A varíola dos macacos, mais precisamente o vírus que lhe dá origem (do género Ortopoxvírus), é semelhante ao da varíola, que foi erradicada há mais de 40 anos. O contágio entre humanos é raro, mas possível — e foram as palavras de Vítor Duque, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, a respeito do alegado surto identificado em Portugal (com 14 casos registados), que espoletaram dúvidas e indignações.

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A "varíola dos macacos pode ser o início de mais uma epidemia entre os homossexuais ou alastrada a toda a população". Foi assim que Vítor Duque lançou o alerta à população portuguesa. Isto, com a ressalva de que o vírus pode atingir qualquer pessoa, independentemente do sexo e da orientação sexual, mas que, com base nos dados atuais, tudo indica que tenha tido uma porta de entrada naquela comunidade, noticia a CNN Portugal.

Dados esses que foram avançados esta quarta-feira, 17 de maio, por Margarida Tavares, diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção por VIH da DGS, que referiu, numa conferência de imprensa, que, entre os casos confirmados em Portugal, estão homens "que fizeram sexo com outros homens".

"Estabelecer uma relação de causa-efeito entre um vírus e a comunidade LGBTQIA+ é perigoso"

Ainda que sem qualquer anúncio oficial, de ambas as partes ou da Direção-Geral da Saúde (DGS), sobre a alegada relação entre a comunidade gay e a varíola dos macacos, estas declarações espoletaram dúvidas e geraram polémica nas redes sociais.

"No tempo do Variações e do Mercury, a SIDA era doença dos homossexuais. Em 2022, a varíola dos macacos é considerada por alguns como uma doença dos homossexuais. Como se fosse o género e não comportamentos de risco, independentemente do género, a facilitar a propagação de doenças", escreveu um internauta na rede social Twitter. 

E, neste sentido, também Renato Duarte, locutor na rádio Renascença, recorreu ao Instagram para comentar a situação, numa publicação que contou com o apoio, na secção de comentários, de figuras como António Raminhos ou a psicóloga e sexóloga Tânia Graça.

"Estabelecer uma relação de causa-efeito entre um vírus e a comunidade LGBTQIA+ é perigoso, irresponsável e imoral. Não tem fundamentação científica e contribui para o estigma a que este conjunto de pessoas continua a estar sujeito", escreveu.

"Nenhum tipo de transmissão infeciosa é exclusiva de indivíduos com uma determinada orientação sexual", acrescentou.

"Não há doenças de homossexuais", garantem especialistas

Neste sentido, são vários os especialistas que já se manifestaram sobre a polémica inerente ao novo surto de varíola dos macacos. Como é o caso do virologista Celso Cunha, que garantiu, em declarações ao "Polígrafo", que a transmissão não está relacionada com práticas sexuais que sejam mais frequentes em homossexuais.

"Nós estamos perante um vírus, que é este da varíola, que, tanto quanto a ciência sabe hoje em dia, não é transmitido por via sexual, através de uma relação sexual que envolva penetração. Admito, eventualmente, que pessoas que se beijem em conjunto, que se toquem... isso contribui para disseminar a doença e contagiar outras pessoas", começou por explicar, com a ressalva de que esta é uma doença quer para homossexuais, quer para heterossexuais".

"Não há doenças de homossexuais nem de heterossexuais. Há comportamentos de risco que podem promover um contacto mais fácil, só isso", acrescentou, recordando a relação errónea que, em tempos, se estabeleceu também entre a comunidade LGBTQIA+ e VIH (vírus da imunodeficiência humana).

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À mesma publicação, Paulo Paixão, virologista e antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, garantiu ainda que "não há nenhum fundamento científico "que possa confirmar que a varíola dos macacos é mais persistente em indivíduos com determinada orientação sexual. "O vírus transmite-se com a proximidade, ou seja, aquilo que nós sabemos é que o vírus se transmite por via respiratória e por contacto, já que aquelas lesões da pele são infeciosas. Portanto, implica contacto, nada mais do que isso", frisou.

E a mesma teoria é corroborada também pelo professor Fernando Maltez, diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do Hospital Curry Cabral, que explica, em declarações ao jornal "Expresso", que "a transmissão pessoa a pessoa não implica contactos sexuais".

"Não faz qualquer sentido relacionar a orientação sexual com esta doença"

No sentido de minimizar os efeitos das especulações, a ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo) defendeu esta quinta-feira, 19,  que "não faz qualquer sentido" relacionar a orientação sexual com a varíola dos macacos ou qualquer outra doença. "O que nós temos de focar sempre é nos comportamentos", defendeu Ana Aresta, presidente da ILGA Portugal, em declarações à agência Lusa, citadas pela SIC Notícias.

"Já não estamos nos anos 80 ou 90, em que, de facto, a desinformação contribuía para o estigma, já não estamos nesse momento", disse ainda, acrescentando que a "forma como se comunica não poder ser leviana", já que estão em causa grupos sociais "historicamente estigmatizados".

Mas, afinal, que vírus é este?

Com base nos últimos dados revelados esta quinta-feira, 19, Portugal é o país com mais casos de varíola dos macacos na Europa, com 14 doentes identificados.

Até à data, não há recomendações de isolamento aos casos confirmados ou suspeitos, da mesma forma que ainda não terá sido possível esclarecer se existe alguma relação entre os 14 homens infetados, noticia o jornal "Público".

Trata-se de um vírus (do género Ortopoxvírus) semelhante ao da varíola, que terá sido erradicado há mais de 40 anos, em 1980, e que não se dissemina facilmente entre humanos. A transmissão está associada ao contacto com animais, materiais contaminados ou pessoas infetadas, este último, seja através gotículas no ar (tosse, espirros) ou fluidos (como suor), avança a mesma publicação.

O continente africano regista o maior número de casos. No entanto, já há doentes identificados em, pelo menos, 15 países. Incluindo Portugal, Inglaterra e Estados Unidos.

Quais são os sintomas?

Febre, arrepios, dor de cabeça, dores musculares ou cansaço extremo. Tudo isto são sintomas que podem estar relacionados com este vírus,  sendo que, um outro sintoma comum, e aquele que tem vindo a circular nas redes sociais como o principal sinal de alerta, são erupções cutâneas na cara e no corpo, que geralmente surgem nos primeiros cinco dias.

As lesões provocadas pela doença podem causar comichões ou dor, de acordo com o jornal "Público". No entanto, os sintomas tendem a desaparecer no espaço de duas a três semanas após a infeção.

De acordo com Fernando Maltez, "as recomendações para os casos confirmados e suspeitos, para já, são de se resguardarem e de evitar o contacto próximo de modo a minimizar os riscos de contágio. Para já, não há indicações para isolamento".

Até à data, ainda não existem recomendações específicas da Direcção-Geral da Saúde (DGS).