Se há uma altura do ano em que se cometem alguns excessos, é na quadra festiva. Ele é Natal, ele é Ano Novo, muito açúcar, muita gordura, muito álcool e muito pouco autocuidado. Normalmente, com estes desleixes alimentares vêm muitos outros, como a quebra na prática frequente de exercício físico, a ausência de rotinas saudáveis e disciplina.

Quer melhorar a sua relação com a comida? A nutricionista Isabel Pedroso Silva vai ajudar (e é grátis)
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Para se levar uma vida saudável, importa saber como recuperar dos excessos e regressar à rotina da melhor forma. Para descobrir o caminho certo a percorrer, a MAGG falou com três profissionais de saúde: uma médica, uma nutricionista e um personal trainer. Afinal, o que precisa de fazer para restabelecer o equilíbrio do seu organismo? E quanto tempo vai demorar a voltar ao pré-dezembro?

Que implicações podem trazer estes excessos para o nosso corpo?

"Nós, portugueses, encontramo-nos muito à mesa. Tudo é um motivo para um jantar, um lanche. Estes excessos cometem-se durante o mês todo, não só no dia 24, 25 ou na passagem de ano", sublinha a médica de família Mara Marques, que crê que, nesta fase, "as rotinas mudam" e que "a vida pessoal acaba por ser invadida e o espaço para o exercício físico é menor".

Embora se fale muito no ganho de peso, não é só isso que está em causa, como explica a nutricionista Isabel Pedroso Silva: "Quando comemos mais nesta época, vai além do aumento de peso. Esta tendência pode sobrecarregar o nosso sistema digestivo e prejudicar as rotinas de sono, que por sua vez prejudicam o corpo".

"Ocorre um excesso de gordura saturada, de sal, açúcar e álcool. No final do mês, sentimo-nos sempre mais pesados", frisa a nutricionista formada na Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto e especializada em nutrição desportiva e em saúde intestinal.

Isabel Pedroso Silva
A nutricionista Isabel Pedroso Silva. créditos: Isabel Pedroso Silva

Os quilos acumulados nesta época dependem "da pessoa e dos seus comportamentos", para a médica de 36 anos. "Pode ser um quilo, mas muitas vezes falamos de ainda mais, sobretudo de pessoas que possam ter mais descontrolo no comportamento alimentar e mais dificuldade em fazer esta gestão de, se exageram numa coisa, tentar compensar noutra", justifica.

Porém, "pode ser um aumento de peso relativamente à massa gorda, mas, para muita gente, o que acontece é um aumento de peso pela retenção de líquidos", aponta a nutricionista de 27 anos. "A pessoa não está tão ativa, há um excesso alimentar e uma retenção de água corporal que faz com que, na balança, o valor seja mais alto", alerta.

Para o personal trainer Pedro Almeida, estes excessos "têm muito que ver com a quebra de rotina, como a de treino ou de alimentação", já que "o prato fica mais cheio e o tipo de alimentos não é tão saudável". "É quase como um baralho de cartas", compara o técnico especialista em exercício físico, formado em Ciências do Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana.

"Se a pessoa durante 365 dias do ano ou perto disso tiver rotinas saudáveis, não será por dois ou três dias em que perde essas rotinas que põe em causa o que fez no resto do ano. Se estender durante vários dias ou semanas, isso sim tem um reflexo no peso", acredita Pedro Almeida.

O que se pode fazer para recuperar destes excessos?

A palavra-chave é "rotina". Implementar (ou voltar a) uma rotina com "melhor ingestão de água" e com "mais dispêndio energético", por exemplo, aponta a médica formada na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, que acrescenta que "o grande objetivo é a pessoa conseguir ter uma alimentação equilibrada e variada e instituir hábitos de exercício físico para manter um peso saudável".

Promover adequados níveis de hidratação é importante por vários motivos, como para contrariar a retenção de líquidos. "Se estivermos mais bem hidratados, estamos mais saciados e com menos apetite. Às vezes, a sensação de fome pode ser sede", lembra a médica de família, que exerce nas Caldas da Rainha, e que faz acompanhamentos online.

Mara Marques
Mara Marques é médica de família. créditos: Mara Marques

Para saber quanta água deve beber por dia, a nutricionista Isabel Pedroso Silva aconselha a "multiplicar o peso corporal por 35 mililitros de água". Mas uma rotina saudável passa também, claro, pela alimentação. De acordo com Mara Marques, deve ser "equilibrada, variada e com adequado aporte proteico" (portanto, rica em proteínas).

A médica de família, com uma década de prática na atividade, aconselha a realizar um déficit calórico, que pode passar por "reduzir algumas quantidades" e que não implica "perder peso à custa de perder músculo". "Em Portugal, grande parte das pessoas ainda não tem formação nem literacia suficiente para fazer boas escolhas", acredita.

Do ponto de vista da profissional de nutrição, "não funciona limitar ou restringir o que comemos, porque vai fazer-nos sentirmo-nos mais carentes e ansiosos, e isso pode levar a uma descompensação". Em vez disso, há que "praticar uma alimentação consciente", como incluir mais fibra, para "ajudar no funcionamento intestinal".

"Fibra vinda da sopa e de hortícolas cozinhadas é melhor. Alface não chega, é apenas água. Há que ouvir o corpo e perceber o que é que ele quer e do que precisa para o nutrir", adianta Isabel. "Se comemos demais, não adianta trazer a culpa ao de cima. Está feito, não há volta a dar. Há que voltar às rotinas sem o '8 ou 80', já que o nosso organismo consegue digerir quaisquer excessos cometidos", ressalva a nutricionista que trabalha por conta própria, online.

Além de uma rotina de hidratação e de alimentação corretas, importa também "apostar nas rotinas de sono", já que "descansar o suficiente é fundamental para o bem estar". Por último, mas não menos importante, a prática de exercício físico com frequência. "O aumento da ingestão de alimentos açucarados e com mais teor de gordura pode ter impacto nos níveis de energia, criando uma dificuldade em retomar os hábitos", nota a médica de família.

"As pessoas têm muito o hábito de 'como já não estou a fazer nada a nível alimentar, também não vou praticar atividade física'. Mas há sempre dez minutos para uma caminhada depois do jantar ou do almoço. O que interessa é haver movimento", considera a criadora do "Podcast da Isabel – Isto Não É Só Nutrição".

Para o personal trainer Pedro Almeida, "para quem tem rotinas consistentes é muito fácil: é voltar a essas rotinas. Para quem tem a resolução de ano novo, de vida nova, no que toca a atividade física, é um pouco mais difícil, porque vai ter de criar essas rotinas".

"O grande segredo não é a motivação, é a rotina. É encontrar um método de treino adequado e cumprir com ele. Não tanto treinar todos os dias e comer muito bem durante uma semana; o importante é comer bem durante o ano todo", nota o profissional ligado à performance e ao fitness.

Pedro Almeida
O personal trainer Pedro Almeida. créditos: Pedro Almeida

É muito comum planear-se a grande mudança de hábitos para o dia 1 de janeiro. "Tem que ver com os ciclos. Quando fazemos anos, quando muda o ano... É típico do nosso ser. É como se fechássemos um ciclo e quiséssemos abrir outro. É lançar novos objetivos e caminhar para conquistá-los", acredita o personal trainer de 42 anos.

No entanto, com esta forma de pensar, "há quem consiga realmente mudar as rotinas e há quem não consiga, às vezes porque pecam por excesso". "Não treinam durante anos e, de repente, querem fazê-lo todos os dias. No final de uma semana, o corpo não aguenta e há uma quebra", refere o PT e fundador da marca Treino em Casa, que presta serviços de acompanhamento maioritariamente online.

Em vez disso, "mais vale dividirmos essa ânsia toda durante o ano e termos um programa consistente", para também assegurar que a tal motivação se mantém e não dá lugar à desistência. "Daí a importância da rotina, de agendar os próximos meses de rotinas de treinos. E devo ter objetivos muito palpáveis, como treinar três vezes por semana, e não todos os dias", acrescenta.

"Vou motivar-me por conseguir cumprir, depois tenho resultados e esses resultados vão motivar-me", garante o PT, que reforça que "saber analisar os resultados é importante". Quanto à clássica falta de tempo, Pedro Almeida frisa que "é tudo uma questão de gestão", já que "todos nós temos agendas difíceis".

"Há que encontrar a melhor solução, o horário mais favorável para treinar", conclui, adiantando que "muitas vezes os profissionais do treino podem ajudar nestas questões" ao perceberem a pessoa que têm à frente e as respetivas dificuldades, bem como que tipo de treino irá manter a pessoa ativa durante o tempo necessário para atingir resultados.

No fundo, é "explicar, de forma adequada, o caminho que a pessoa tem de percorrer com algumas muletas que o profissional dá e estabelecer metas realizáveis para que se mantenha motivada ao longo do ano para, no próximo Natal, não prejudicar nem o treino nem a alimentação, porque alguns dias não são suficientes para destruir o que foi feito ao longo do ano".