Todos podemos ser um pouco Bill Murray, no filme “O Feitiço do Tempo”. Pobre homem, passa a vida a acordar no mesmo dia. A vida segue-lhe em loop, numa constante repetição. A metáfora pode encaixar naquilo que é voltar para um ex-namorado (vezes e vezes seguidas). A diferença é que num contexto amoroso — e mesmo que a sequência de acontecimentos possa roçar o absurdo — a justificação consegue ser sustentada por uma resposta mais lógica.
Sim, é isso. Reincidir numa relação que terminou (por vezes, várias vezes) não acontece exclusivamente porque somos teimosos, sentimos saudades, nostalgia e vontade de estar com a pessoa. Ou sequer masoquistas. Estes sentimentos são desencadeados por reações químicas do nosso cérebro e, sobretudo, por padrões emocionais que nos fazem ter tendência para determinados comportamentos. O cocktail pode ser altamente explosivo ou, por outro lado, ser equilibrado ao ponto de conseguir deixar a razão falar mais alto.
Há hormonas e neurotransmissores que querem de ser saciados
“Podemos dizer que parte disto está relacionado com uma reação química”, explica à MAGG a psicóloga Júlia Machado, do Hospital dos Lusíadas do Porto. No campo da neurociência, e a curto prazo, há dois protagonistas que tornam mais fácil este regresso ao passado: a dopamina e a oxitocina.
A dopamina é um neurotransmissor “responsável por sentimentos como amor, luxúria e vícios”, explica. “É a mediadora do prazer. Aquela que nos faz agir, motivando-nos para determinados objetivos”.
É fácil transpor isto para as relações. Basta pensar noutra dependência. Um fumador sabe que o tabaco lhe faz mal, mas, ainda assim, é capaz de persistir com o hábito. Com um namoro é igual. Determinada pessoa espoleta estas reações no nosso cérebro e, quando deixamos de as ter, sentimos falta e agimos. Venha daí essa mensagem às tantas da noite. Para o ar com a lógica e com a razão.
A oxitocina — conhecida como a hormona do amor — está ligada também ao desenvolvimento de comportamentos e vícios, mas também está muito relacionada com a criação de vínculos. Num contexto amoroso, liberta-se quando há um beijo, um abraço, durante o ato sexual. Dá-nos a sensação de recompensa.
“Isto acontece num contexto materno: quando a mãe está a dar de mamar, tem maior libertação da oxitocina”, diz Júlia Machado. Ora, se de um dia para o outro deixamos de ter colo, naturalmente que o organismo vai estranhar a falta deste neuropeptídeo. O vídeo acima explica isto na perfeição.
Isto são tudo processos neuroquímicos que vão decorrendo no nosso cérebro. Quando aquilo que o satisfazia deixa de estar presente, eis que forças do demónio surgem e nos fazem ir em busca daquilo que nos faz falta. É uma espécie de ressaca, que se acalma com a recaída ao vício. Mas o facto de ser comum voltarmos aos nossos ex-namorados não pode justificar-se apenas com isto. Há todo um campo emocional com milhas de profundidade e altamente complexo.
Voltemos ao exemplo do tabaco: “Há três meses de desmame, em que desaparece a dependência física. Mas o problema é o inconsciente a trabalhar, daí as recaídas, que podem acontecer anos depois.” Ou seja, a questão “tem a ver com processos neuroquímicos” — a curto prazo, porque eventualmente as coisas estabilizam — mas também com um “lado do subconsciente, que precisa de um trabalho profundo.”
Nisto das relações, não são só os processos químicos que contam. Estar há três anos num vai-não-vai com a mesma pessoa não se justifica desta forma. As nossas características pessoais pesam muito e “temos de ver o processo de relação num todo.”
Somos resistentes à mudança
Na nossa matriz, é assim que funcionamos. Habituamo-nos. Criamos rotinas, padrões e agarramo-nos a isso. Largar não é assim tão simples. Resistimos muito. E para algumas pessoas custa mais do que para outras.
“Aquela relação até pode não ser a melhor, mas dá-me de alguma forma uma sensação de bem-estar e de prazer”, exemplifica a psicóloga. Somos “resistentes à mudança” e, além disso, podemos criar “dependências emocionais”, um traço de personalidade que varia de pessoa para pessoa e que, regra geral, é comum a determinadas vivências, a questões genéticas e à forma como olhamos para nós mesmos.
“Há pessoas que já nascem com a predisposição para a dependência, seja de que tipo for”, diz a especialista. Os fatores neurocientíficos interessam, mas as características pessoais são muito mais determinantes. “Temos de ter em consideração as características pessoais. Há pessoas que ficam mais dependentes. Há outras que conseguem ser mais objetivas e dizer que não à relação, indo em busca de outras que funcionem.”
Quando voltamos para um ex-namorado, estamos a voltar para “a zona do conforto”. Voltamos para uma espécie de sítio quentinho, que “conhecemos e identificamos”, porque, naquele momento, não conhecemos outra e isso faz-nos falta. “Bloqueamos”, diz.
Isto pode acontecer mesmo que a história para a qual voltamos nos faça mal. Nesses casos, é fundamental um trabalho de reflexão pessoal, de auto-conhecimento, muitas vezes apoiado pela psicoterapia — porque é, quase sempre, um comportamento que reflete um mal-estar próprio, que em nada se relaciona com o outro.
“Se gostarmos de nós, não precisamos do outro como dependência”, explica Júlia Machado. Não se pode negar um determinado nível de dependência numa relação amorosa. Mas há graus e limites. O excesso não é um bom sinal, até porque os princípios de uma relação saudável dizem-nos que “não devemos depender do outro para nos sentirmos bem.”
Voltar para um ex não tem de ser mau
Mas podemos também considerar as histórias com finais felizes, porque no campo emocional existe um sem-número de caminhos. Depende da situação, do contexto, das relações. “Há males que vêm por bem”, considera também a especialista. Por um lado, voltar pode significar aprender, trabalhar aspetos pessoais, mesmo que isso signifique não ficar naquela relação para sempre. Pode, ainda, significar que aquele é o sítio em que temos de ficar e em que podemos ser felizes.
Nesses casos, o “diálogo” e a “comunicação” são fundamentais para que se resolvam as questões que levaram à rutura — ou ruturas. “O que temos de perceber é se de facto estamos bem”, considera o psicoterapeuta Pedro Brás. "Há amor quando sentimos que o outro preenche as nossas necessidades. E mesmo que esse amor seja muito grande, não quer dizer que não haja problemas, que não falhe alguma coisa. Aí é preciso trabalhar para o entendimento.”
Segundo o psicoterapeuta, havendo comunicação, percebendo a raiz dos problemas, conseguimos chegar a consensos, a negociações que resolvam as falhas na base da desunião. O que há que descodificar é aquilo que nos faz voltar ao outro. A força de um hábito, o medo do vazio, do desconhecido, mesmo que isso signifique não estar com quem o faça sentir pleno, não são bons presságios. À partida, denotam a uma fuga, uma tentativa de alienação. O principio é este: "Quando gostamos de nós, não precisamos do outro para nos refugiarmos."