Os ginásios ainda não têm data para abrir, mas a vontade, bem como as dúvidas são já um ponto assente. Uma delas diz respeito ao uso de máscara. A Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que não será necessário treinar com uma máscara e luvas e que os ginásios deverão apenas reforçar os seus protocolos de limpeza e oferecer gel desinfetante aos clientes, contudo, ainda não se sabe se são estas as medidas a ser aplicadas.
No entanto, a morte de dois jovens chineses criou o alerta sobre a segurança da máscara na prática desportiva. Com uma semana de diferença, os jovens de 14 anos morreram durante uma aula de ginástica enquanto utilizavam máscara. O primeiro morreu a 24 de abril depois de desmaiar na aula e bater com cabeça.
Este é um caso distante, mas que pode influenciar decisões futuras. Se para a prática de exercício na rua, a agência governamental norte-americana Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) recomenda o distanciamento de quatro metros relativamente a outros corredores ou ciclistas, bem como o uso de máscara, resta saber o que fazer em espaços fechados, como ginásios.
Em que situações será necessário usar máscara? Ajuda mesmo a proteger do vírus? É seguro? Fomos à procura dessas respostas junto de um cardiologista e um personal trainer.
Quais os perigos de usar máscara na prática de desporto? Pode levar à morte?
Sabemos que a máscara funciona como uma barreira que impede a projeção de gotículas. Mas além de condicionar o ar que respiramos, também perturba o fluxo do mesmo que entra e sai dos pulmões pelas vias aéreas superiores, situação que depende do tipo de máscara utilizada e da intensidade do esforço.
É aqui que, num cenário de exercício físico, "poderá surgir uma alteração dos valores normais de oxigénio e dióxido de carbono nos pulmões, e por isso, no sangue", explica o cardiologista Ricardo Ladeiras Lopes, mas acrescenta que a evidência aponta para que esta alteração seja pequena.
Contudo, a prática de desporto com máscara, de impacto significativo em pessoas saudáveis, pode ter outros contornos em casos de maior vulnerabilidade. "Doentes com baixa reserva fisiológica (por exemplo, com patologia respiratória ou cardiovascular) devem estar atentos a sinais de alarme durante o exercício físico com máscara tais como fadiga precoce ou tonturas", explica o cardiologista do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
A "pequena" alteração dos valores oxigénio e dióxido de carbono, como indica o especialista, parecem então indicar que o perigo é relativamente baixo, o que já adianta que o risco de morte é também reduzido: "Não há qualquer relação causal estabelecida entre a utilização de máscara durante a prática de exercício físico e o risco de morte", refere Ricardo Ladeiras Lopes, investigador na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
A respiração ofegante com máscara pode trazer maior risco de transmitir o vírus?
Usar máscara durante o exercício físico é então uma hipótese em cima da mesa, no entanto, se numa situação normal controlar a respiração em corrida já é um desafio, só de pensar em fazer esta tarefa com máscara já nos deixa com a respiração em suspenso. A combinação do esforço físico com a máscara colocada pode fazer com que fiquemos mais ofegantes e, consequentemente, a máscara fique húmida. Será um perigo?
De acordo com o cardiologista Ricardo Ladeiras Lopes, a humidade da máscara pode levar "à perda da normal capacidade de filtração das gotículas emitidas pelo portador da máscara", diz. O especialista alerta ainda para o facto de a máscara não substituir o distanciamento social superior a dois metros, que, tal como a máscara, deve ser mantido durante a prática de exercício físico em espaços públicos.
"Um estudo recente realizado por uma equipa belga e holandesa sugere como 'regra de bolso' manter pelo menos 5 metros de distância durante atividades como caminhada a 4 km/h e pelo menos 10 metros durante corrida a 14 km/h", revela o especialista sobre as medidas ideais de distanciamento social em movimento intenso.
Como podem vir a funcionar os treinos
Para alguns o exercício físico em casa ou na rua tornou-se um hábito na quarentena ou até já era comum em tempo pré-pandemia. Já outros, não dispensam os treinos com pesos adequados aos objetivos, com acompanhamento personalizado ou as aulas de grupo onde a música e indicações dos instrutores são meio caminho para ter motivação.
Mas este novo contexto as aulas de grupo ou sessões individuais podem vir a ganhar novos contornos. Resta saber se são exequíveis: "No meu ponto de vista, a viabilidade do uso da máscara, depende de alguns fatores determinantes, tais como: se a prática desportiva é realizada ao ar livre ou num local fechado, se está sozinho ou com fortes possibilidades de se deparar com um maior aglomerado de pessoas, do tipo de treino ou atividade e da respetiva intensidade inerente ao mesmo", diz à MAGG o personal trainer Marco Seixo, do Urban Sports Club.
O personal trainer acrescenta que a máscara dificulta a ventilação e por ser antifisiológica não é aconselhável. Contudo, indica que existem diversas marcas desportivas que fabricam máscaras direcionadas à prática de atividade física, o que "a curto e médio prazo pode ser uma boa forma de prevenção a considerar, sendo que a solução irá passar sempre pela tão desejada vacina", conclui Marco Seixo.
Já Pedro Martinho, Senior Marketing Portugal do Urban Sports Club, instalado em Lisboa e no Porto, indica que a plataforma de modalidade desportiva "irá respeitar e comunicar sempre em linha com as recomendações da Direção Geral de Saúde", as medidas que dizem respeito ao uso de máscara e outros equipamentos de proteção durante os treinos.
"Todos os nossos parceiros devem cumprir as regras em vigor, e só desta forma poderão fazer parte da nossa oferta desportiva", acrescenta Pedro Martinho.
Há alternativas ao uso da máscara durante o treino?
"As alternativas passam por procurar no mercado máscaras e soluções que sejam feitas especificamente para a prática desportiva. Infelizmente, o exercício físico em condições atmosféricas débeis é uma realidade já de há muitos anos em alguns países com elevados níveis de poluição e enorme densidade populacional", diz à MAGG Pedro Martinho, Senior Marketing Portugal do Urban Sports Club.
Já o cardiologista Ricardo nota que a única alternativa à máscara é fazer exercício físico em casa ou em isolamento, de forma a não colocar em risco outros indivíduos. Este é um dos métodos que pode ser adotado por quem não se sentir confortável com este material de proteção ou quem tiver indicações médicas para não usar máscara durante a prática desportiva.
Em suma, o especialista esclarece que "os indivíduos saudáveis deverão usar máscara durante a prática de exercício físico em espaços públicos", quer em contexto de ginásio ou não, e que, no caso de haver uma patologia respiratória, cardiovascular ou outra situação mais grave em que a máscara possa trazer complicações, os indivíduos deverão optar pela "prática de exercício físico sem máscara, mas em casa ou em espaço próprio ao ar livre, sozinhos".