corrido mal na Casa com História, estas duas pessoas já teriam feito a viagem valer a pena. Felizmente, e ao contrário da reportagem embrulhada em avanços e recuos, nesta casa o caminho foi sempre linear: entrei apaixonada, saí cheia de saudades, como alguém que vai visitar os avós à terra e mal pode esperar para voltar.
Nesta casa a história há mesmo história nos quatro cantos da casa
Não é difícil ficar deslumbrado quando se entra nesta casa do início do século XX. Um pé direito imponente, madeiras recuperadas e trabalhadas, magníficos candeeiros e adereços de desporto por todo o lado. A nossa concentração só é perturbada pelo cheiro a bolo que invade todas as divisões. Paula diz-nos que Maria João está a preparar o pequeno-almoço de amanhã — nós só nos imaginamos sentados na cozinha a comer a massa do bolo com uma colher, tal miúdos em casa da avó.
Mas vamos voltar atrás. Porque nenhuma história fica bem contada sem as devidas apresentações, informa-se que foi há 80 anos que José Vicente Barata, deputado da nação, administrador do concelho, industrial, proprietário agrícola e professor, mandou construir esta propriedade na encosta da Serra da Estrela.
A casa foi passando de geração em geração, até que Rui Barata e a mulher, Paula, decidiram transformá-la numa guesthouse — o primeiro espaço do género na Covilhã, já agora. Com um total de cinco quartos, dois com capacidade para quatro pessoas, os pormenores vintage misturam-se com apontamentos mais modernos. É o caso das pinturas inspiradas nos graffiti da cidade ou dos painéis com fotografias da neve.
A Casa com História não tem muitas coisas para fazer — não há piscina exterior, spa ou restaurante. Os hóspedes não ficam confinados à casa, atenção, uma vez que não faltam atividades como equitação, trekking, esqui ou paintball. Lá dentro, porém, efetivamente, não há muito para fazer. E isso é mau? Nem por isso. Estamos numa propriedade maravilhosa, onde tudo é bonito e encantador, com uma magia e encantos únicos. A par disso, há um verdadeiro espírito de família.
A nota 9,7 em 10 na Booking é justa?
"Melhor é impossível. Num congresso que envolveu cerca de 700 pessoas alojadas em diversas instalações da Covilhã fiquei no melhor local", escreve Rosário. "Ambiente muito acolhedor e familiar", comenta Suse. "A limpeza e o conforto das acomodações são impecáveis, o pequeno-almoço feito pela Maria João muito gostoso", acrescenta Ana.
Com um total de 221 comentários, é difícil encontrar críticas à Casa com História. Elas existem, é verdade, mas são poucas e regra geral são mais apontamentos do que verdadeiras coisas negativas — há quem gostasse de ver café moído à moda antiga em vez do Nescafé da máquina expresso, quem tivesse tido problemas com o wi-fi ou quem achasse que o ar condicionado estava demasiado alto.
A verdadeira crítica vai para a insonorização da casa. Foi algo que confesso também ter sentido, sobretudo quando, no domingo à noite, os estudantes universitários decidiram sair à rua. Só que isto nunca me chateou verdadeiramente. Durante todo o tempo que estive na Casa com História, senti-me em família. E na casa da minha família sempre se ouviu barulho na rua e as escadas rangeram. Até seria estranho se fosse de outra forma.
A nota 9,7 em 10 na Booking é justa? Não. Eles merecem tranquilamente um 10 em 10. Pelo tipo de casa que construíram, pela forma como recebem os seus hóspedes e pelo pequeno-almoço mais maravilhoso que comi nos últimos tempos, não seria justo dar-lhes menos do que isso. Da minha parte, só ficaram as saudades. E a promessa de voltar um dia nem que seja só para dar um beijinho à Paula e à Maria João.
Consoante a época e a tipologia do quartos, os preços por noite variam entre 75 e 140€, com pequeno-almoço incluído.
*A MAGG esteve alojada a convite da Casa com História.