Vamos diretos ao assunto: ninguém pode ditar aquilo que escolhemos comer num dia de praia, é verdade. No entanto, nesse ambiente, ao não controlarmos a temperatura, os alimentos estão em condições que não cumprem os requisitos de uma segurança alimentar pela qual nos devemos reger – e isso pode ser mais crítico do que pensamos para a nossa saúde. Se era fã de uma marmita de Bacalhau à Brás ao som das ondas do mar, comece a pensar noutras opções.

Então, como podemos ter uma alimentação mais segura? A MAGG esteve à conversa com Susete Estrela, engenheira alimentar e autora do livro "Sabe o Que Anda a Comer?", que revelou aquilo que é determinante para um corpo seguro (e feliz) na praia.

Susete Estrela
créditos: Instagram: @susete_estrela

“Não é uma questão de não levar. É uma questão de saber o que devo comer e quando”

O primeiro passo é evitar alimentos mais perecíveis, como queijo fresco, fiambre, ovos e lacticínios. Isto porque são alimentos “que naturalmente temos de guardar no frio, entre os zero e os quatro graus", esclarece a especialista.

Ao não serem mantidos à temperatura indicada, “interrompemos a cadeia de frio”, explica Susete Estrela, acrescentado que o máximo que essa interrupção pode durar é uma hora (no verão, pelo menos). Porquê uma hora? Bem, “porque as bactérias se multiplicam, em média, de 20 em 20 minutos” – por isso, o objetivo é evitar essas multiplicações ao máximo e não dar condições para que "as bactérias façam uma rave".

Recorrendo a um exemplo prático, a engenheira alimentar demonstra: "fazer uma sandes de omelete e alface e comê-la ao final da tarde tem tudo o que uma bactéria precisa para se multiplicar – a humidade da folha de alface, a temperatura cá de fora, a proteína do ovo e as horas".

Assim, nestas situações, a atenção tem de ser voltada para o horário em que planeamos comer. O melhor é “consumir esses alimentos mais perecíveis, como a omelete, logo de manhã”, já que aguentam menos tempo nas condições térmicas menos adequadas. Já aqueles que estão fora da "zona de perigo" durante mais tempo podem ser consumidos mais tarde – como é o caso de algumas frutas, que "aguentam bem se não tiverem a sua embalagem natural violada" (a casca, neste caso).

Portanto, levar "coisas mais secas e estáveis" é a aposta mais segura, enfatiza a especialista. Palitos de cenoura e aipo acompanhados de húmus ou pasta de azeitona, um wrap com pedaços de frango "muito bem grelhados", bolachas de arroz e, até mesmo, pipocas feitas em casa são algumas das alternativas.

Ainda assim, se continua a querer levar para a praia algo que se inclua na lista dos mais perecíveis e do qual não se consegue desfazer, a especialista dá a conhecer um truque no que a manter os alimentos frios diz respeito – "colocar no frigorífico ou no congelador o recipiente que vamos levar [como a geleira, por exemplo] é essencial". Assim, o recipiente vai "absorver esse frio durante a noite e manter a comida fria durante mais tempo", explica.

Caso contrário, "se a mala não estiver fria, os termoacumuladores não são suficientes" para manter a temperatura propícia à conservação dos alimentos – e as implicações para a saúde podem ser graves.

Atenção às consequências

Na alimentação segura, o truque passa (mesmo) por evitar a presença de bactérias. Isto porque "ao multiplicarem-se, vai haver uma dose suficiente de bactérias e das suas toxinas e é essa dose que vai fazer o veneno", explica Susete Estrela, acrescentando que há várias efeitos nocivos que advêm das diferentes quantidades de toxinas originadas por estes microrganismos.

Portanto, cuidado: existem mais de 200 doenças provocadas por bactérias em alimentos contaminados. Desde a E.coli, que é "frequente nas saladas e nos legumes que são mal lavados", à Salmonella, que, contrariamente ao que se pensa, "pode vir em qualquer alimento que não seja lavado" e não só em produtos avícolas, a lista parece não ter fim.

Dessas 200 doenças, em média, "70% geram diarreias e vómitos", como é o caso das intoxicações alimentares, explica a especialista, lembrando que  "depende sempre do estado do sistema imunológico de cada um, depende da parte da comida que comem – porque uma parte de uma travessa pode estar mais contaminada que outra", por exemplo. Além disso, no que ao surgimento de sintomas diz respeito, "podem aparecer passado meia hora como podem aparecer seis horas ou, até mesmo, dias depois".

Susete Estrela alerta ainda para a seriedade dos outros 30%, dos quais "o aborto, a septicemia, a insuficiência renal e os problemas neurológicos" são alguns dos efeitos secundários mais críticos que enumera.

"A alimentação segura é o primeiro pilar de uma alimentação saudável"

Embora a segurança alimentar seja uma das causas que mais defende, a especialista considera que ainda se fala muito pouco sobre ela. Refere, de seguida, que toda a educação sobre o assunto gira em torno do marketing alimentar – "e muita dessa informação está condicionada, porque (...) não mostra o pior lado do alimento".

Por isso, Susete Estrela frisa que, se não tivermos em conta a segurança daquilo que escolhemos comer, "não vale a pena averiguarmos se é saudável". Não deixa margem para dúvidas de que "em primeiro lugar, a alimentação tem de ser segura" e cabe aos consumidores também ter essa perceção.

De facto, este é um assunto ao qual a Organização Mundial de Saúde (OMS) já começa a dar algum palco. Em 2020, uma deliberação intitulada "Fortalecimento dos Esforços em Segurança Alimentar" foi levada a cabo na 73.ª Assembleia Mundial da Saúde. Os estados-membros pediam que a OMS atualizasse a Estratégia Global para a Segurança Alimentar de forma a fazer frente aos desafios emergentes, incorporar novas tecnologias e fortalecer a segurança alimentar.

Reconheceu-se que os sistemas de muitos países em relação a esta questão precisavam de melhorar significativamente. Como resposta, o secretariado da OMS preparou o projeto "Estratégia Global da OMS para a Segurança Alimentar", que servirá como uma orientação para os estados-membros fortalecerem os seus sistemas nacionais de segurança alimentar entre 2022 e 2030, promovendo a cooperação regional e global.

No entanto, falar e promover uma alimentação mais segura é uma responsabilidade que diz respeito a todos, incluindo os consumidores, as empresas da indústria alimentar, a academia e outras organizações internacionais. Assim, se há coisa que todos temos de ter em conta, segundo Susete Estrela, é que "se não é seguro, não é comida".