Pela primeira vez foi desenvolvido um estudo nacional sobre a carência de vitamina D na população portuguesa adulta. Se está à espera de valores positivos por sermos um País de sol, esse fator não se refletiu nos resultados finais: 66% dos adultos apresentam insuficiência de Vitamina D, com especial expressão na população do arquipélago dos Açores (82%).
Podemos até compreender os valores nesta região, devido à intensa nebulosidade, contudo há algo que fica por explicar: porque é que temos uma carência tão elevada na generalidade da população?
"Nós não apanhamos sol em pele desprotegida. O sol que existe em Portugal é muito capaz de suprir a nossa carência de vitamina. Boa prova disso é que no nosso estudo, dentro das pessoas que fizeram a avaliação no inverno, só 24% tinham níveis satisfatórios, contra 56,8% no verão", explica à MAGG José Pereira da Silva, professor de reumatologia na Faculdade de Medina e coordenador do estudo português recentemente publicado na revista científica “Archives of Osteoporosis”.
Os números, com base numa amostra de 3092 adultos portugueses, mostram que não são só os meses de inverno que têm influência nos níveis baixos de vitamina D, mas também a região. Se no arquipélago dos Açores há maiores carências, no Algarve, como era esperado, a deficiência de vitamina D corresponde apenas a 45% da população ao longo de todo o ano, comparativamente aos valores entre 58,7% e 69,7% no restante território continental e na Madeira, revela o estudo.
A investigação revela ainda um dado curioso: é que entre mais de metade da população com carência de vitamina D, há mais casos de mulheres do que os homens. Apesar de não haver uma certeza cientifica, o investigador José Pereira da Silva aponta algumas hipóteses.
Uma delas prende-se com a distribuição do trabalho, uma vez que haverá mais homens a trabalhar ao ar livre do que mulheres no atual panorama social e aponta ainda para o facto de os homens usarem menos protetor solar do que as mulher — não só em contexto de praia, mas também diário, uma vez que muitos dos cremes faciais usados pelas mulheres contêm proteção UV.
"Depois há outra razão. A gordura, o tecido adiposo, sequestra a vitamina D e diminui os níveis que são retidos no sangue. Ora, a composição corporal feminina tem uma maior percentagem de gordura do que a masculina e eu acredito que isto possa levar a que os níveis que circulam no sangue sejam mais baixos", explica o coordenador do estudo.
No entanto, como revelado no mesmo, vários fatores podem ter influência nos níveis desta vitamina, como é o caso da estação do ano, a localização geográfica, o avançar da idade e a obesidade. Será que seria então eficaz passarmos a ir à janela uns minutos todos os dias para fazer face a estes resultados?
Os aliados da vitamina D
É quase tão comum preparamos uma sandes antes de ir para a praia, como não colocar protetor solar com o lema "deixa cá apanhar um pouco de sol para repor a vitamina D". Identifica-se? Não será o único.
Mas será o sol suficiente para repor estes níveis? "Durante o inverno é plausível que algumas pessoas precisassem de suplementação, mas se durante o verão — ou seja, a partir de abril até outubro — expuséssemos pernas e braços ao sol uma média de dez minutos por dia, teríamos vitamina D mais que suficiente para o ano todo", esclarece o professor de reumatologia.
Contudo, em alguns casos a suplementação pode ser mesmo necessária, ainda que demore entre seis a oito semanas para que os valores de uma pessoa com carências acentuadas atinjam a normalidade. Já de forma natural, o sol só seria eficaz numa carência grave, se a exposição fosse feita cerca de 20 minutos, durante duas semanas em fato de banho.
O sol, a suplementação alimentar e os medicamentos com vitamina D são os métodos mais eficazes, de acordo com o reumatologia, que deixa de fora a alimentação. Isto porque, tal como já revelaram vários estudos de nutricionistas, seria preciso uma quantidade muito grandes de certos alimentos para conseguir a vitamina D necessária.
A exposição solar e os suplementos parecem ser então os maiores aliados. Quanto aos últimos, esta é já uma aposta noutros países, como Inglaterra, onde o sol não é um ponto a favor da vitamina D. O especialista José Pereira da Silva destaca que a suplementação é um tratamento barato e muito seguro, não havendo risco de intoxicação.
Por outro lado, já podemos perceber que este não é um problema exclusivo de países com pouco sol. "A carência de vitamina D não é uma especificidade portuguesa. Curiosamente, os países com mais exposição solar natural, são aqueles que têm mais carência de vitamina D porque as pessoas protegem-se do sol", refere o investigador José Pereira da Silva.
Com que regularidade devemos analisar os valores de vitamina D?
O coordenador do primeiro estudo português sobre a vitamina D na população portuguesa, defende que é dispensável analisar regularmente os níveis de vitamina D.
"Antes de fazer qualquer teste temos uma altíssima probabilidade de termos valores deficientes. Isto é, se for inverno em Portugal, a probabilidade de ter deficiências de vitamina D é de 80%. Não sei se vale a pena fazer o teste para saber isso", valores que são igualmente previsíveis se formos analisar os valores depois deste período de quarentena.
O ideal? Tomar suplementação, uma vez que garante que os níveis estão estáveis ao longo de todo o ano. "A prevalência [de carências] é muito frequente. Parece-me mais lógico dizer: bom na dúvida tomemos. Evitamos assim estar a fazer análises que, aliás, só nos valeriam por algumas semanas", diz investigador José Pereira da Silva.
Porém, se na dúvida a escolha recair sobre a decisão de não tomar suplementação ou zelar pela regulação dos níveis de vitamina D, as consequências podem começar a revelar-se. É que esta vitamina não nos dá apenas um ar saudável depois da exposição ao sol. Evita problemas ósseos e musculares, bem como a probabilidade de sofrer fraturas como pequenos traumatismos ou, em casos graves, dores ósseas e musculares espontâneas, falta de forças e cãibras.
Aos efeitos da carência de vitamina D foram-se juntando com o passar dos anos novos problemas. A falta desta vitamina já mostrou que pode afetar todos os órgãos e sistemas do corpo humano, desde o sistema nervoso ao imunológico, bem como desde as doenças cardiovasculares às infeciosas.
Basta falar em "infeccioso" para ficarmos alerta, tendo em conta o que estamos a viver com a pandemia atual. A carência de vitamina D pode então ser mais um "fator de risco para a ocorrência e para a gravidade de uma enorme variedade de doenças com impacto de saúde pública", conforme revela o comunicado sobre a nova investigação.
Apesar de o estudo incidir sobre a população portuguesa adulta, a falta de vitamina D também pode ter impacto nas crianças. Uma das consequências diretas é o raquitismo, que influência o crescimento e a deformação óssea.
Que medidas podem vir a ser tomadas pelas autoridades de saúde com base no novo estudo?
Uma vez que os suplementos alimentares são seguros, baratos e garantem a estabilidade da vitamina D, a solução pode estar numa maior aposta dos mesmos em Portugal. Antes disso, o tema deve ser debatido por médicos e autoridades de saúde pública, como o Infarmed, até porque há ainda poucas evidências cientificas sobre esta vitamina.
Podemos, no entanto, recorrer à experiência de outros países sobre a prática de suplementação. "Devemos verificar se se justifica ou não em Portugal a adoção de medidas públicas. Na minha perspetiva, com base no que está estudado, uma política baseada numa suplementação generalizada pelo reforço da alimentação em vitamina D, poderia ser muito barata e produtiva", diz o especialista.
O mesmo conclui que, tal como nutro países, o reforço deveria incidir sobre pessoas com maior risco de carência de vitamina D: idosos, pessoas com elevada obesidade, mulheres e determinadas áreas geográficas, como os Açores.