Estreou a 26 de março na Netflix e, desde aí, a minissérie "Unorthodox" tem ganho cada vez mais notoriedade e fãs. Com apenas quatro episódios, a história segue a vida de Esther Shapiro (Shira Haas), ou Esty, uma jovem de 19 anos, que cresceu numa comunidade judaica ultraortodoxa de Brooklyn, Estados Unidos, bem como o seu casamento arranjado e a fuga dessa mesma comunidade religiosa.

Inspirada na vida de Deborah Feldman, a autora do livro "Unorthodox: The Scandalous Rejection of My Hasidic Roots", publicado em 2012, a série é bastante fiel à jornada de Deborah, com poucas diferenças entre ficção e realidade. E o vaginismo de Esther, condição de saúde que impedia a personagem de ter relações sexuais sem dor com o seu novo marido, também aconteceu com Deborah.

Na realidade, a escritora e o novo marido não consumaram o seu casamento por mais de um ano devido à luta de Deborah com esta doença. Criticada pelo parceiro e por vários membros da sua comunidade, Deborah Feldman descreveu este período como o ano mais humilhante da sua vida. Referindo-se aos sogros e a outros membros mais velhos da comunidade ultraortodoxa onde vivia, a escritora contou à ABC News que este falavam das dificuldades da sua vida sexual constantemente: "Falavam disso todos os dias. Eu não saía de casa de tão apavorada. Não conseguia sequer manter comida no estômago."

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Em "Unorthodox", os mesmos acontecimentos são retratados de forma bastante fiel. As dores físicas, a impaciência por não engravidar e a ansiedade em relação à intimidade de Esther são vistas na série, bem como a impaciência e frustração do marido, Yanky, as ameaças da sogra e até a falta de empatia de uma espécie de terapeuta da comunidade, que diagnosticou Esther com vaginismo pela primeira vez, mas ofereceu pouco apoio e soluções.

Na realidade, tal como é retratado na série, o vaginismo provocava dores intensas durante a relação sexual, sem causa aparente. Mas, afinal, o que é esta doença, de que tão pouco se sabe e fala?

Vaginismo: a doença complexa que as mulheres não controlam

De acordo com o médico ginecologista e obstetra Fernando Cirurgião, o vaginismo é descrito como uma contração involuntária dos músculos da vagina. "É uma situação que envolve espasmos dos músculos pélvicos, uma situação que não é controlada pela mulher. Esses mesmos espasmos estão associados a dor, e embora sejam espontâneos e a dor possa surgir em algo tão simples como a colocação de um tampão, a penetração e a relação sexual é mesmo a situação que desperta a dor mais intensa, ao ponto de impossibilitar por completo o ato sexual. Aliás, a partir daí, a simples antecipação da relação sexual pode causar os espasmos involuntários e dores fortes", explica o especialista à MAGG.

vaginismo
vaginismo Fernando Cirurgião é médico ginecologista e obstetra

Tratando-se de uma condição complexa e uma disfunção sexual sobre a qual ainda não se sabe muito, não existe uma causa propriamente dita que cause o vaginismo. "Digamos que podemos apontar as causas psicológicas e emocionais como o ponto de partida para a condição. Enquanto médicos, também podemos perceber que, por vezes, por trás de um vaginismo está um relacionamento que não é prazeroso, instável, às vezes também podemos estar a falar de algum receio de uma gravidez não desejada, que mexe psicologicamente com a mulher e pode causar esta condição", salienta Fernando Cirurgião.

Para além destas causas, o ginecologista refere que pode existir um vaginismo associado a um período de pós-parto. "Acontece com alguma frequência. As mulher receiam o retorno à vida sexual após um parto e uma parte significativa destas tem dificuldades neste processo. Tudo o que aconteceu num parto, combinado com o cansaço físico e psicológico que envolve tratar de um recém-nascido pode resultar nesta condição."

Por outro lado, Fernando Cirurgião salienta que a menopausa também pode potenciar o surgimento da disfunção, devido "às alterações físicas que ocorrem no corpo da mulher, como a secura vaginal e a atrofia dos tecidos, que pode levar à dor". Daí, e de de acordo com o especialista, "pode surgir uma dor reativa e uma contratura involuntária dos músculos pélvicos".

Existe tratamento para o vaginismo?

Fernando Cirurgião explica que, quando falamos desta condição de saúde, é importante referir que o vaginismo não se resolve com uma solução cirúrgica. "A não ser que esta disfunção seja uma causa secundária provocada por uma cicatriz de pós-parto, por uma causa oncológica — e aí a resolução pode efetivamente passar por uma cirurgia —, o vaginismo não é tratado assim. E é realmente importante salientar isto porque, muitas vezes, as pessoas pensam que têm um problema mas opera-se, e o assunto fica arrumado. Aqui não é o caso."

De acordo com o especialista, o vaginismo ultrapassa-se com a ajuda de uma terapia e de uma equipa multidisciplinar, que envolve médicos ginecologistas, terapeutas sexuais, ajuda psicológica, terapias de relaxamento. Basicamente, todo um aconselhamento que possa ajudar sob o ponto de vista emocional, bem como exercícios específicos.

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"É importante reduzir os níveis de ansiedade associados a isto tudo e optar por técnicas que possam permitir um relaxamento e controlo da anatomia da mulher, pela mulher. Esta deve ter conhecimento da sua anatomia, relaxar através de determinados exercícios físicos, como os exercícios de Kegel. Que embora sejam conhecidos como uma forma de contrair os músculos, também podem ajudar a mulher a relaxar esses mesmos músculos pélvicos, que se contraem involuntariamente."

Fernando Cirurgião também refere a utilização de dilatadores progressivos — algo que é visto na série da Netflix —, mas realça que o primeiro passo a tomar é procurar a ajuda do ginecologista. "É importante procurar ajuda médica porque é urgente, em primeiro lugar, excluir alguma coisa orgânica, algo que não esteja bem anatomicamente e que possa ser passível de uma correção medicamentosa", salienta o médico.

Mas procurar ajuda é importante, e deve ser feito rapidamente. "Existem muitas mulheres que pensam que isto são coisas que acontecem e que desaparecem espontaneamente. E as coisas vão-se arrastando, e podem até tornar-se mais difíceis de resolver", esclarece o ginecologista, que também aborda os danos que o vaginismo pode causar na relação de um casal se não for tratado e falado.

"Como o principal sintoma é a dor durante o ato sexual, há mulheres que escolhem a abstinência. Sentem-se impotentes e frustradas, e escolhem essa via. E se num período da vida das mulheres tal pode ser menos dramático, acaba por ter uma dimensão diferente quando falamos de um contexto de um casal. Deve ser partilhado e falado a dois", explica Fernando Cirurgião.

Caso contrário, arrastar esta situação sem procurar ajuda, para além de danificar uma relação, pode também levar a quadros de ansiedade, depressão e baixa auto-estima por parte da mulher. "Acaba por ser um ciclo negativo que temos de interromper a dada altura", salienta o especialista.

É estimado que 20% das mulheres sofra com esta condição, mas o vaginismo é pouco falado

"Unorthodox" é das poucas produções que já abordou o tema — antes, já "Sex Education" tinha referido a condição num dos episódios da primeira temporada. Na verdade, o vaginismo é pouco conhecido do público em geral, e é uma condição de saúde ainda envolta em alguma vergonha.

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"Acaba por ser um tema constrangedor para a mulher, que se sente envergonhada, muito também porque esta é uma condição relacionada com causas emocionais. Estimamos que 20 por cento das mulheres possam passar por isto, embora com formas de apresentação e intensidades diferentes, mas acaba por ser uma percentagem que pode estar subvalorizada, porque as mulheres não falam nem procuram ajuda", refere Fernando Cirurgião.

Tal como descreve o médico ginecologista, o vaginismo provoca "dor física à mulher, mas também uma dor emocional, uma frustração e uma sensação de impotência tremenda por estar a atravessar uma situação que não controla". O tema acaba por não ser falado e estas mulheres escolhem, muitas vezes, esconder a doença, ou nem sabem que os sintomas se devem a uma condição de saúde que carece de diagnóstico e tratamento.