"Este restaurante é real e vamos servir comida aqui dentro." Foi assim que Ljubomir Stanisic abriu as portas do "Hell's Kitchen" neste domingo, 14 de março, a nova grande aposta da SIC. Com um estúdio megalómano e vibrante, recebeu 16 concorrentes, todos eles ligados à cozinha profissional, que irão competir entre si pela oportunidade de se tornarem no melhor chef de Portugal. A estreia esteve repleta de momentos marcantes, de muitos palavrões e de frases que desarmaram os participantes durante a emissão.
Uma delas aconteceu logo ao início quando, durante a apresentação, um deles explicou que se tinha inscrito no programa para testar os seus limites. Ljubomir Stanisic, sempre à espreita de uma qualquer vulnerabilidade e imperfeição nos seus discursos, não poupou. "Não precisas de querer testar os teus limites, eu próprio os testarei."
De repente, o silêncio constrangedor, algum nervosismo e a antevisão de uma enorme pressão que se viria a sentir na fase final da estreia, quando o restaurante — o único a funcionar em plena pandemia — abriu para receber os convidados. Alguns deles amigos de Ljubomir, como João Manzarra.
A MAGG analisou a estreia do formato à lupa e mostra-lhe tudo o que aconteceu caso não tenha tido oportunidade de ver.
Parece que o Dia da Mulher não serviu para nada
O primeiro grande ponto negativo de "Hell's Kitchen" começa logo ao início, quando Ljubomir Stanisic anuncia que os 16 concorrentes serão divididos em duas equipas: vermelha e azul. Como é feita a divisão, perguntam? Homens para um lado, mulheres para outro. Bocejo. Muitos bocejos.
Nem de propósito, o Dia da Mulher tinha sido celebrado nessa mesma semana, a 8 de março. E ainda que "Hell's Kitchen" já estivesse, obviamente, gravado, não se entende como é que quem pensou nisto achou que iria ser uma ideia brilhante, revolucionária, original e irreverente.
É que é esta divisão que perpetua estereótipos de género, manifestados, aliás, pelo concorrente Raul em declarações que vão sendo intercaladas com a emissão habitual do concurso. "Agora vamos ver qual é o sexo forte", disse. Só por isso, já estamos a torcer para que seja eliminado. Até porque, a julgar pelo que se viu durante o primeiro episódio, parece ser o concorrente mais fraco.
Quando apresentou o seu prato ao chef, a resposta foi assertiva: "Olhando para isto, já defequei melhor. E recuso-me a avaliar o teu prato."
Continuamos numa pandemia, senhores
Eventualmente será altura de falarmos da responsabilidade da televisão em plena pandemia. E quando tivermos coragem de o fazer, estaremos prontos para dar nota negativa aos principais canais pela forma como, deliberada e permanentemente, parecem ignorar os tempos em que vivemos. É que aqui permite-se tudo: abraços, toques e a proximidade de que ficamos privados desde março de 2020.
Os programas da manhã voltaram a ter pessoas em estúdio e, muitas das vezes, sem distanciamento (a emissão do aniversário da TVI foi um bom exemplo disso mesmo), e agora até se fazem programas de talentos em que os concorrentes se beijam, abraçam e agem como se nada se passasse. É o habitual "é proibido, mas pode-se fazer" a que estamos habituados. A desculpa, também ela habitual? Os testes, o isolamento e a tomada de todas as medidas preventivas.
Temos de ser justos: "Hell's Kitchen" é, por sinal, um programa diferente dos mencionados anteriormente, a começar pelo formato. Passa-se numa cozinha em que o espaço é reduzido e são 16 concorrentes a competir entre si. Por isso, a produção da SIC decidiu pôr todos em isolamento antes de o programa começar a ser gravado, apostando em testes recorrentes e mantendo uma vigilância ativa.
Mas embora o risco se espere menos elevado, serve de pouco mostrar os concorrentes a cumprimentarem-se com os cotovelos se, após terminadas as provas, se abraçam e se agarram. E o exemplo que é transmitido em casa dos espectadores? Não deveria a televisão ser pedagógica nesta altura? Especialmente depois de se ter apostado tanto nela (e não tanto como se deveria) para alertar para a importância do uso da máscara e do distanciamento social?
Para realidades alternativas, já basta a ficção.
O formato original é replicado ao pormenor (e isso é um elogio)
O programa que se popularizou por Gordon Ramsay é replicado ao detalhe na versão portuguesa, e isso tem tudo de bom. A tensão que se vive na cozinha é palpável e isso proporciona momentos de entretenimento puro, que é o que se quer. E o melhor? É que ao contrário do que se viu em "Pesadelo na Cozinha", também conduzido pelo chef do 100 Maneiras, aqui a abordagem parece ser outra.
Ljubomir continua irreverente, sem filtro e com o níveis de exigência dignos de um cozinheiro profissional, mas, para já, não houve ofensa gratuita, insultos, ou momentos em que o chef menospreza os concorrentes. Outro ponto positivo é o estúdio que, esse sim, é megalómano e aposta tanto no conforto dos concorrentes, como no do espectador — que se sente dentro da cozinha, acompanhando a tensão que os concorrentes estão a sentir.
Além disso, é um estúdio que, por ser grande e apostar em cores vibrantes, enche o olho, cativa e, mais importante do que qualquer outra coisa, não distrai quem está em casa. Talvez a concorrência possa aprender uma coisa ou outra.
A segunda metade do programa, que mostra as duas equipas a tentar servir os clientes do restaurante (o único que, em pleno confinamento, funcionou nos moldes normais), faz uso dessa tensão para alongar a emissão para 90 minutos sem que em algum momento tivesse parecido demais. Foi entretenimento puro do início ao fim.
Mas "Hell's Kitchen" é também uma homenagem ao setor da restauração, um dos mais afetados pela pandemia da COVID-19 e talvez sirva para que, quando os restaurantes voltarem a abrir, não tenhamos medo de regressar a eles e às experiências que uma refeição fora de casa proporciona.
O primeiro desafio hilariante (que todos os concorrentes falharam)
Ainda que o programa se tenha acabado de estrear, houve vários momentos hilariantes ao longo da emissão. Muitos deles protagonizados pelos concorrentes acabados de chegar. O primeiro desafio a que todos foram sujeitos, ainda que sem saber, passava por provar um prato de raia com arroz e bivalves feito por Ljubomir que, terminada a prova, pediu opiniões.
"Gostei imenso, sabia a mar e eu adoro o sabor do mar", "estava excelente, mas se tivesse sido eu a fazer, provavelmente teria posto algum limão apenas porque gosto", "pessoalmente gostei do prato", "achei o prato ligeiramente picante". Foram estas algumas das opiniões dadas pelos concorrentes que, de forma unânime, elogiaram o prato.
Mas, afinal, nada daquilo era bom: era feito com ingredientes ultracongelados, arroz de péssima qualidade e delícias do mar congeladas. "Vocês não fazem a puta de ideia do que estão a comer. A raia nem tempero tinha e vocês comeram-na e começaram a inventar merdas. Não se armem em chico-espertos porque vou testar-vos a todos", disse Ljubomir.
Ah, e sobre o picante? "Zero", respondeu o chef a Lucas, o concorrente que mais odiámos na emissão.
O concorrente de que gostámos menos
De 16, Lucas é talvez um dos cozinheiros mais experientes que faz parte da cozinha do "Hell's Kitchen". No entanto, e neste caso específico, a experiência não anda de mãos dadas com a humildade. Não sabemos se aquela é a forma de estar de Lucas quando as câmaras estão desligadas, mas o que identificámos foi muito trabalho de ator, de muita plasticidade e arrogância à medida que fala.
"Não escondo que sou muito competitivo", revelou o concorrente na sua apresentação e só nos conseguimos lembrar daquelas pessoas que dizem que são muito frontais, mas que, na verdade, usam isso como desculpa para serem más. Com Lucas é a mesma coisa, só que este concorrente parecer fazer uso da sua experiência para se achar mais do que os outros numa sobranceria palpável.
Momentos mais tarde, no entanto, o prato que apresentou (um tártaro), foi completamente desvalorizado por Ljubomir. "Nota-se que quiseste surpreender e, de facto, a apresentação está bonita. Quanto ao prato... é só um tártaro". Foi o karma a funcionar. E soube bem.
O concorrente de que mais gostámos
Por oposição, Daniela destacou-se pela positiva por ser a concorrente mais genuína e humilde da equipa. Além disso, foi das poucas que assumiu o erro quando se apercebeu de que tinha falhado o primeiro teste ao não saber identificar que o prato de arroz com raia era de má qualidade.
Não sabemos quão longe chegará no concurso, mas a sobremesa que apresentou ao chef foi muito elogiada (apesar do pedaço de plástico que este encontrou) e gostávamos de a ver na final.
Os momentos marcantes do programa
Um dos momentos mais marcantes da estreia de "Hell's Kitchen" acontece quando Diogo, um dos concorrentes da equipa azul, se atrasa a entregar o prato depois de sucessivos imprevistos na cozinha: vários cortes no dedo e alimentos mal preparados.
Quando o chef o confronta e lhe pergunta o que se passa, Diogo desaba em lágrimas. "Não sei o que se passou. Estive muito tempo afastado da cozinha por problemas pessoais. Tive problemas com drogas que me afastam da cozinha, da minha mulher e da minha filha."
Ao ouvir a revelação, Ljubomir apoiou o concorrente. "O que fizeste está no passado e, a partir de hoje, sou o teu chef e quero-te aqui que nem ferro firme. Se te aguentares ali dentro, vou ser o homem que te vai dar a mão para saíres dessa merda."
Melhores frases
- "Esta raia foi mastigada por uma vaca antes?" (Ljubomir Stanisic, no momento em que o restaurante do "Hell's Kitchen" abre ao público);
- "O que é trufas?" (Ana Cristina, no momento em que chega à cozinha do "Hell's Kitchen" pela primeira vez);
- "Dás formações com 20 anos?" (Ljubomir Stanisic, depois de um concorrente lhe dizer que dá formações no IEFP);
- "Não precisas de querer testar os teus limites, eu próprio os testarei. " (Ljubomir Stanisic, quando um dos concorrentes lhe diz que se inscreveu no programa para se testar);
- "Cozinha é como sexo, como mulheres. Antes de fazeres sexo, tens de passar 40 minutos em preliminares para que ela fique louca por ti. Na cozinha é a mesma coisa." (Ljubomir Stanisic);
- "Olhando para isto, já defequei melhor." (Ljubomir Stanisic ao avaliar o prato de um concorrente);
- "Aquilo que eu vi, enquanto cliente, é que é uma filha da mãe na cozinha. Nunca sorri e partilha pouco com os colegas." (Ljubomir sobre Rute, durante a fase inicial do programa, que já teve oportunidade de ver a trabalhar por estar empregada no restaurante de um amigo);
Quantos palavrões disse Ljubomir Stanisic?
De bloco na mão, identificámos 16 momentos em que o chef e responsável pelo "Hell's Kitchen" presenteou os concorrentes como um palavrão — do mais leve ao mais agressivo, daqueles que precisam do fofinho "piiiii" a meio da emissão.
Comparando com alguns episódios de "Pesadelo na Cozinha", esteve relativamente calmo e contido.