Em 2023, Salvador Martinha celebra 20 anos de carreira e faz 40 anos. Será o ano em que se vai estrear como autor e protagonista de uma peça de teatro, "Plim - Passa Lá na Agência", que leva até aos palcos a personagem homónima nascida no Instagram.
Esta terça-feira, 20 de dezembro, estreia-se na RTP1 "Sou Menino Para Ir", o primeiro programa a solo do humorista num canal generalista. A partir das 22h15, e num episódio duplo, Salvador Martinha vai andar pelo País a cumprir os desafios e as vontades de vários seguidores que lhe propõem as tarefas mais descabidas... e que realiza com entusiasmo. São, ao todo, oito episódios de um formato que nasceu há cinco anos no Youtube.
“Sou Menino Para Ir” começou há cinco anos no Youtube. Depois teve o apoio do canal Fox Comedy e agora chega à RTP. Fale-me deste percurso peculiar.
Para ser honesto, é uma questão de 'como é que pagamos isto'? Começou com um pequeno patrocínio no Youtube, só para começar o projeto. Depois, encontrámos a Fox, que achou o projeto engraçado e assinámos um acordo de duas temporadas. Depois, atingimos o teto que o canal pôde dar, sempre no universo digital. E, agora, antes de desistir do projeto, pensei 'pá, vou falar com a RTP'. O projeto tem um atrativo muito grande. No fundo, as pessoas fazem-me desafios e eu vou. Tem sido assim. Agora assinámos este acordo com a RTP e vamos ver o futuro.
A ideia do programa surgiu porque havia muitas pessoas que lhe lançavam desafios?
Sim, surgiu por isso. Eu sempre recebi mensagens que o melhor adjetivo para as classificar talvez seja descabidas. As pessoas diziam 'tens que vir aqui jogar matrecos comigo a Bragança'. Um dia houve um que me mandou uma mensagem do nada – e foi esse o motivo que me levou a começar: 'pá, Salvador, nós somos da equipa portuguesa de jogar às escondidas e vamos a Milão. Achámos que tu eras a pessoa certa'. E eu pensei: 'que descabido'. E é assim que nasce este conceito.
Desta temporada na RTP, qual foi o desafio mais descabido e aquele que não deu mesmo para fazer?
Eu ia fazer um dia de pesca de alto mar. Preparámos o episódio todo mas, de repente, apareceu lá um capitão e disseram 'alto e para o baile', porque eles tinham tido uma rusga. Não percebi muito bem e até perdemos algum dinheiro com esse episódio.
Acho que não há nenhum que seja descabido, tipo um dia a apanhar borboletas. Talvez o episódio de bird watching. Eu achava que era uma seca e surpreendeu-me o quão terapêutico pode ser aquilo. A nossa luta é sempre não estar a pensar nos nossos problemas e estar a viver o momento. Bird watching ajuda nisso porque tens de estar a olhar para a natureza e a procurar pássaros. Parece que não é uma atividade e vim a constatar que é mesmo.
O que é que aprendeu, a nível profissional e a nível humano, nesta nova fase do “Sou Menino Para Ir”?
Acima de tudo, fico derretido com a ternura e com a disponibilidade das pessoas para ajudar. Mandam-me um desafio mas metade não pensa que eu vou mesmo ligar. Depois, quando dão por ela, estão no programa e nós vamos levando aquilo que as pessoas nos podem dar a um patamar em que eu fico agradecido. É um bocadinho aquele conceito da sopa da pedra: tens um feijão, tens um legume? Porque a pessoa só mandou um desafio. Depois nem imagina o que lhe vai acontecer. Vamos 'roubá-los' durante dois dias, vamos filmar a casa deles, a família. Fico... não é emocionado. É ver que fui criando uma relação com as pessoas ao longo do tempo, e depois as pessoas estão dispostas a dar-me. E isso é bom.
Depois, é conhecer as diferentes realidades. Andar aí pelo País e ver a paixão que as pessoas têm pelas suas atividades. Acho que é essa a resposta: é ver o quão as pessoas são apaixonadas por determinadas atividades e desafios. Sempre que apanhas uma pessoa apaixonada ficas também tu apaixonado.
Quando se lança um episódio num canal de Youtube, a expectativa é ver as visualizações, os comentários. Mas em televisão é diferente porque, no dia a seguir, há logo as audiências, que são um número fechado. Isso causa-lhe algum tipo de ansiedade, pensar no como é que vai correr?
Sim, não deixo de estar nessa luta. Se bem que o José Fragoso [diretor de programas da RTP] tirou-me logo isso da cabeça. Ele tem outro foco, diz que quer apostar em coisas frescas, trazer um público mais jovem, e diz que não se preocupa tanto com isso. Tanto que ele diz que este formato não pode concorrer com um “The Voice”, com as novelas, não tem esse valor de produção.
Mas eu acho que, na cabeça dele, está. Ele diz para tirar o peso mas, depois, vai olhar para um papel. Enquanto que, no Youtube, é mais expectável que os números cresçam, aqui gera-me ansiedade por não dominar esses números e esse processo. Do meu público digital, quanto é que vai ver na RTP? Quando os episódios forem para a RTP Play, vamos ter esses números e estou confiante que vamos trazer bons resultados para a RTP. Já na televisão, para mim é uma incógnita, porque não domino esse mundo.
Sou muito crítico com os meus projetos – demais, até. Acho que, às vezes, somos muito críticos connosco e não vale a pena porque depois vamos morrer. E está tudo bem. Um dia vamos morrer e isto foi só uma brincadeira. Mas estou confiante. Tendo em conta as outras temporadas, fomos sempre dando um salto e é essa a minha preocupação.
"Acho que o humor mudou um bocadinho. O humor não é gozar com os outros. Pode ser, mas não é só isso."
Acha que existe, pelo menos televisivamente, um 'humor do bem'? Por exemplo, “Tabu”, o último programa do Bruno Nogueira, envolveu questões sociais, sensibilização para determinadas causas. O seu também tem esse pendor positivo. O espaço que existe atualmente na TV é para um humor, digamos assim, não tão agressivo como era, por exemplo, no tempo do “Levanta-te e Ri”?
Acho que tem que ver com os estilos de humor. Agora estamos a viver a entrada da emoção no humor, digamos assim. Os humoristas sempre foram vistos com algum distanciamento social. Aquele humor de “put down” do “Levanta-te e Ri”... não é uma questão de ser mais arrojado ou não. Acho que, hoje, as pessoas já são um bocadinho mais exigentes. Acho que os próprios humoristas evoluíram. Já não são pessoas que vão só gozar com os outros. Acho que o humor mudou um bocadinho. O humor não é gozar com os outros. Pode ser, mas não é só isso. Respondendo à sua pergunta: pode ser uma tendência, estes programas que vivem um bocadinho da realidade e que vivem com o público. Mas não lhe chamaria humor do bem, porque estabelece um paralelismo com pessoas de bem.
Acho que o humor tem agora mais camadas. Se for ver, no “Sou Menino para Ir”, há momentos em que estamos a brincar, há momentos em que estamos a apertar com as pessoas, ou elas comigo, mas também há momentos de fragilidade. Não é tão linear, este programa.
"Não brinco com pessoas de que não gosto. Pode parecer estranho mas eu sou inspirado por pessoas de quem eu gosto"
Em 2023, vai levar a palco uma personagem do Instagram, a Plim, que não vai ser um espectáculo de stand up comedy. Vai ser uma peça de teatro.
Quando lancei o espetáculo, a Ticketline etiquetou como “stand up comedy” e eu disse para tirarem porque é teatro. É uma personagem que já estou a trabalhar há dois anos. Começou na pandemia, estava eu fechado em casa. e lembro-me perfeitamente qual foi o gancho. Foi uma vez que as influencers começaram a publicar qualquer coisa relacionada com a bandeira de Portugal. Eu senti que era muito prestigiante meter a bandeira de Portugal. E eram só nomes relevantes e eu pensei: 'as outras estão tramadas, também queriam meter a bandeira'. Então comecei a fazer esse agente.
Sempre adorei agentes. Adorava o “Entourage”, um dos meus filmes favoritos é o “Jerry McGuire”, a história de um agente de futebol americano. “Californication” também tinha o seu agente. E eu sempre disse 'vou fazer um agente'. De repente, comecei a aperceber-me de que este universo era muito fresco. Criei esta personagem, a Plim, que é uma agência e a peça vai mostrar os bastidores de como é que se fecham os contratos, como são as intrigas, como é que se faz crescer uma influencer... que eu acho que o público já percebe um bocadinho. Acho que as pessoas têm gostado desta personagem porque percebem. Eu estou a dizer as jogadas como elas são – algumas verdadeiras. Às vezes perguntam-me 'estás a gozar com este agente?'. Não é ninguém em específico. As pessoas não acreditam, querem sempre achar que é esta ou aquela agência. São todos. O meu próprio agente também é uma inspiração porque eu vejo as chamadas que ele faz.
Aquilo vai ter um dilema moral porque o agente às vezes faz coisas boas, mas de maneira maquiavélica. Inspira pessoas mas com uma espinha um bocado torcida porque tem um objetivo financeiro muito claro. Estou muito entusiasmado. Nunca escrevi uma peça de teatro. Nunca fiz uma personagem em teatro. Por acaso, agora, em “Rabo de Peixe”, estreei-me numa série, não sendo Salvador. Este espetáculo vai ser uma continuidade desse trabalho de ator.
Pelo menos nos comentários públicos, os agentes e os influenciadores adoram. Mas, em privado, alguma vez recebeu uma queixa?
Nunca. Quando me sinto melhor a fazer humor é quando brinco com alguém e alguém se ri comigo. Eu gosto muito que as pessoas se riam comigo. Eu não brinco com pessoas de que não gosto. Pode parecer estranho, mas eu sou inspirado por pessoas de quem eu gosto. Por exemplo, eu sou do Sporting. Eu não tenho pica nenhuma em fazer piadas sobre o FC Porto ou sobre o Benfica. Não me inspira. Eu gosto de influencers, elas têm-me divertido. Sou amigo de algumas, são minhas colegas. Todas as pessoas se reveem, todas as pessoas brincam com isto das campanhas. Quem é que, se tivesse uma campanha gigante, não a faria? Há muito essa incoerência nas pessoas. Às vezes, o público põe-se de um lado, como a dizer 'aqueles são ridículos'. Como se nós não fossemos todos ridículos. Às vezes o público do humor ri-se, mas fica de um lado, quase como se não fizesse parte desse mundo ridículo. Somos todos ridículos, sempre achei isso.
Rejeita uma superioridade moral que, às vezes, tende a a haver em alguns humoristas?
Acho que não. Acho que os humoristas percebem isso. É mais, por exemplo, nas caixas dos comentários e no público. Imagine: é como dar um murro numa pessoa, a pessoa está meio a tombar e as pessoas vão lá dar pontapés. Quando isso acontece, não gosto muito. Não tenho nenhum prazer de achincalhar alguém. Eu não pretendo 'matar' ninguém. Por isso é que eu tenho gostado [da Plim]. Porque as influencers gostam. Lembro-me de brincar com a Catarina Gouveia, que ela tinha um duplo de corpo. Ela riu-se com isto. As influencers até podem gostar porque são um bocado as vítimas daquela agente. Reveem-se nisso.
"Não gostava que os meus filhos crescessem com um pai muito conhecido, que está ali na moda"
Disse, num episódio do podcast “Ar Livre”, que a consistência não era o seu forte. Porquê? Nada na sua carreira diz que é inconsistente.
Ah, obrigado (risos)! É, pelo menos para mim. Outro dia fui fazer uma conferência e estava lá um daqueles comentadores, uma pessoa muito inteligente. Eu estava com a minha Plim, o meu agente e, a seguir à apresentação, disse assim: 'é impressionante a eficácia desta palestra'. Saio, ele diz assim 'hoje não me correu muito bem'. E eu a pensar: 'como é que vimos coisas completamente diferentes!'. E eu sou muito assim: a ideia de uma coisa correr bem, para mim, é muito irregular nos meus espectáculos. A pessoa tem sempre uma exigência consigo diferente do que aquilo que os outros estão a ver.
Já disse, também no seu podcast, que está a preparar a sua saída deste meio, pelo menos de aparecer publicamente. Porque é que quer fazer isso?
Eu quero fazer isso sobretudo por uma questão de felicidade. Eu não vejo que aparecer à frente de uma audiência seja positivo para a pessoa. Pelo menos na minha visão, não tenho nenhuma referência que eu diga 'olha aqui esta pessoa'. Vão surgindo outras pessoas e nós ocupamos um espaço. Quando saímos de um sítio, aparece alguém. É por aí e por achar que é muito cansativo ser uma cara. Enquanto corre bem, está tudo bem. Tenho medo, um dia, daquela chamada decadência. Gostava de sair antes disso.
Para fazer o quê?
No fundo, continuar a ser criativo sem o desgaste de ser uma figura. E, terceira razão: não gostava que os meus filhos [Salvador Martinha é pai de Maria Antónia, de 7 anos e de Joaquim, de 3] crescessem com um pai muito conhecido, que está ali na moda. Acho que isso também ocupa um espaço na cabeça das pessoas, essa coisa do 'o teu pai é não sei o quê'. Os meus filhos ainda são pequeninos. Se eu desaparecer agora, as pessoas ainda vão continuar a conhecer-me mas, se calhar, posso ficar um bocadinho menos na moda. Que sejam os meus filhos que estejam na moda nas suas vidas e eu a estar na retaguarda para ser o ninho deles. Um pai muito conhecido depois ofusca muito.
Isso é um plano a quê, cinco anos?
(risos) Acima de tudo, é um plano financeiro. Se me disser 'eu gosto muito de fazer o meu trabalho e de ser reconhecido pelos meus trabalhos, mas não há nada em ser conhecido que seja positivo a não ser o ser reconhecido e ser bem pago por isso'. O resto, não tem nenhum ganho em estar num restaurante com a minha família e estarem a olhar para mim. Se eu pudesse inverter isso... tem que ver comigo, é uma coisa muito pessoal.
Se calhar já chegou a um ponto da sua vida em que isso não é determinante, ser conhecido.
Talvez sim, sobretudo de cara. Se calhar, não vou conseguir matar a ambição de ser reconhecido por projetos, mas não de ser mais conhecido na rua. Isso, por mim, parava aqui. Está bom, já tive este simulacro.