Navegar pelas redes sociais de alguém tornou-se, para muitos, um ritual indispensável antes de qualquer encontro. Seja para encontrar amigos em comum, descobrir potenciais interesses ou até para perceber se, de facto, a pessoa em questão está (ou não) emocionalmente disponível. Mas, afinal, as redes sociais são um atalho legítimo para a vida de quem conhecemos (ou queremos conhecer) ou uma mera fábrica de expectativas? São aliadas ou inimigas da nossa vida amorosa? A MAGG foi à procura de respostas.

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No programa "Casados à Primeira Vista", formato da SIC que regressa já este ano, vários pares de concorrentes mergulham às cegas num casamento sem qualquer contacto prévio com o parceiro. Sem critérios físicos, sem noção das rotinas, gostos ou círculo social da pessoa com quem estão prestes a casar. E, a partir daí, dá-se o processo de descoberta, numa tela imune a julgamentos precoces.

No entanto, fora do ecrã, a conversa é outra. E na vida real tendemos a escrutinar a vida de quem queremos conhecer até ao ínfimo pormenor. Sobretudo agora, em plena era digital.

Mas a questão que se coloca é: para quê? O que é que procuramos quando visitamos a página de quem nos atrai, de um parceiro ou até de um ex-namorado? Precisamos de respostas. E, para isso, nada melhor do que conversar com Alexandre Machado, o psicólogo e especialista do programa "Casados à Primeira Vista", para perceber o impacto das redes sociais na nossa vida amorosa: antes, durante e depois de uma relação.

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"O problema não está nas redes sociais. Está nas pessoas"

As redes sociais são benéficas ou prejudiciais à nossa vida social e amorosa? Para Alexandre Machado, a resposta é simples: "depende". "É aquela velha frase: um bisturi, por exemplo, nas mãos de um cirurgião salva vidas, já nas mãos de um assassino em série tira vidas. Portanto, o problema não está nas redes sociais. Está nas pessoas", esclarece o especialista, com a ressalva de que não demoniza as redes sociais.

"Os casais da geração dos 40, 50 e 60 anos não se conheceram no auge das redes sociais e, no entanto, são as gerações que registam mais divórcios. E porquê? Porque perceberam sinais errados da outra pessoa e guiaram-se por falsas expectativas. E isso não teve que ver com as redes sociais", explica o psicólogo. Mas já lá vamos. Há que começar pelo princípio.

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Numa fase inicial, em que navegamos pelas diferentes aplicações com o principal intuito de conhecer novas pessoas, importa perceber que ninguém nos atrai de forma aleatória. Há características que nos cativam, é certo, mas tudo tem uma explicação.

"Sempre que nos aproximamos de alguém com o intuito de conhecer, o que nós, seres humanos, do ponto de vista neuro-comportamental procuramos, são traços de familiaridade. Traços, comportamentos e gostos que fazem com que aquela pessoa em específico se torne familiar. Esta é a nossa primeira intenção", explica Alexandre Machado, que garante que há estudos que suportam esta teoria.

"Há um estudo sobre a maneira como nós nos sentamos na sala de espera de um aeroporto. Isto com o objetivo de perceber como escolhemos o lugar em que nos sentamos quando há vários espaços disponíveis. E o que vários especialistas analisaram foi que, mesmo com várias opções vazias, sentamo-nos sempre perto de pessoas cujos traços nos são familiares. Isto do ponto de vista cultural ou até com base nas semelhanças com algum amigo. Portanto, é isto que nos passa pela cabeça, por assim dizer, quando procuramos relacionar-nos com alguém", conta.

Neste sentido, Alexandre Machado descarta a teoria de que a nossa presença digital nos torna mais (ou menos) atraentes, isto porque tudo depende da interpretação que os outros fazem do nosso registo digital. Isto quando falamos de interações via redes sociais.

"Uma coisa não tem nada que ver com a outra. É como se me perguntasse: uma pessoa que anda de avião é mais ou menos atraente? É indiferente. O facto de alguém não ter redes sociais não a torna mais apetecível, do ponto de vista da intimidade ou da sexualidade. Nem aquilo que publica. O problema não está no que as pessoas publicam, mas sim na forma como lemos o conteúdo e interpretamos (ou não) como importante”, diz.

Alexandre Machado
Dr. Alexandre Machado

"As pessoas querem pôr as culpas da sua superficialidade em alguma coisa e culpam as redes sociais"

“O problema não está no facto de alguém pintar uma vida que não corresponde à realidade, nem no facto de ostentar um carro de luxo e não ter dinheiro para mais nada. É certo que está a tentar passar uma mensagem que não é real, mas cabe-nos a nós interpretar aquela mensagem. Se achar que o carro que alguém tem não é importante, vou obviamente olhar e focar a minha atenção noutros aspetos , remata.

Neste sentido, é seguro dizer que, não, a culpa de falsas expectativas ou relações falhadas não tem que ver com as redes sociais, mas com critérios e valores independentes e transversais ao mundo físico e digital.

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“Na minha perspetiva, as pessoas querem pôr as culpas da sua superficialidade em alguma coisa e culpam as redes sociais. As pessoas é que são superficiais e, por vezes, ligam às coisas erradas", garante o especialista.  Já que podemos perder o interesse tanto depois de analisarmos o perfil de alguém numa rede social como depois de uma simples conversa de café. No entanto, agora, com a facilidade com que temos acesso ao perfil de alguém, a triagem pode ser precoce.

O facto de olharmos para um perfil de uma rede social e encontramos detalhes de que não gostamos pode efetivamente prejudicar o desenvolvimento natural de uma relação, confirma Alexandre Machado. No sentido em que tendemos a julgar e descartar alguém sem a noção real de quem é por detrás do ecrã. 

"Porque é que publicamos conteúdo nas redes sociais? Porque somos seres sociais e queremos provocar uma reação nas outras pessoas", diz. Assim, se estivermos perante um perfil maioritariamente narcisista, tendemos a concluir que aquela pessoa quer suscitar em nós uma reação de cobiça ou inveja em vez de tentar socializar e partilhar a sua essência — "e isso, sim, pode ser um entrave", confirma o especialista.

Tendemos a procurar o perfil de quem nos atrai por curiosidade e porque queremos saber mais sobre determinada pessoa. E, posteriormente, porque queremos perceber se estamos ou não em sintonia, se temos vivências similares. Mas porque o continuamos a fazer já depois de conhecer o parceiro?

"Antes das redes sociais as pessoas já mandavam mensagens ou deixavam papelinhos no pára-brisas"

Se, numa fase pré-namoro, o que nos leva a mergulhar nas redes sociais de alguém é a vontade de conhecer e encontrar traços de familiaridade, o que é que nos leva a acompanhar a presença digital de quem já conhecemos e está connosco todos os dias?

"Aqui, há duas perspectivas distintas: se o fizermos com o intuito de controlar, é negativo; mas se formos motivados pela vontade de acompanhar e partilhar a vida de alguém, é bastante positivo", avança o especialista, com a ressalva de que são apenas um instrumento para expor as nossas emoções. Se utilizarmos o espaço digital para enaltecer o parceiro e estar presente no dia a dia de quem gostamos, só há benefícios, garante.

Independentemente do que nos motivou a espreitar o perfil do parceiro, seja curiosidade ou falsa sensação de controlo, as redes sociais tornam tudo mais visível e, a partir daí é que vêm os problemas, diz.

"Quantos casamentos não acabam porque um dos elementos da relação pôs um gosto na rapariga que viu no ginásio ou até seguiu o perfil dessa mesma pessoa? Mas lá está, o problema não está nas redes sociais, mas sim na atitude e no comportamento lamentável. Antes das redes sociais as pessoas já mandavam mensagens ou deixavam papelinhos no pára-brisas. E a intenção já lá estava".

"Nas redes sociais, o que acontece é que o sinal se amplifica. E, portanto, até são benéficas para as relações, no sentimos em que conseguimos perceber a sintonia em que a pessoa está. Conseguimos ler certos sinais que a pessoa pode não querer ou não conseguir comunicar", conclui Alexandre Machado.

Mas, afinal, o que nos motiva a espreitar as redes sociais de um ex-parceiro?

E o mesmo acontece quando a relação termina. É certo que as redes sociais nos ajudam a espreitar as rotinas do ex-parceiro, mas até que ponto é que é saudável continuar a acompanhar a sua presença digital? Para Alexandre Machado, espreitar as redes sociais de um ex-parceiro é semelhante à atitude de tentar obter informações através de amigos em comum. Já que tudo isto atrasa aquilo a que o especialista chama o "luto da relação".

"Com as redes sociais é ainda pior. Isto porque se houver uma situação de rejeição, se o ex-parceiro bloquear o acesso ao perfil, por exemplo, pode ainda potenciar o sentimento de rotura", diz. "O processo de luto da relação pode sair prejudicado com este tipo de comportamentos".

Há uma linha ténue entre a curiosidade e a obsessão, garante o especialista. "Se for algo do género 'deixa-me ver o que é que X ou Y tem feito' é saudável, mas, quando deixamos de conseguir controlar, já estamos a entrar no campo da obsessão e isso não é saudável", explica.

E, nestes casos, o ideal é sempre pedir ajudar. "Entender, com ajuda profissional, o que motiva este comportamento e perceber o que não nos permite largar determinada pessoa", que, segundo o especialista, pode ter que ver com falta de esclarecimentos ou traumas antigos.

"Primeiro, é comum quando alguém não consegue perceber o que aconteceu e o que motivou a rotura. Depois, pode acontecer quando existe uma autoculpabilização extrema: 'devia ter feito isto e não fiz' e a pessoa tenta aproximar-se do ex-parceiro para compensar o que sente que falhou. E, por fim, pode ter que ver com questões de vinculação", avança Alexandre Machado.

Neste sentido, o especialista explica que transtornos de vinculação têm que ver com situações inerentes à infância e são diretamente influenciados pela forma como os indivíduos receberam amor e afeto enquanto crianças. "Quem sente que foi rejeitado pelos pais tende a ter mais dificuldade em aceitar uma rejeição de um companheiro", diz.

E, nestes casos, a recomendação é simples: fazer uma auto-análise com ajuda profissional, sugere o especialista.

Alexandre Machado defende que, nestes casos específicos, o ideal é eliminar qualquer vínculo (físico ou digital) até que o processo de luto esteja concluído, mas deixa a ressalva de que as redes sociais não podem ser rotuladas de "benéficas ou prejudiciais à vida amorosa, independentemente da etapa da relação", isto porque, diz, nasceram com o intuito de nos unir.

E afirma: não são as redes sociais que potenciam o fim de uma relação, mas os comportamentos de quem as manuseia.

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