Há uma expressão a que acho graça: a opinião divide-se. Acho graça porque a opinião divide-se em relação a tudo. A opinião divide-se sobre a demissão de Varandas, porque há pessoas que querem correr com ele do Sporting, mas também há outras que querem que ele fique por lá, nem que seja apenas a opinião dos seus vice-presidentes. Não interessa, a opinião divide-se. Não há nenhum barómetro opinatório que permita dizer que são 98 contra 2 por cento, que são 30-70 ou 50-50. A opinião divide-se, pronto.

E a opinião divide-se também sobre a figura, a postura, os interesses ou o discurso de Greta Thunberg, a miúda de 16 anos que grita e chora para que os poderosos façam mais para salvar o planeta, e que é, por isso, aplaudida e insultada por essas redes sociais.

Nos últimos dois dias, li dezenas de opiniões de gente ilustre, de intelectuais, de patetas, de pessoas que admiro e outras que admiro pouco sobre Greta. Adivinhem: é, a opinião divide-se.

Olho para tudo isto de várias formas, sob diferentes perspetivas e não me atiro para a frente do comboio para salvar a Greta, nem a empurro para a linha para que seja trucidada (agora é aquela parte em que é sempre importante fazer um disclaimer para que não levem isto à letra, é só uma metáfora, está bem?).

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Acho absolutamente admirável que uma miúda ofereça uma parte importante da sua adolescência à causa do Ambiente. Quando muitos se riram do que ela disse, de que lhe roubaram a infância, porque afinal ela é uma menina da classe média de Estocolmo, e não propriamente uma criança do Ruanda, o que ela queria dizer era isto, era que deixou de brincar como as crianças de 14 anos, dedicou dois anos que deviam ser de parvoíces (porque é aquilo que devemos fazer quando temos 14 anos), a lutar por uma causa que deveria ser dos adultos.

Nós, os crescidos, não fizemos o nosso papel, não tivemos força, não nos dedicámos o suficiente, não fizemos passar a mensagem de forma eficaz, por isso teve de ser uma miúda a fazer isso pelos adultos. E só por isso Greta Thunberg tem o meu aplauso, daqueles de pé, e demorados (como no final dos desfiles de moda, mesmo que ninguém tenha gostado da roupa).

Eu preciso que haja Gretas no meu mundo para que elas possam fazer aquilo que eu quero que seja feito, mas não tenho tempo, coragem, força, dedicação para fazer. Quero muito ter um mundo melhor para deixar para os meus filhos, mas não é suficiente recusar palhinhas nos restaurantes ou reciclar as garrafas de plástico no contentor amarelo. Isso é o básico, e não é isso que vai mudar o mundo e as políticas ambientais mundiais. Eu, como quase toda a gente, gosto de estar no meu sofá a aplaudir aqueles que fazem aquilo que eu gostaria de ter feito, mas a que não me dediquei. Eu não quis prescindir do meu tempo em família, das minhas corridas, das minhas séries da Netflix para ir lutar pelo Ambiente, mas limpo a consciência quando recuso palhinhas, quando peço sacos de papel mas sobretudo quando passei a seguir uma alimentação sem produtos de origem animal. Faço qualquer coisa, mas aquilo que eu faço é quase zero, vale pelo menos zero, quando comparado com aquilo que aquela miúda faz.

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Ela podia passar as tardes na sua casa aquecida de Estocolmo a trocar "What's" (é assim que os miúdos dizem quando estão a falar por What's App) com as colegas de turma e a comentar o quão giro estava o Klaus na aula de Ciências. Podia estar a encher o Insta de selfies em frente ao espelho da casa de banho do shopping. Podia estar a discutir com as amigas sobre a nova coleção de roupa da H&M. Mas não. Anda pelo Mundo a apelar à consciência ambiental e à necessidade de invertermos caminho sob o risco de estarmos a matar o planeta. Greta é convidada pelas Nações Unidas a discursar perante os maiores líderes políticos mundiais e a dizer-lhes na cara aquelas coisas que nós, na melhor das hipóteses, dizemos no Facebook aos nossos 548 amigos, sendo que 521 nem sequer vão ler, e dos 8 likes que vamos ter dois são da nossa mãe (que gosta de tudo o que escrevemos) e de algum distraído que pôs like sem querer. E isto, esta posição que ela alcançou com a sua luta, a sua estratégia (que até pode ser dos pais, de empresas, quero lá saber, não é isso que importa) tiveram resultados, trouxeram a questão ambiental para as discussões de Facebook, para a agenda mediática mundial.

Agora o outro lado. Admito que me senti um bocadinho incomodado com a forma como Greta discursou há dias. Não com o que ela disse, mas com a postura, a mímica. O problema não foi o conteúdo, foi a embalagem em que ele veio, debitado de uma miúda que pela primeira vez me pareceu estar a interpretar um papel, uma personagem, e não a ser totalmente genuína. Não quero trazer para a discussão a questão do Asperger, porque não me parece mesmo que seja relevante, até porque a doença já existia antes, e nem sempre Greta teve uma interpretação com este nível. E o problema é mesmo esse, o overacting que pode ter parecido demasiado. A Greta meteu-se num aquário de tubarões, e está a agir como um tubarão, por uma questão de auto-defesa e sobrevivência. Mas a sua maior arma sempre foi a genuinidade, a sua voz só foi ouvida desde o início porque era a sua, porque era sentida, porque vinha de dentro daquele coração. No momento em que as pessoas percecionarem que a sua mensagem já não é genuína, já não é só dela, que há ali um guião, gente por detrás, empresas, os pais, seja quem for, a sua mensagem, a força, vão perder-se, esmorecer, e a Greta que hoje existe vai passar a ser só mais uma voz igual à de tantas outras.

Importante não é que Greta fale mais alto, que grite, que esperneie, o que deve importar no meio de tudo isto é que temos de ter mais Gretas nas nossas vidas, nos nossos mundos, mais vozes como a dela, atitudes como a dela, porque é assim que se vai mudar o mundo. Não tenho dúvidas de que esta nossa sociedade vai calar a voz de Greta, mas se a dela se calar e se outras cinco se levantarem, então, estaremos no bom caminho.