A noite de quinta-feira, 11 de março, foi importante para todos os portugueses. Pouco depois das oito da noite, António Costa falou ao País e revelou os contornos iniciais do plano de desconfinamento, que começou esta segunda-feira, 15, justamente pela reabertura de creches, jardim-escolas e primeiro ciclo, bem como dos cabeleireiros e do comércio ao postigo.

E apesar desta "luz ao fundo do túnel" ser uma notícia positiva para todos, ninguém festejou mais do que os pais das crianças mais novas, que viram naquele discurso o fim de semanas de loucura e muito pouco produtivas, em que o teletrabalho se misturava com a telescola ou tomar conta dos miúdos, em que a nossa saúde mental foi levada ao limite, e que parecia que estávamos a falhar a todos os níveis.

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Vou ser honesta: mal ouvi o nosso primeiro-ministro avançar que as escolas abriam esta segunda-feira, mandei um berro semelhante àqueles que me saem a cada golo do Benfica, infelizmente tão raros nos tempos que correm. E embora parte do contentamento também tenha sido potenciado pela abertura dos serviços de estética, enquanto marcava as unhas ainda António Costa discursava (porque #prioridades, obviamente), comecei logo a pensar que não faltaria muito para que a reabertura das escolas fizesse estalar o verniz nesse universo tão vasto que é o tema da parentalidade.

Meu dito, meu feito. Não demorou muito para que, para cada desabafo (com mais ou menos humor, mais ou menos sério) de um pai ou de uma mãe contente pelos miúdos regressarem às escolas, surgisse logo um comentário depreciativo, bem ao nível de apontar o dedo, num tom superior de "és tão mau pai/mãe".

Do "agora é que sabem o que é educar e cuidar dos filhos" ao "não estão para aturar os miúdos",  as palavras podem ser diferentes, mas a crítica escondida — ou bastante às claras — está lá. Bem como a porra do julgamento, que parece ser mais apetecível que água no deserto.

Isto deveria ser mais fácil do que um mais um serem dois, mas parece que não, por isso vamos lá. Senhores, uma mãe — e vamos focar-nos aqui nas mulheres porque é inegável que foram mais as mães a ficar encarregues dos miúdos nos últimos tempos — festejar a reabertura das escolas não quer dizer que não ame os seus filhos, não quer dizer que não está para os aturar. É significativo, sim, de um alívio por saber que vai conseguir fazer o seu trabalho sem interrupções a cada segundo e, mais importante ainda, de saber que os filhos podem regressar à escola, um lugar fulcral para o desenvolvimento das crianças a todos os níveis. Ah, e porque estão, pura e simplesmente, exaustas.

Os números não mentem. Um estudo sobre fadiga pandémica realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), divulgado este mês de março, concluiu que as mulheres são as que mais sofrem com o confinamento: entre o sexo feminino, 20% diz apresentar fadiga ligeira, 50% fadiga moderada e 30% fadiga elevada. Feitas as contas,  80% das mulheres portuguesas apresentam elevados índices de fadiga causada pelo confinamento.

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E porquê? Simples. Porque há 365 dias que nos desdobramos em 40 — e seria só ingénuo achar que isso não traria consequências. "As mulheres, desde há um ano, estão a assumir vários papéis — materno, profissional, doméstico e até o de professora dos filhos na escola online. O cansaço pode estar associado a estas múltiplas tarefas, que, mesmo se forem partilhadas em casal, não deixam de ser uma sobrecarga", explicou a investigadora e coordenadora do estudo Ivone Patrão ao "Expresso". Posto isto, deixem de ser idiotas e deixem-nos mandar os confetis. Até porque estamos por um fio.

Por outro lado, uma mãe que também gostaria de ficar com os filhos mais uns tempos não é uma irresponsável que não permite que os filhos sejam educados, ou uma mimada que quer os miúdos só para ela — sim, li isto algures numa caixa de comentários nos últimos dias.

Pode estar receosa porque o vírus continua a ser uma realidade muito presente, insegura ou apenas e só com vontade de aproveitar as coisas boas da telescola. Porque apesar das queixas, há coisas boas em todo o lado, nem que seja naquela meia hora a mais na cama com os miúdos antes de começar o dia.

E até a mãe mais desesperada pela reabertura das escolas e por horas de silêncio, grupo onde me incluo, está a estranhar a calmaria do dia de hoje e com aquele bocadinho de saudade de ouvir "mãeeeeeee" pela oitava vez em meio minuto. Ou vá, se calhar agora já estamos a exagerar.