Então, meu peepz. Ai, que saudadinhas. Tantas coisas sucederam no interregno destes meus escritos. Recapitulemos as hot trends destes últimos tempos.

A desgraçada Regina Duarte anda a misturar drunfos com alucinogénicos, que perigo. Ainda no capítulo do fascismo, o André Ventura encheu-se de coragem, saiu do armário e oficializou aquilo que pretende ser: um ditador maléfico, muito ao estilo da primeira metade do século XX. Coisas giras: o jargão político modernizou-se e passou a incluir termos como "trivela" e "baile", o que torna substancialmente mais divertido assistir a debates na Assembleia da Republica. É tipo o "Big Brother", mas com mais nível.

Sobre as andanças da cidade desconfinada, a Alameda Afonso Henriques, que a 1 de maio deu lugar aos festejos da CGTP, cujos membros se organizaram num curioso tétris muito ao estilo norte coreano, recebe esse monumental festival que é o da cidade de Lisboa, substituindo todos aqueles que não vão acontecer. Avante (ahaha, desculpem). Em termos de COVID-19, esse grande palhaço, ele continua muito acordado e não há meios para o derrotar, apesar das repetidas notícias sobre vacinas e tratamentos que parecem ser muito promissores, sim senhora, mas, pronto, é só isso, porque ainda andamos todos por aqui de viseira e de máscara, envergando forçosamente este Black Mirror meats Kraftwerk style. É juntar-lhe a espada do Star Wars e temos o carnaval feito.

Bom, mas o tema que hoje vos trago aqui é, obviamente, aquele que leram no título, acho que podemos saltar aqui a parte em que eu finjo que é tudooo uma grande surpresa. Basicamente, há cerca de uma semana, embarquei nesta chacina deliciosa e viciante que é a de eliminar quem não me interessa desta rede social de seu nome Instagram — ou simplesmente Insta, diminutivo ridículo, cuja utilização só se justifica se for a título de escárnio sobre o mesmo.

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Enfim, a coisa deu-se tarde, mas deu-se. Tudo começou no dia 24 de dezembro de 2019  quando no meu Instagram todas as criaturas estavam felizes da vida, mostrando as suas mesas com o melhor serviço da Vista Alegre, banquetes fartíssimos, as árvores de Natal muito dignas de Isabel II de Inglaterra, as selfies com a primalhada toda, os stories acompanhados de música natalícia, tudo muito lindo, tudo muito feliz, tudo sem uma única arrelia. Eu também tenho uma mesa muito bonita, uma árvore de Natal como se quer, mas, ao contrário do que mostravam todas estas pessoas, a minha preocupação era outra: quem é que ia estragar o Natal? Houve um ano em que fui eu, outro em que foi a minha irmã, outro em que terá sido a minha mãe. No ano passado o meu pai arreliou-se com uma questão, mas só o admitiu no dia seguinte, portanto, esteve tudo muito calminho.É isso, somos uma família incrível, mas dotados de fortíssimas personalidades que, por vezes, divergem. Eu pensava para os meus botões que este receio dos ajuntamentos familiares era normal, mas o meu Instagram gritava-me na cara "sua aberração". Ai, que a mente é volátil.

Mais à frente, na transição para o ano mais merdoso do século XXI, ou seja, a 31 de dezembro de 2019, a mesma história: só gente extremamente feliz, focadíssima no relato de todos os seus preparativos, com muitas frases de balanço e expectativa para os 365 dias seguintes, que vieram a relevar-se, enfim, vocês sabem. Pois bem, eu pela primeira vez decidi passar esta noite em casa, na companhia do meu queridissimo, que só saia do trabalho às 21h30. Portanto, o meu dia fez-se com uma garrafa de vinho que, sem querer, se foi bebendo, na companhia de um filme, cujo título me recuso a desvendar. Antes de me atirar ao bacalhau à brás, liguei a uma amiga minha, já assim um pouco trolaró, e partilhei com ela esta sensação de que toda a gente estava a ter o melhor dia da vida delas, excepto eu, que simplesmente ia existindo numa tarde agradavelmente média, sem ponta de excitação. Conclui que ela estava igual, demos umas boas gargalhadas e decidimos que era preciso lançar a tendência do #honestpost. Parece que a moda surgiu mesmo e agora até acontece vermos gente a chorar no Instagram, o que também acho um pouco exagerado.

Pois bem, nestas duas situações vincou-se-me ainda mais aquele cliché  de que a vida real está longe de corresponder ao cenário desta montra virtual, que, com os intervenientes errados, se pode tornar tóxica. Nunca deram por vocês a fazer scroll na conta de uma pessoa que consideram o epíteto do absurdo? Podem acenar que sim, eu não conto a ninguém.

E isso remete-nos para o terceiro momento. Em conversa com outra amiga, estava a falar-lhe precisamente disto (eu juro que também sei falar de outros assuntos): que no vórtice do scroll, às vezes acabava na conta de pessoas com modos de vida que, para mim, são desinteressantes, e que consequentemente me levavam  para reflexões muito pouco felizes sobre este mundo em que vivemos.

1. Primeiro, começava por questionar-me sobre o que raio é que iria na cabeça das pessoas no exato momento em que publicavam mais uma fotografia manifestamente vazia, sei lá, estilo uma selfie muito aproximada com um filtro irrealista, umas orelhas de coelhinho e, para terminar, a clássica duck face. Se souberem digam-me: qual é o pensamento que antecede esta acção?

2. Depois, lá vinham os unboxings, as sugestões de roupitas, de produtos de cosmética, os comentários com gente sedenta para ir comprar. Refletia sobre estes hábitos de consumo descontrolados, pensava nos meus e censurava-me.

3. Mas pensava, sobretudo, na colossal aldrabice que é a de dizermos que o conteúdo "é para os outros", quando na verdade, é quase sempre única e exclusivamente "para nós", para o nosso ego, essa coisa malvada que é tão diferente de amor-próprio e que não faz falta a ninguém.

4. Por cima disto, e pior ainda, pensava que muitas daquelas pessoas nunca iriam sequer questionar estas coisas, que me iriam achar doidinha se as tentasse explicar, indo-se, assim, lentamente, a minha fé na humanidade.

5. E embrulhava: esta nova necessidade global que se assenta na validação à base do like, do comentário e do filtro com orelhas de urso é do mais triste que há. Estamos tão ligados, mas tão sozinhos.

Credo, deprimi-me só a relatar isto. Enfim, tanto pensei que desde dezembro que a minha escassa atividade se findou, resultando na não publicação do que quer que seja. Para o resto, foi-se-me o sentido, estou feliz com isso e não quer dizer que publicar seja mau, até porque, se ninguém publicasse, não havia Instagram para ninguém. Além do mais, gosto muito de saber dos meus amigos e conhecidos, gosto muito de os acompanhar nas suas conquistas profissionais, momentos triviais, incluindo refeições, adoro responder-lhes aos stories, andando também fortíssima nos comentários brincalhões.

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Depois de adotar esta postura de utilizador que ninguém vê, mas que tudo observa, eis que dei o passo seguinte. "Deixa de seguir. É deixar de seguir", aconselhou-me esta querida amiga, que já tinha passado por todas estas etapas e que vive hoje muito feliz com aquilo que, agora, lhe vai aparecendo.

E aconteceu. Adeus Rita Pereira! Adeus colega da Católica! Adeus bombado do ginásio! Adeus sua nutricionista aldrabona! Adeus pessoa que não conheço e que tem unhas bicudas! É isso, entreguei-me à libertadora prática de separar o trigo do joio e de livrar-me, por um lado, das gentes que pertencem a tribos sem sumo e, por outro, do peepez que simplesmente diverge dos meus interesses.

Envolvi-me neste processo divertidíssimo que é o extreme make-over desta rede social e estou a adorar. A coisa é gradual, vai alterando o malvado do algoritmo, que, aos poucos, começa a ter tempo e espaço para me mostrar os temas que de facto me interessam: os meus amigos, as pessoas que acho que são inspiradoras, os projetos que merecem ser vistos, as publicações que me informam e mostram conteúdo de qualidade, sem esquecer, óbvio, a Britney Spears e as páginas de memes, porque toda a gente sabe que a Britney Spears é super fun e que memes são vida.

E é isto meus, caros. Lições a reter: o Instagram não precisa de ser um engodo — é só preciso escorraçar o engodo que por lá anda. E, tcha nan, "olha que coisa gira", like para ti.