No artigo de opinião que escrevi esta segunda-feira, 17 de julho, decidi, em dois momentos, falar para as pessoas que gostam de ler o que não está nos artigos ou que gostam de opinar sem ler os textos, contentando-se com títulos. Fi-lo porque já ando há demasiado tempo neste mundo das crónicas e da opinião e já sei o que a casa gasta. Não foi suficiente, como eu sabia que não seria. Muitas pessoas preferiram partir de coisas soltas que estavam lá pelo meio do texto para criar juízos de valor ou difundir uma opinião errada e descontextualizada sobre o que estava escrito. A maior discussão que se gerou foi à volta do tema dos modelos educativos, o modelo mais autoritário, e até violento, e o modelo da parentalidade positiva, do diálogo e da aceitação.
Repito o que disse na crónica anterior: eu sigo o segundo, sempre o segui, é o que defendo e o que pratico. Sou e serei sempre anti-violência, sou e serei sempre um pai que ensina pelo diálogo, pelo exemplo, e nunca pela palmada ou pela chapada. Mas isso interessa pouco para o caso.
O que disse no meu texto anterior, e repito, é que não há uma causa-efeito entre o modelo seguido e o que isso irá gerar, por mais estudos científicos que apontem para as vantagens de um e os problemas do outro. Com isto, não estou a dizer que são iguais ou que geram o mesmo resultado. Não. Estou a dizer que é impossível para um pai ou mãe saber que seguindo um ou o outro vai chegar a determinado resultado. Pode chegar. Como pode não chegar. Ou seja, não é por um pai ou mãe ser autoritário e violento com o filho que isso irá gerar um adulto perturbado e traumatizado. Pode acontecer, e a probabilidade de isso acontecer é até maior do que se seguir um modelo de educação pela positividade. Mas também pode não acontecer. E o contrário é exatamente igual. Mais: há casos em que dois e três irmãos têm exatamente o mesmo modelo educativo, praticado pelos mesmos pais, e os resultados são totalmente diferentes: um é equilibrado, saudável, excelente aluno, próximo da família, outro meteu-se nas drogas e saiu de casa aos 18 anos, e um terceiro é hippie no Canadá. Não há uma relação causa-efeito óbvia entre um modelo educativo seguido e o resultado final. Há probabilidades maiores, menores, mas não há certezas. Foi o que escrevi, é o que reitero.
Mas vamos a outro tema muito abordado na sequência da crónica anterior: os estudos científicos.
Dizia-me muita gente que eu era muito pouco informado (como se me conhecessem de algum lado) porque não sabia que os estudos científicos comprovam que a parentalidade positiva gera muito mais pessoas felizes do que o outro modelo, mais agressivo ou violento. Lamento desiludir estas pessoas, mas sim, não só sei disso, como me parece demasiado óbvio, óbvio demais até para falar disso.
Mas vamos pegar então nos estudos científicos. Com uma simples busca, encontraremos mil estudos científicos que compravam que o açúcar faz mal às crianças (e aos adultos). Encontraremos mil estudos científicos que demonstram que o açúcar está na base de doenças gravíssimas, muitas delas mortais. E que o abuso do açúcar é um dos maiores problemas do século XXI e está a destruir a qualidade de vida de milhões de crianças, que, por abusarem dos doces e da fast food em crianças, ficam com problemas de saúde para toda a vida. Tudo óbvio, tudo certo. Ou seja, tal como um modelo educativo violento gera, de acordo com estudos científicos, problemas de saúde mental, uma educação permissiva em relação ao açúcar gera problemas de saúde física. São as duas igualmente importantes, sendo que a saúde física gera muito mais mortalidade do que a saúde mental.
Agora, o facto de haver pais que se estão nas tintas para aquilo que dão aos filhos para comer dá o direito a outros pais ou ao Estado de retirar essas crianças aos pais? Devem ser sinalizados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ)? Há algum caso desses na história? Se há, eu não conheço. E não, não dá o direito a outros pais de interferir na educação que é dada a uma criança que não é filha delas. E não dá direito ao Estado de retirar a criança aos pais. Imaginem estarem numa esplanada com o vosso filho gordinho a comer um gelado e vir de lá uma mãe dizer que vocês são uns irresponsáveis e que iriam fazer queixa vossa à CPCJ. Como é que reagiriam? No mínimo com um "meta-se na sua vida".
Uma vez mais, e lamento repetir-me — mas tem de ser —, estas situações que os pais são retirados aos filhos devem ocorrer em casos graves, limite, em que há risco de vida, abusos sexuais, perigos iminentes para a criança, e não apenas porque outros pais não concordam com a educação que está a ser dada a uma criança.
Vamos a mais exemplos. Há mil estudos científicos que comprovam as vantagens para a saúde das crianças se forem amamentadas, pelo menos, no primeiro ano de vida. Há quem ache que são dois anos. Há quem ache que são quatro. E há estudos para tudo. Agora, uma mãe que, por opção, não amamenta o filho, e, de acordo com os tais estudos, está a prejudicar a saúde da criança, deve ser impedida de ser mãe? Deve ser sinalizada pela CPCJ?Devem retirar-lhe a criança? O Estado deve interferir? Pois, não.
Mais. Há mil estudos científicos que compravam que é prejudicial para as crianças passarem mais de X horas em contacto com dispositivos móveis, telemóveis, tablets. E que, ao fazerem isso, estão a prejudicar em muito a sua saúde mental e física (nomeadamente os olhos). Os pais que permitem isto, e estão, de acordo com os estudos, a prejudicar gravemente a criança devem impedidos de ser pais? Devem-lhes ser retiradas as crianças? Devem ser sinalizados pela CPCJ? O Estado deve interferir? Não.
Outro. Pais que decidem não vacinar os filhos. Tudo errado. Para mim, são doidinhos. Mas tenho o direito de interferir? E o Estado deve ter? Devem ser sinalizados? E quando a este ponto penso que será escusado falar dos estudos científicos que comprovam os benefícios das vacinas para a saúde das crianças.
Educação desportiva? Mil estudos entendem que é altamente benéfico para a criança se tiver uma educação desportiva, milhares de pais estão-se nas tintas para isso e, dessa forma, prejudicam a saúde física e mental dos filhos. Devem ser impedidos de ser pais? Devem ser sinalizados?
Pais que permitem que os filhos saiam à noite, com 12 ou 13 anos, e voltem a casa às três da manhã. Devem ser sinalizados? É preciso falar dos perigos?
Pais que impõem uma alimentação vegana a filhos bebés? Há estudos científicos que comprovam o quão mau isso pode ser. Outros que comprovam o contrário, que é excelente. O que é que está certo? É o que cada pai acha que é melhor para o seu filho. Ponto.
Acho que já deu para perceber a ideia, que não difere em nada do que referi na crónica anterior. E sim, eu comparo a tortura que aquela senhora Joana Mascarenhas fez com a filha, e que pode causar problema de saúde mental à criança, com a gravidade que é um pai permitir que um filho se torne obeso e, por isso, venha a ficar com problemas de saúde irreversíveis para a vida, e podem levar a mortes prematuras.
Por mais que tenhamos uma opinião sobre a educação certa a dar às crianças, fundamentada em estudos ou na nossa experiência, não temos o direito de impor essa visão aos outros pais. Nem nós, nem o Estado. A menos que a vida da criança esteja em perigo, a menos que haja abusos sexuais, a menos que haja comportamentos limite que possam por em risco grave e comprovado a criança.
Vivemos na época da ditadura da opinião, em que achamos que somos donos da razão e não admitimos a responsabilidade individual, em que queremos legislar e proibir tudo, cancelar todos aqueles que pensam diferente, que não agem de acordo com aquilo que são os comportamentos que nós entendemos serem os corretos. Isso, sim, na minha opinião, vai gerar uma geração de crianças inseguras, frustradas, com gravíssimos problemas de saúde mental, porque vivemos numa época em que nós, pais, não lhes sabemos mostrar como se constrói o pensamento crítico, não lhes sabemos mostrar o que é o respeito pela opinião do outro, mesmo que não concordemos com ela.
Queremos impor ditaduras e os nossos filhos não vão querer viver em ditaduras.