Foram meses a acordar cansada. Meses a morder as bochechas e a língua e a sentir o maxilar em tensão logo de manhã. Não cheguei a ter dores de cabeça como muitas vezes acontece, mas decidi que alguma coisa tinha que ser feita quando comecei a acordar a meio da noite com o barulho dos meus dentes a bater uns nos outros.
Começo este texto na primeira pessoa porque também eu fui atacada por esta desordem do foro emocional que nos leva a depositar na boa toda a tensão que acumulamos no dia a dia.
O bruxismo, nome pouco feliz dado a um distúrbio que ataca de noite mas, nalguns casos, também de dia, caracteriza-se pelo apertar e ranger dos dentes, de forma involuntária, com aplicação de forças excessivas sobre a musculatura mastigatória, provocando um desgaste nos dentes.
Já de goteira na boca vos digo que as noites passaram a ser mais calmas desde que tenho esta placa de silicone que impede que os dentes de autodestruam durante as horas de sono. E por isso mesmo, a MAGG escolheu uma altura em que as noites têm que ser verdadeiramente descansadas — já que os dias estão confinados a quatro paredes — para falar de uma patologia que, ainda que aconteça também durante as horas que passamos acordados, é de noite que mais afeta o descanso.
Maria Carlos Quaresma, médica dentista e especialista em bruxismo explica à MAGG que, habitualmente, os pacientes procuram a ajuda de um especialista por duas razões: ou porque se apercebe do ranger dos dentes durante a noite — normalmente detetados pelo parceiro — ou porque os dentes começam a ficar desgastados. Normalmente, quem sofre deste distúrbio acorda também com cansaço muscular na face, com a língua e bochechas mordidas, dores de cabeça e pode até ficar com o músculo masseter [perto da mandíbula] mais desenvolvido. "É um autêntico ginásio a funcionar durante sete ou oito horas".
Foi o caso de Maria João Braga que, aos 41 anos, começou a perceber que os dentes da frente estavam a ficar mais pequenos e afiados. "Afetava o meu sorriso e começou a perturbar-me", conta à MAGG. E só quando procurou um especialista é que ouviu pela primeira vez falar na palavra 'bruxismo'.
Mas assim que lhe explicaram que se tratava de uma perturbação que faz com que toda a área maxilar esteja em tensão, começou a juntar as peças. "De facto, acordava cansada e com dores de cabeça, mas nunca imaginei que fosse dos dentes". Além de uma goteira de contenção, Maria João foi aconselhada a alterar hábitos do dia a dia. "Basicamente, foi-me dito que tinha que acalmar a minha vida". E assim fez.
Passou a andar de bicicleta em vez de estar horas no trânsito, começou a fazer exercício físico e cortou com o café à noite. "O meu sono alterou-se, é muito mais repousante e acordo revigorada. Lembro-me de, antigamente, ter dificuldade até em interpretar um gráfico, se me pedissem para fazer isso logo de manhã. O meu dia é agora completamente diferente".
Já a goteira, dois anos depois do diagnóstico, sabe que tem que ser usada apenas em alturas de picos de stresse. "É nessas alturas que a probabilidade de voltar a ranger os dentes durante a noite é mais alta", explica.
O bruxismo não acontece só de noite
Maria Carlos Quaresma lembra que, ainda que durante anos o bruxismo fosse considerado uma forma natural de os dentes se ordenarem, agora sabe-se que na maioria das situações, a causa está ligada ao sistema nervoso central. Estas poucas excepções, a especialista relaciona-as com a toma de medicamentos para o Parkinson ou para a epilepsia. "Há ainda os casos de apneia de sono, nos quais o bruxismo funciona como uma forma de defesa do organismo, que puxa a mandíbula para a frente de forma a desobstruir as vias respiratórias", acrescenta a dentista do Instituto de Implantologia.
No entanto, regra geral, a causa é de foro emocional e, por isso, afeta homens e mulheres, principalmente em idade adulta. "Está ligado a estados emocionais mais intensos e picos de stresse", refere a dentista. E, por isso, na sua opinião a goteira não é a solução. "Claro que ajuda no alívio dos sintomas numa primeira fase, mas a mudança tem que ser mais profunda", garante.
É por isso que sempre que lhe surge no consultório um caso de bruxismo, Maria Carlos sugere uma mudança de hábitos, daquelas que não esperamos ver ditas por um dentista. "Além de ser obrigatório diminuir os níveis de stresse, há que fazer uma higiene do sono", explica. Isso significa deixar de tomar café a partir da tarde, cortar com os chás com taína e não fazer nada de estimulante duas horas antes de dormir. "Nada de televisões, telemóvel e, se for para ler, que seja um livro suave", acrescenta.
Além disso, a especialista lembra que, ainda que o buxismo esteja associado a uma condição noturna, pode acontecer também nas horas que passa acordado. "Nesse caso, o comportamento mais habitual é o roer as unhas ou o apertar dos dentes", refere. E também nesses casos a goteira pode ser utilizada, ainda que a dentista explique que, a longo prazo, este aparelho possa ser usado só em determinadas situações. "Se sei que na quinta-feira tenho uma reunião importante, se calhar na quarta durmo com a boqueira. Se, por outro lado, vou uma semana de férias para a praia, se calhar não vou precisar". E se a ideia for relaxar, use o mesmo que faz com as outras tensões musculares. "Calor húmido na zona da mastigação trinta minutos antes de ir para a cama e a noite de sono vai ser muito mais descansada", conclui.