Ao almoço, vejo o "Jornal da Tarde", da RTP1. Estamos nas horas que antecedem o anúncio do fecho das escolas durante 15 dias, um retroceder na decisão do Governo aquando este novo estado de emergência.

Carlos Daniel entrevista Bernardo Mateiro Gomes, médico de saúde pública e professor no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto). A minha primeira reação é: 'olhó Bernardo!". Não que importe grande coisa para este tema, mas o Bernardo é meu conterrâneo e fomos conhecidos durante a adolescência. Não diria amigos, porque abomino aquelas pessoas que dizem que são amigas de toda a gente quando só trocaram meia dúzia de frases e o que importa e dá um quentinho no coração é ver pessoas que a gente respeita serem bem sucedidas e reconhecidas publicamente.

O médico Bernardo Mateiro Gomes
O médico Bernardo Mateiro Gomes O médico Bernardo Mateiro Gomes

"Não conseguimos mobilizar. A comunicação não funcionou. Espero que se mude, de uma vez por todas, o estilo de comunicação e a forma de comunicar. Acho que é preciso a mensagem certa, na hora certa, pela pessoa certa. Precisamos de figuras da autoridade que consigam mobilizar, precisamos de exemplos positivos", alerta o Bernardo.

E é aqui que eu discordo. Acho que precisamos de exemplos negativos. E é aí que a minha ideia - que a seguir vos apresento - converge com a seguinte do Bernardo: "este é um momento de dramatização, no sentido de apelar ao receio".

Então, o que proponho é a requisição civil do TVI Reality. Depois de despachar os atuais concorrentes do "Big Brother" (com uma generosa compensação pelos préstimos à Nação), passa a ocupar-se a emissão com diretos de diversas unidades de cuidados intensivos, de Norte a Sul do País. Um direto non stop, 24 horas sobre 24 horas, mostrando o horror dos ventiladores, o sofrimento dos médicos, enfermeiros e auxiliares, o apitar constante de monitores, as tentativas de reanimação, as declarações de óbito, as lágrimas de desespero e impotência.

E, para que a coisa funcionasse mesmo, podemos elevar isto a uma dimensão orwelliana, fazendo uma requisição civil das boxes das diversas operadoras de televisão, que convenientemente 'congelariam' neste canal.

Porque já não vamos lá com os bem intencionados "Fique em Casa". Já não vamos lá com apelos do primeiro-ministro nem da ministra da Saúde. Já não vamos lá com médicos e especialistas, todo o santo dia, a metralharem a mesma mensagem em todos os programas do daytime. Já não vamos lá quando os principais influencers portugueses, alguns com covid, apelam aos cuidados e ao confinamento. Já não vamos lá.

O Segundo Grande Confinamento. "Happy Birthday, Mr. President"
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Porque, por cada boa intenção, há um negacionista. Por cada apelo razoável, há alguém que insiste em fazer tainadas em casa (ai, desculpem, "reuniões familiares"). Por cada cidadão cumpridor, há um conjunto de bandalhos à porta de um café fechado em alegre convívio, com a máscara a meia haste ou, como vi outro dia, em plena bomba de gasolina (que, como toda a gente sabe, é um local supimpa para um bate papo).

O meu pai contraiu covid-19 no hospital há uma semana. Foi internado por outros motivos mas devido à infeção provocada pelo novo coronavírus, terá de lá ficar mais duas semanas. Um mês no hospital. O meu pai tem demência e todos os dias nos liga a perguntar quando é que vai para casa. "São só mais uns dias", repetimos. Todos os dias. E eu tenho sorte, sabem? O meu pai está vivo. Há filhos, netos, irmãos, amigos, que não puderam despedir-se. E eu não sei o que será mais doloroso: não poder dizer adeus ou imaginar a lancinante tristeza da solidão da morte. Sem uma mão, sem um carinho, sem um abraço. Só o frio das máquinas, os gritos dos alarmes. O medo, o vazio.

Hoje, enquanto almoçava e se iniciava a liturgia diária do boletim epidemiológico, subiram-me uns calores de raiva ao rosto e vociferei: "O QUE É QUE ESTA GENTE ANDOU A FAZER?!!!".

Porque estes contágios não foram todos obra e graça do Espírito Santo. Não foram todos por acidente ou por acaso. Não foi 'ups! Tropecei no vírus!'. E o mais engraçado é que toda a gente bate no peito e jura a pés juntos 'ai eu faço a minha parte!'. Temo bem que essa parte que toda a gente diz que faz esteja esburacada de exceções. Do género "se ninguém vir, não conta". Mas conta. E as contas estão aí.