Os leitores perguntam, a psicóloga Sara Ferreira responde. É assim todas as semanas. Saúde, amor, sexo, carreira, filhos — seja qual for o tema, a nossa especialista sabe como ajudar. Para enviar as suas perguntas, procure-nos nos Stories do Instagram da MAGG.
Caro leitor,
A vida moderna é cheia de dificuldades, prazos, frustrações e exigências. Para muitas pessoas o stresse é tão comum que se tornou, quase, um modo de vida. Além disso, na nossa cultura existe o mito de que o “trabalho árduo” é o caminho para o sucesso.
Em parte, há uma razão: de facto, existem poucas possibilidades de triunfar realmente se não for a partir de um esforço contínuo. Porém, existe um equívoco, que é o facto de o trabalho duro não ser necessariamente uma “super-ocupação”. Por um simples motivo: está comprovado que o excesso de trabalho leva a resultados mais pobres.
Além disso, se não priorizar, acabará por fazer um pouco de tudo e muito de nada… logo, preste atenção onde está a colocar a sua energia, porque muito mais importante do que a quantidade é a velha e boa qualidade. Ou seja, na verdade, o excesso de trabalho (e de preocupação com o trabalho) leva à diminuição da produtividade. Isto faz-lhe sentido?
O pior é que muitas pessoas descobrem estas verdades quando já é tarde demais. Seja porque adoeceram de stresse (sabia que o síndrome do burnout é uma patologia mental?), emocional ou fisicamente, seja porque percebem a páginas tantas que – dado o grau de exigência face ao trabalho – perderam momentos que jamais poderão recuperar. Racionalmente nunca ninguém renunciaria, por exemplo, a perder o crescimento dos filhos, perder anos dourados de brincadeiras com eles, encarar um processo de divórcio pelo afastamento emocional dos cônjuges, perder horas de lazer e fruição pessoal com amigos, família, consigo mesmo, etc..
Geralmente, dá ideia que estas pessoas acordam “um belo dia” e, ao abrirem os seus olhos, são invadidos por uma súbita, profunda e inexplicável tristeza. Uma dor que, por outro lado, o dinheiro ou o reconhecimento social dificilmente consolarão.
Pois é, o leitor poderá ser um forte candidato a alistar as fileiras desta legião.
Se me permite o reparo, e se o leitor me revela que “está sempre preocupado com o trabalho”, note que a farpela que coloca quando sai de casa para ir trabalhar deverá condizer com isto:
Esse tipo de “stresse com o trabalho” poderá ser, seguramente, meio caminho andado para a falência da maior empresa que alguma vez poderá criar: a sua vida.
O mais certo é o leitor possuir a crença de que “A minha vida pessoal? Ah, tenho tempo para isso mais tarde!”). Na realidade, poderá estar a trocar a sua saúde (física e mental) por dinheiro, status, o que quer que seja. Ou às vezes, nem isso. No entanto, o que acumula agora julgando que poderá aproveitar mais tarde, poderá não acontecer dessa forma. Pura e simplesmente, poderá não ter saúde (física, emocional) para fazê-lo e em vez de poder desfrutar, precisará de se preocupar (e pagar) pela reposição da sua saúde (integral).
Parece mau augúrio, mas infelizmente é exatamente isto que acontece a todas as pessoas que, por um ou outro motivo, ao longo das suas vidas ativas, não souberam consagrar (e separar) os devidos espaços para o trabalho e para o descanso. Ambos são absolutamente indispensáveis. Por isso é que tirar férias, mais do que um direito legal, é sobretudo uma necessidade psicológica. Agora, quando se está à beira de um burnout, a palavra “cansado” já nem sequer começa a definir como uma pessoa se sente. Exaustão talvez defina melhor, com um detalhe. Não há sono que o valha nesta situação. E estes (o esgotamento mental e físico) são os principais indicadores de um tão famigerado como infame burnout.
Mas há mais. Problemas de sono? O dobro da propensão a doenças cardíacas? Desânimo? Angústia? Irritabilidade? Isolamento social? Sentimento de culpa persistente? Stresse crónico? Enfraquecimento do sistema imunitário (que leva a sintomas físicos vários, por exemplo, na pele, intestinos, coração, etc.)? Cansaço físico? Exaustão emocional?
Lamento, mas qualquer semelhança com alguns dos sintomas de ansiedade e depressão não são pura coincidência.
É da sua mente que está cansado
Quanto à segunda parte da sua questão (“Como é que posso deixar de me preocupar tanto?”), poderia ser “arrumada” aqui em meia dúzia de dicas ou sugestões, começando por uma que, com certeza também a si, lhe parecerá óbvia e elementar: abrandar. Descansar. Desligar. Mas para uma pessoa que se diz sempre “stressada com o trabalho” – por incrível que pareça – isto poderá soar pior do que tortura medieval. Eu explico.
O leitor primeiro precisa (primeiro) dar-se permissão nesse sentido para fazer aquilo que seria “suposto” e recomendável fazer para sair dessa condição. E, a meu ver, talvez seja aqui que reside, na essência, a sua questão. Explico melhor.
É verdade que em muitos momentos da vida vemo-nos sobrecarregados, como se o mundo pesasse insuportavelmente sobre as nossas costas. A rotina pode justificar, às vezes, mas não explica completamente as motivações do stress (basta ver que duas pessoas diferentes reagem diferentemente à “mesma” situação).
Diga-me o leitor, qual é a sua relação com o stress? E com o incómodo? Com a pré-ocupação?... É como se estes (stresse, incómodo ou preocupação) só mudassem de temas, porém, sendo algo na sua vida familiar?
Nas formações que realizo e nas consultas que dou, apercebo-me de uma coisa importantíssima mas muitas vezes desvalorizada por nós, e isso é o quê?
Bem, já parou pensar qual é o maior vilão da nossa capacidade de estarmos bem, de ter saúde, de estarmos focados, equilibrados, seguros, felizes e contentes? O stresse, claro, a ansiedade, stress, a angústia, stress, depressão e (sim, de novo), o stresse! E já parou para pensar o que causa tudo isso? Pois é, são os pensamentos.
Na verdade, o pensamento é uma das poucas atividades que os nossos corpos fazem sem parar!
Essa constatação vem acompanhada de uma perceção relativamente sapiente sobre qual é o problema real. E o seu problema (real) é este: é da sua mente que está cansado. Sim, da sua mente. Ainda que os parceiros, colegas, o chefe ou o local que habita sejam fontes de preocupação.
Já se questionou de verdade sobre que tipo de padrões mentais alimenta? Qual é o tipo de cobrança que faz a si mesmo? Que tipo de expectativa nutre para a sua vida? Elas são reais ou imaginadas/exageradas?
Sabe aquele problema recorrente seu, que não vai embora nem por nada? Consegue fechar os olhos e imaginar a sua solução com ricos detalhes e saber com segurança por onde começar? Não? Pois é, esse é o problema! E o stresse é só a “pontinha do icebergue”.
Para além desse (grande) problema, sabe, caro leitor, ainda há mais prejuízo acrescido ao facto de o seu stresse em relação ao trabalho (que é o mesmo que dizer em relação à vida, pois passamos grande parte do tempo das nossas vidas a trabalhar) estar a ser pautado por notas cada vez mais desarmónicas e que levam a uma também infeliz condição.
Consegue adivinhar o que é? Dou-lhe uma pista — de uma das minhas cenas favoritas de todos os filmes de Woody Allen.
“Chronic Dissatisfaction, that’s what you have”. (Insatisfação crónica. Nem mais.)
Meu caro, nada contra metas, desafios e crescimento, mas tudo contra insatisfação crónica. E é exatamente essa maneira torta de pisar na estrada do progresso que causa as dores emocionais que carregamos (sem saber).
Até que… “de repente”, estoura uma dor pelo corpo, reações alérgicas por stresse, uma gastrite “fora de hora”, a necessidade de tirar “férias” com muita frequência. A pessoa não percebe que está num ciclo de esgotamento, vai ao médico e descobre que tem depressão, síndrome do pânico, burnout, e por aí fora.
Por isso é que no caminho de mudança, para uma pessoa patologicamente “stressada” e ansiosa poderão surgir muitos obstáculos que se traduzem em grandes barreiras auto-impostas (por um lado, a pessoa recrimina-se por estar stressada, mas ao tentar relaxar, ressurge em força a auto-recriminação por achar que deveria estar a “fazer algo produtivo” e não a “perder tempo”, num perpétuo ciclo viciado e vicioso que não faz bem a ninguém e muito menos ao próprio).
Seria inútil (antes de um aprimorado trabalho mental) recomendar-lhe, por exemplo, algum retiro no Alentejo, trabalhos manuais, momentos de leitura ou férias diante do mar das Caraíbas porque, sem que genuinamente (inconscientemente) se autorize a isso (sobretudo, do ponto de vista emocional), não há “pausa” que resolva o seu problema de stress exacerbado. Seja em Paris ou num banco da praça, a sua mente seria capaz de tirar o brilho de qualquer paisagem.
É a sua mente que o perturba e não o trabalho, o trânsito ou o caos urbano.
Do que o leitor precisa de se libertar é da tendência despótica e opressiva da sua mente, isto é, dos seus padrões críticos e duros, de auto-cobrança, perfeccionismo e rigidez mental. Sobretudo, os que faz em relação a cada engano, erro ou tropeço diário. Há pessoas que parece que se entretém a passar mais tempo a contabilizar mais os erros do que os acertos (e por assim ser, acabam por tropeçar mais).
Saber escutar essa vozinha interna depende em tudo de auto-observação silenciosa. “Silêncio??!”, brandirá. Sim, bem sei que é difícil (sobretudo de início), mas faça a experiência. Tire uns dez minutinhos para ouvir a sua mente e descubra a artilharia pesada que ela guarda contra si.
Na verdade, isto é que torna o seu problema “um” sério problema. Isto é que o mata e mói por dentro. Isto é que torna a vida cansativa, pois a rotina e o excesso de trabalho podem ser enfrentados de diversas formas. Isto é que o faz estar “sempre stressado”, “preocupando-se tanto” e está só ainda a encontrar a pior maneira de reagir a tudo.
Antes de dizer que está sempre stressado e que gostaria de se preocupar menos, repare com calma, questionando-se, sobre que tipo de pressão o leitor na verdade quer aliviar? O que em si precisaria refrescar? Será talvez um “eu pesado” que precise de se desligar?
Vou tentar colocar isto de outra forma.
Como acontece com qualquer pessoa, o (nosso) mundo é visto através do (nosso) pensamento e filtrado pelo (nosso) pensamento. Assim, se os pensamentos estão associados a emoções muito fortes, o que vai acontecer é que toda a sua visão sobre a situação e as suas reações/comportamentos vão estar muito condicionados. Presos. Confinados. Como assim?
Bem, para que sinta liberdade em relação aos pensamentos e para que estes não estejam completamente ‘colados’ a si, convém aprender a olhar para o seu pensamento, em vez de olhar através do seu pensamento.
Assim, o stresse, a ruminação, os pensamentos invasivos (tudo ligado ao espectro da ansiedade) têm muito a ver com condicionamento, repetição e amplificação interior. Não adianta tratar o sintoma sem cuidar da mente geradora dessa visão; remédio sem transformação pessoal é só paliativo.
Se quiser aprofundar um pouco mais esta questão, veja um vídeo que fiz no qual lhe mostro uma técnica simples (mas infalível) para controlar pensamentos complicados. Veja e supere muitos desses pensamentos intrusivos, negativos, depreciativos, ansiosos ou preocupantes, especialmente indicado se eles forem recorrentes e sem utilidade, na sua vida, fazendo apenas com que se sinta mal, prejudicando a sua estabilidade emocional, propiciando inclusive condições para o desenvolvimento de uma série de doenças, como sabemos.
Então, se quer saber “como é pode deixar de se preocupar tanto”, o leitor PRE-CI-SA aprender a (e conseguir) interromper o seu fluxo de pensamentos ansiosos, depressivos e aflitivos e substitui-los por pensamentos, sensações e sentimentos que lhe tragam serenidade, alegria e confiança.
Uma vez que ainda não consegue isso, lamento dizer, mas quem comanda a sua vida é a sua mente. E isso é mau? Não. É péssimo. Porque se uma pessoa não domina as suas emoções, acaba dominado por elas. E isso faz com que, em última análise, situação colapse tanto a ponto de perdermos o controlo sobre a nossa mente e o nosso corpo.
O ruído mental involuntário e compulsivo impede-nos de encontrar e aceder à área de serenidade interior que existe em nós (em cada um de nós, pode crer) e cria um falso “eu” interior que projeta uma sombra de medo e de sofrimento sobre nós, acarretando a ansiedade e o stress nas nossas vidas.
A mente é somente um instrumento poderoso que pode e deve ser usada corretamente, caso contrário ela tornar-se-á destrutiva. E nestes casos, em vez de ser o leitor a usar a sua mente, é ela que o usa a si.
Se não consegue manter um equilíbrio saudável entre o trabalho e a vida, acabará isolando-se de si mesmo e daqueles à sua volta. Se a sua vida é uma triste rotina de trabalho e de sono, leve em consideração estes factos, bem como aquilo que lhe expliquei, e dê a devida atenção que a sua questão merece. Porquê? Por “nada”… só isto: o leitor pode estar à beira de um burnout.
Então, coloque-se na sua própria agenda de prioridades antes de tudo. Priorize o seu tempo. E em especial, o seu tempo para o seu auto-cuidado. Não tenha medo de dizer “não” quando necessário. É fundamental reequacionar prioridades e valores, pois não há trabalho nem dinheiro que valham a sua saúde e bem-estar físico e psicológico. Como comecei por dizer, o mal dos nossos tempos “stressados” e “stressantes” é que muitas pessoas só se dão conta desta grande verdade quando perdem autênticas bênçãos que, geralmente, dão por adquiridas. E a saúde é uma delas.
Há uma citação, irritante de tão verdadeira, atribuída a Jim Brown e que é a seguinte: “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente, de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido”.
Tenha tempo para si mesmo, para a sua família e os seus amigos, hobbies, cuidado com a alimentação (sabia que há alimentos que nos stressam por dentro e outros que são anti-stresse?) e não deixe de incluir algum tempo de inatividade (sim, o dolce far niente!) na sua agenda para se recarregar.
Pergunte-se o que o leva à necessidade de não se conseguir desligar/distrair um pouco de si (ou melhor, da sua mente)? Alguma fuga evitante em relação ao próprio “estar consigo mesmo” em silêncio e escutando-se realmente? O que lhe diz o seu corpo? Consegue escutá-lo e reconhecer, eventualmente, a mensagem por detrás dos seus sintomas? Está consciente do papel que as suas emoções desempenham nas decisões que toma? Que emoções mas profundas ou dolorosas, por conta do excesso de preocupação, tenta evitar ou reprimir?
Note que na vida lá fora (fora das nossas cabeças) nós rimos, amamos, choramos, brincamos, e com certeza conhecemos o sabor da felicidade.
Preocupações, stresse e problemas todos temos. Dias maus também. No entanto, muitos interiorizam uma amargura que se apresenta na testa franzida, na boca torta, e até na falta de educação. Às vezes, pedir licença e dar um “bom dia” tornam-se atitudes raras e até um sacrifício para muita gente.
Por outro lado, há quem se proponha contagiar pela alegria. Trabalha mental e emocionalmente para ter a felicidade como companhia.
Não, não é viver num mundo cor-de-rosa, numa bolha. Pelo contrário. É condicionar-se a buscar uma homeostasia que não maltrate o seu fígado, mas que faça ter mais serotonina a correr nas veias.
Gostaria de ajudá-lo a mergulhar nesse universo emocional para identificar como alimenta a culpa, a crítica e assim identificar as fontes desse peso interno para o início de uma nova caminhada com menos peso emocional, agora nesta época de rentrée tão favorável a processos de renovação e recomeços. Dê-se a si mesmo essa oportunidade. O convite está feito.
Entretanto, e para terminar, convido também a assistir a esta minha vídeo-aula, na qual irá aprender a lidar com a ansiedade e o stress na sua vida. Imagine só se conseguisse controlar as suas hormonas e neurotransmissores e assim acalmar o seu sistema nervoso, elevando-o a um outro patamar de saúde, ou seja, a ter uma vida mais saudável? Imagine ainda como seria se soubesse como criar novos caminhos neuronais positivos para o sucesso e ter uma vida plena. Neste vídeo, que pderá ver em baixo, irei demonstrar-lhe isso com as últimas descobertas neurocientíficas acerca do stresse e da ansiedade.
Saber viver é para profissionais, não para amadores. E os profissionais do saber viver são aqueles que conquistaram o equilíbrio interno, que estabelecem uma relação harmónica com a vida, escolhem lutar e investir no auto-conhecimento, na gestão emocional para adquirir estrutura, e possuem uma elegância na alma à prova de bala.
O stresse auto-gerado (através de pré-ocupações recorrentes) causado por todo o esforço para conquistar o seu crescimento pessoal é muito menor do que o causado a longo prazo por uma vida em desequilíbrio, sem fruições, muito mais propensa à doença física e mental, com todas as suas consequências.
Noutras palavras, ser desequilibrado, stressado e preocupado, a longo prazo, dar-lhe-á muito mais trabalho.