Outubro é o mês internacional de prevenção do cancro da mama. Ao longo de 31 dias, são feitos esforços redobrados de sensibilização para com esta doença. Dissemina-se o conhecimento ao máximo com o intuito de atingir a maior prevenção possível. Mas ainda há informação desconhecida por grande parte do público.

Foi precisamente com o intuito de aumentar a literacia dos doentes e da população em geral que a Associação Careca Power, a Associação EVITA, a Sociedade Portuguesa de Senologia e a AstraZeneca se uniram para criar a campanha "Cancro da Mama. O meu é diferente do teu".

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Como o nome da campanha indica, pretendem alertar para o facto de este tumor ter vários subtipos, que implicam diferentes especificidades, prognósticos e tratamentos para cada doente. Falámos com uma especialista na área da oncologia para entender de que forma se distinguem.

Leonor Matos é médica oncologista na Fundação Champalimaud há cerca de um ano. Foi no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, que se formou em oncologia depois de ter frequentado a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e de ter feito um mestrado em cuidados paliativos na Universidade Católica Portuguesa.

Durante a formação, sentia a necessidade de "melhor abordar aquilo que eram os problemas da pessoa diagnosticada com cancro, que iam muito além do cancro". Deste modo, quando a doença era avançada, "compreender como poderia ir ao encontro das necessidades das pessoas". "Não tratamos cancro, tratamos pessoas", relembra.

Leonor Matos
Leonor Matos é médica oncologista na Fundação Champalimaud há cerca de um ano. créditos: Instagram

A oncologista de 32 anos explicou à MAGG que "o cancro da mama é o cancro com maior prevalência a nível mundial". Além de ser o mais diagnosticado do mundo, é o mais incidente em Portugal. Por ano, no nosso País, são identificados mais de sete mil novos casos de cancro da mama e morrem quase duas mil pessoas devido a este tumor, tal como evidencia o relatório estatístico do Global Cancer Observatory (GCO).

"Se somos todas diferentes, porque é que o nosso cancro há-de ser igual?", questiona a campanha "Cancro da Mama. O meu é diferente do teu". Para Leonor Matos, "não é tão comum as pessoas estarem ao correntes" de que "o cancro da mama não é todo igual", pelo que se trata de uma iniciativa pertinente.

Esta oncologista explicou à MAGG que faz questão de frisar sempre, em consulta, a distinção entre os cancros da mama. Porém, não basta informar apenas quem passa pelo consultório. É necessário, segundo a profissional de saúde, espalhar ao máximo a palavra, para evitar, entre outras coisas, interpretações erradas.

"Mesmo as pessoas que já podem ter ouvido falar de como foi o cancro para outras têm de ter consciência de que o seu caso pode ser diferente", alerta. Apesar de existir "há 20 anos", este conhecimento acerca dos subtipos do cancro da mama "não está muito difundido". "Focamo-nos na importância da prevenção, mas, em termos destas diferenças, não estamos tão sensibilizados", acha.

A médica frisa que há elementos-chave para entender a doença, como a idade da mulher, a extensão que o tumor ocupa na mama (ou nos outros locais para os quais se expande) e as caraterísticas das células em questão, que irão definir o tipo de controlo, tratamento e prognóstico. De acordo com Leonor Matos, "é mais fácil subdividir o cancro da mama em três grandes grupos":

1. Cancro da mama hormonodependente

Este primeiro grupo é o maior, já que 70% dos cancros são hormonodependentes. "Surgem mais nas mulheres em idade avançada", sobretudo após a menopausa, nota a oncologista. Há outros fatores de risco associados, como a obesidade, já que "a nossa massa gorda é um sítio onde se produzem hormonas, portanto, quanto mais hormonas, maior a probabilidade".

Aqui, tal como elucida a oncologista Leonor Matos, os recetores ligam-se às hormonas femininas estrogénio e progesterona, que estimulam o crescimento do tumor. Estes recetores hormonais positivos são uma "espécie de antenas que existem nas células" e que captam as hormonas em circulação. Ao ligarem-se a estas antenas, as hormonas em circulação fazem com que o ADN ative os estímulos para que o tumor cresça. Para o tratar, realizam hormonoterapia dirigida às antenas.

2. Cancro da mama HER2 positivo

O cancro da mama HER2 positivo é menos frequente que o subtipo hormonodependente, mas, ainda assim, está presente em 20% dos casos desta doença. Também se trata de um recetor, portanto, da tal antena que, quando existe na célula, atribui-lhe indicações "para ela se multiplicar".

"Quando se descobriu este recetor, os tumores com estas antenas, viu-se que era um marcador de agressividade", conta-nos Leonor Matos. Aqui, "as células dividem-se mais depressa" e "saem do sítio onde estão a crescer". Apesar da rapidez com que se disseminam, são os tumores que melhor sabem tratar, pois já descobriram como os bloquear com terapêutica dirigida (ou seja, a que apenas atinge as células específicas).

3. Cancro da mama triplo-negativo

Este grupo corresponde a uma minoria dos casos, afetando 10% do total. É o que está mais associado ao risco familiar/hereditário, é identificado maioritariamente em mulheres jovens e alastra-se a uma velocidade ainda maior do que o anterior. É o subtipo "mais grave", "agressivo" e mais mortal, tal como aquele para o qual existem menos tratamentos. 

"Quando não se identifica nenhum recetor, sabemos que é o cancro da mama triplo-negativo", esclarece a oncologista da Fundação Champalimaud. Enquanto para os outros subtipos "há medicação e terapêuticas para bloquear o crescimento da célula", para este ainda não há informação suficiente, já que não conhecem as antenas.

Cancro da mama
A extensão da doença baseia-se tanto no tamanho do tumor como na sua propagação. créditos: saudeflix.pt

Não dá para identificar os diferentes subtipos de cancro da a olho nu; apenas a partir da análise das células ao microscópio. Qualquer um deles pode voltar, apesar de a probabilidade de isso acontecer ser "à partida" maior no grupo triplo-negativo. Além de poderem regressar à mama, podem ocorrer metástases, ou seja, o tumor surgir noutra zona do corpo, como no cérebro ou até nos ossos.

Em qualquer um dos tipos "é possível ser necessária a quimioterapia", apesar de, para os dois primeiros, já se conhecerem "tratamentos dirigidos", permitindo uma "maior probabilidade de cura". Só que, por vezes, é impossível evitar a quimioterapia, quer seja antes dos restantes tratamentos ou em conjunto, afirma a oncologista.

Leonor Matos acredita que "há uma generalização do que é tratar o cancro de mama". Há quem pense que a quimioterapia é sempre obrigatória, quem ache que ficará sem as mamas, dê por onde der — o que não é verdade. "Tratar o cancro de mama não é sempre igual, nem a cirurgia. A probabilidade de o tumor voltar é muito variável" e "nem sempre é necessário" retirar a(s) mama(s).

É preciso "ter a perceção de que isto é tudo muito diferente" e garantir que "não se tiram ilações erradas". Lá por se conhecer alguém que foi submetido a um tratamento pelo cancro da mama, não significa que seria submetido a um igual no caso de ser diagnosticado. "Isto gera muitas vezes a confusão. Cada história é uma história", avisa a médica.

Que atitudes de prevenção devem ser adotadas?

Na opinião de Leonor Matos, "o conhecimento estar disponível ajuda a que as pessoas estejam mais informadas", já que "a educação é, talvez, a maior arma". "Sendo uma doença que pode ser detetada precocemente, quanto mais cedo a abordarmos e diagnosticarmos, maior a probabilidade de conseguirmos controlá-la e curá-la", frisa.

É importante, então, "falarmos sobre o cancro da mama e a prevenção", bem como "estarmos atentas". Tentar controlar fatores de risco também ajuda. Embora não possamos "mudar o facto de sermos mulheres e de termos mamas", é possível apostar na prevenção ao contrariar a obesidade, o consumo de álcool em excesso e a inatividade física. 

Importa ainda participar em todos os rastreios preconizados em Portugal, como as mamografias e as ecografias mamárias, e fazer uma auto-apalpação de forma frequente. No caso de existir alguma dúvida ou preocupação, procurar sempre o médico de família ou solicitar uma marcação de um exame mamário para esclarecer, por exemplo, um nódulo suspeito.