Ao invés de efetuar uma reforma profunda no setor da Educação, que implicaria oferecer melhores salários, recuperar o tempo de serviço congelado, criar um sistema de colocações que não fosse uma anedota ano após ano e oferecer soluções efetivas para atrair novos profissionais, o governo decidiu fazer algo muito mais simples: contratar pessoas sem habilitações para dar aulas.

Ninguém pode dizer que não somos os reis do desenrasca.

De acordo com os dados fornecidos aos sindicatos pelo Ministério da Educação, este ano há 1200 profissionais a ensinar sem terem competências para o fazer. A mim parece-me muito bem: porque é que não havemos de ter advogados a ensinar Português, psicólogos a dar aulas de História e geólogos a lecionar Geografia?

Faz todo o sentido: se um advogado for ofendido em contexto de sala de aula, pode sempre processar o aluno; um psicólogo tem competências para oferecer sessões de psicoterapia, o que todos sabemos ser muito necessário – alunos, pais, professores, saem todos a ganhar; já o geólogo saberá por certo organizar as melhores visitas de estudo. E atirar pedras para se defender, ele sabe quais é que doem mais.

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Entre a genialidade e a bestealidade, a distância às vezes é mesmo muito curta. Vejamos as coisas por este prisma: e se o nosso governo acabou de descobrir a solução para todos os problemas deste País? A minha sugestão é que não paremos por aqui. O próximo passo tem de ser o SNS.

Reparem nestes números: até agosto, os médicos fizeram mais de 4,3 milhões de horas extraordinárias. Os enfermeiros foram além dos três milhões. Pelo meio, o SNS ainda contratou quatro milhões de horas em prestações de serviço. Mesmo assim, a recusa de mais de mil médicos em ultrapassar o limite de horas extraordinárias impostas pela lei (150 num ano) está a provocar constrangimentos nos serviços de urgências de todo o País. Mais de duas dezenas de hospitais estão a ser afetados neste momento, e até os bombeiros já dizem não saber para onde é que devem levar os doentes.

Para mim, a resposta é fácil: para o UBBO. Ou para o Centro Comercial Colombo, NorteShopping, Braga Parque… Um qualquer centro comercial deste País é mais do que suficiente para resolver a crise no SNS. Ora reparem no manancial de profissionais disponíveis nestes espaços:

  • os talhantes ganham a vida a cortar carne e sabem usar facalhões sem se magoarem. Estão mais do que qualificados para fazer as vezes de um cirurgião;
  • os baristas da Starbucks são especialistas na preparação de cafés e de bebidas à base de café. Troque-se a palavra “café” por “líquidos vários” e acabámos de ganhar uma data de enfermeiros;
  • os lojistas da Zara sabem muito bem o que é tentar encontrar ordem no caos durante a época de saldos. São as pessoas certas para gerirem um serviço de urgências;
  • os tipos que trabalham na Kidzania podem dar uma mãozinha na pediatria. Assim-como-assim, já estão habituados a lidar com crianças;
  • os caixas do supermercado trabalham todos os dias com uma máquina que faz pi-pi-pi. Podem com certeza ajudar na cardiologia;
  • o pessoal da Leroy Merlin está habituado a montar e desmontar cenas várias. Sinto que estão mais do que aptos para pôr ossos no sítio;
  • e aquela malta que nos tenta encurralar nos corredores para vender cartões de crédito? Esses podem muito bem ir para as maternidades ajudar grávidas em trabalho de parto. A bem da verdade, já estão mais do que acostumados a apanhar pessoas contra a sua vontade.

Haters gonna hate, já cantava Taylor Swift. Para mim, António Costa está à frente do seu tempo. Continuemos este caminho, por favor, quero muito que chegue o dia em que esteja tudo trocado – inclusive este governo. Até lá, uma coisa é certa: estamos todos a progredir a passos largos na carreira de palhaços. E sem habilitações para isso.

Até à próxima quarta-feira.

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