Há uns tempos, escrevi um artigo para a MAGG sobre violência obstétrica, num texto que contava com vários testemunhos de mulheres que foram vítimas de maus-tratos durante o trabalho de parto. Na semana passada, voltámos a partilhar o artigo nas redes sociais, e eis que uma leitora comentou algo como "e aquelas que gritam tanto que assustam as outras mulheres nas salas ao lado?".
Quando esta leitora refere "aquelas", está a dirigir-se a mulheres em trabalho de parto, com certeza com contrações, sabe-se lá com que intensidade de dor, que se preparam para parir uma criança. Literalmente, estão a poucos momentos de ter um ser humano a sair-lhes do seu corpo, seja por parto normal ou cesariana. Mas espera, já nem podemos gritar.
O comentário acendeu um gatilho que sempre me incomodou: falo da necessidade constante de nos julgarmos uns aos outros, de nos comparamos com os outros, até de querer ganhar uma espécie de batalha imaginária num ringue que não existe. E, infelizmente, as mulheres continuam a ser as primeiras a criticar-se umas às outras, sendo que a maternidade, gravidez e educação dos filhos são os campos em que isto mais acontece.
Na mesma semana que vi este comentário nas redes sociais, uma das minhas melhores amigas, grávida de 39 semanas, contou-me um episódio na sala de espera do hospital. Enquanto aguardava para ser encaminhada para o CTG, uma outra grávida meteu conversa com ela, e assim que percebeu que este era o seu primeiro filho, não resistiu a dizer à minha amiga que estava gorda. Que a barriga dela estava muito grande, e que ela, a iluminada da sala de espera, já ia na terceira gravidez e estava impecável. A minha amiga sorriu, eu acho que lhe tinha atirado com a edição da "Nova Gente" de 2003 embandeirada em arco para lhe atingir no meio dos olhos. Opções.
Fora de brincadeiras, alguém me explique o objetivo do comentário. E se conseguirem arranjar uma resposta que não seja a de a iluminada se querer sentir melhor às custas de denegrir outra pessoa, parabéns. Porque eu só vejo essa opção.
É verdade que nem sempre os comentários são para magoar. Temos de fazer ouvidos moucos às recomendações das nossas mães e sogras, que às vezes se saem com tiradas desnecessárias, mas veem de um sítio de amor. Mas e as da vizinha do 2.º direito? Esqueçam lá isso, provavelmente está só a querer ganhar o dia à nossa pala.
Comparamos tamanhos de barriga, horas em trabalho de parto, se demos à luz por parto normal ou cesariana, existindo uma necessidade de perceber quem sofreu mais. Sim, porque quanto mais sofrerem, melhores mães são, não sabiam? Se foram para uma cesariana, não tiveram contrações e nem uns pontinhos na vagina levaram, são uma treta de mães. Porque isto para ser boa na maternidade, há que haver uma grande dose de lágrimas.
Comparamos mamas, se amamentamos ou não, quantas mastites tivemos e a quantidade de horas que passamos sem dormir a dar colo a um recém-nascido aos berros. Quantos dias passámos sem tomar banho, quantas nódoas temos na roupa, há quanto tempo que não sabemos o que é pôr um creme hidratante na cara. Adivinharam a resposta? Quanto mais miseráveis estiverem, melhores mães são.
E deixar o bebé em casa passados alguns meses para umas horas com o parceiro/a, amigos ou simplesmente para respirar? Alerta vermelho, tirem a criança a esta mãe porque ela está a tentar ter uma vida — também conhecida como a única forma de recuperar sanidade mental no período de loucos que é o pós-parto.
Mas calma, que há mais. Depois dos primeiros tempos, em que a comparação é pela negativa, damos uma volta de 180 graus e começamos a comparar as crianças, e aí é ver quem ganha. Não acreditam? Espreitem os grupos de mães nas redes sociais, que aquilo é melhor que o livro do Guiness. É que há bebés de 1 ano a correr maratonas, de 2 a falar japonês e de 6 meses a fazer mortais encarpados. Acham que estas mães podem estar a exagerar para vencer a tal corrida invisível? Nada disso.
Brincadeiras à parte, o pior é que isto é tudo verdade na essência da questão. Não há campo como a maternidade que envolva tanto julgamento, tanta falta de empatia, tanta necessidade de nos sentirmos melhores do que os outros. Sim, porque só isso explica a quantidade de licenciaturas de medicina da universidade do Facebook que existem ao ponto de os tais grupos de mães estarem recheados de comentários sobre o que as outras mães devem fazer.
Eu sei, julgar é fácil, e em tempos difíceis como os que passamos, podemos cair na tentação de apontar o dedo. Ainda no outro dia dei por mim a fazer esse mesmo julgamento na minha cabeça, quando uma amiga me confidenciou estar tão exausta com o teletrabalho, que a fazia ter reuniões contínuas com o choro da sua bebé de quase 1 ano na sala ao lado como banda sonora. Parte do meu cérebro pensou logo "está-se a queixar, mas tem só uma, e tem ajuda, e eu tenho duas, e tenho de cozinhar o almoço, e ninguém me ajuda durante o dia, e, e, e". E parei por aí.
Porque sim, a minha amiga pode ter uma filha, e eu duas, mas sei lá eu o que ela passa quando o dia acaba. Sei lá eu se nas noites que as minhas filhas dormem como anjos para eu também conseguir dormir, ela passa oito horas acordada com a bebé a chorar. Não sabemos o que se passa verdadeiramente na vida das pessoas, não sabemos o que está atrás daquela foto fofinha com o bebé ao colo nas redes sociais. Não sabemos se está uma mãe que gere a maternidade na perfeição, ou se temos uma mulher à beira da loucura.
Empatia precisa-se. E muita.
(Ah, mas a minha filha mais nova não dorme como um anjo e também não nos deixa dormir. Ando bastante miserável por estes dias, por isso podem voltar a achar-me boa mãe, sim? Mesmo que eu não faça babywearing, papas caseiras para todos os dias da semana e só tenha amamentado a mais velha por um mês.)