Em 2018,  foi eleita presidente da câmara de Maidan Shar, no Afeganistão, aos 26 anos, tornando-se assim a mais jovem mulher a assumir esse cargo no país. Concorreu contra 138 homens e realizou "um sonho de criança" que, quando concretizado, se revelou um pesadelo, sendo que o facto de uma jovem mulher assumir um cargo governamental não foi bem aceite pelos talibãs.

Durante o período em que exerceu, sofreu três tentativas de homicídio. Os talibãs queimaram-lhe o corpo com ácido, mas Zarifa Gharifa, 29 anos, conseguiu escapar à morte. Forçada a abandonar o seu próprio país, a ex-autarca afegã está agora a correr mundo com o principal intuito de apelar à solidariedade internacional.

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Esta quarta-feira, 29 de setembro, esteve em Belém, em Lisboa, onde deixou claro que não tem medo dos talibãs. " Enquanto for viva, não me calo", garante.

"Estamos aqui hoje, porque, de facto, é urgente. Porque a Zarifa precisa da nossa solidariedade e muitíssimas mais mulheres afegãs precisam que façamos ouvir a nossa voz, bem alto, em defesa das suas vidas, dos seus direitos. O tempo escasseia", disse Catarina Furtado no início da conversa com a jovem ativista, que decorreu no âmbito de um evento da associação da apresentadora, a Corações Com Coroa. "Não foi um encontro aberto ao público, porque, de facto, a prioridade hoje é a segurança física da Zarifa", esclareceu Catarina Furtado.

"Queria mostrar-lhes que nada me conseguia parar"

A ex-autarca conta que, à margem de várias ameaças de morte, o seu escritório foi alvo de ataques constantes. Durante o período em que exerceu, sofreu três tentativas de homicídio. Na última, ficou com marcas para a vida, depois de ter sido queimada com ácido pelos talibãs. Apenas 20 dias depois do último ataque, o seu pai, coronel do exército afegão, foi assassinado. “Mataram o meu pai para me tentar travar”, acredita Zarifa.

“No dia seguinte, voltei ao escritório. Queria mostrar-lhes que nada me conseguia parar. A morte do meu pai foi difícil e dolorosa, mas não foi suficiente para me parar. Só se me matarem é que me conseguem travar."

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A jovem de 29 anos relembra o dia da tomada de posse dos talibãs, em agosto deste ano. “Quando vi as imagens dos talibãs a entrarem no palácio presidencial e a darem ali entrevistas à Al-Jazeera, não conseguia aceitar".

"Estávamos no quinto dia da tomada de posse dos talibãs, em Cabul e, ao longo destes cinco dias, estive sempre a esconder-me de um lado para o outro. Estavam à minha procura e foi tão difícil. Foi mais difícil do que qualquer outra dor na minha vida. Foi mais difícil do que a dor da morte do meu pai", garante.

"Entrei no avião sem saber qual seria o meu destino final. Do Paquistão para a Turquia e da Turquia para a Alemanha". A família de Zarifa Ghafari encontra-se, neste momento, refugiada na Alemanha, enquanto Zarifa e o marido correm mundo à procura de ajuda. Esta quarta-feira, em Portugal, afirmou que quer ser voz das mulheres afegãs – às quais se refere como "o motivo pelo qual não tem medo" e "a razão de toda a sua coragem".

"O que está a acontecer às mulheres afegãs pode acontecer convosco. Pode destruir as vossas vidas"

"Assinem a petição, vai custar apenas alguns segundos das vossas vidas, talvez um ou dois minutos. É tão importante. Mostra o quão fortes somos. Os terroristas não são amigos de ninguém. Isto pode acontecer a qualquer pessoa, em qualquer lugar. Temos de nos posicionar contra o terrorismo", disse a jovem ativista na conversa com Catarina Furtado.

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"O que está a acontecer às mulheres afegãs pode acontecer convosco. Pode destruir as vossas vidas", afirma Zarifa Ghafari.

Quando confrontada com a questão sobre o que verdadeiramente precisa neste momento, Zarifa Ghafari responde que, acima de qualquer outra coisa, precisa de apoio. "Preciso do apoio de organizações e de comunidades. De toda a gente. Pela a minha causa. Para que consiga continuar a minha luta", diz.

Zarifa Ghafari faz questão de esclarecer que luta não só para resgatar ativistas, jornalistas, militares e cidadãos comuns das mãos dos talibãs, mas para garantir qualidade de vida a quem quer permanecer no seu próprio país. "Pelas mulheres que querem ficar, estudar e ser parte integrante da sociedade", explica.

A jovem ativista esclarece que a forma como as mulheres são tratadas nas mãos dos talibãs em nada espelha o que a Islamismo defende. "Sempre quis estudar para além dos livros e ensaios académicos. Estudei para além das ideologias que tentam implementar em nome da religião."

"A religião islâmica é tão pacífica. Todas as religiões se baseiam na vontade de suportar a humanidade e proporcionar boas oportunidades, paz, educação e desenvolvimento às pessoas. O que mais me fascina em relação à minha religião é o facto de ter mais direitos para as mulheres [do que para os homens]", conta Zarifa Ghafari.

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"Por exemplo, numa relação entre marido e mulher, o homem tem apenas três a quatro direitos sobre a sua mulher; enquanto, por outro lado, a mulher tem muito mais direitos em relação ao marido. É isto que está escrito. É isto que a minha religião defende. No Alcorão, não há nada que motive a divisão entre homens e mulheres", completa, esclarecendo que a situação atual do Afeganistão, no que às mulheres diz respeito, em nada tem que ver com a sua religião. Para a ex-autarca, tudo se resume a (má) interpretação e garante que tudo gira em torno do negócio que é a guerra.

"Se acham que são corajosos porque espancam as mulheres em público, então porque é que não conseguem comunicar com mulheres?"

Afirma que quer falar com os talibãs, porque, apesar de tudo, não tem medo. "Eu acredito que a comunicação pode mesmo resolver. Nunca nos deixaram falar e conhecer os talibãs, mas eles pensam que nos conhecem. Não conhecem esta nova geração de coragem, de tiktokers e de redes sociais. Tudo isto representa formas de comunicar. E esta nova geração utiliza essas mesmas plataformas para se expressar. Só é possível fazer isto acontecer se for possível falar com os talibãs. Há talibãs normais e tão fácil tratar deles. Se acham que são corajosos porque espancam as mulheres em público, então porque é que não conseguem comunicar com mulheres? Venham falar comigo. Estou pronta", remata Zarifa Ghafari.

A ativista explica ainda que, segundo a verdadeira tradição islâmica, quando uma mulher atravessa a rua, por exemplo, todos os homens se calam. Tudo isto para não a deixar desconfortável. Como sinal de respeito. "A minha religião e tradição são muito mais coloridas. Muito mais bonita", garante a jovem ativista. "Se virem fotografias antigas do meu país e decidirem pesquisar sobre ele, vão adorá-lo. O que quer dizer que a minha tradição é muito boa e, acima de tudo, pacífica para as mulheres."

Zarifa Ghafari culpa a guerra, e todo o negócio que lhe está inerente, pelo estado atual do Afeganistão. "Temos de combater a guerra, nem que seja pelas gerações futuras", diz. "Se, um dia, tiver uma filha, gostava muito de lhe dizer que a liberdade com que vive é o resultado de uma luta da qual a mãe fez parte", conta a jovem ativista, que garante não desistir de lutar pelo bem estar das mulheres no seu próprio país.

Para Zarifa, voltar para o Afeganistão "não é um sonho, mas um objetivo", para o qual conta os minutos e segundos. "O meu país é a minha casa". Mas só será possível lutar (e vencer) com o apoio internacional. A ativista deixa claro que, quando pede auxílio a um determinado país, não se refere exclusivamente aos governantes e aos que ocupam cargos políticos. Dirige-se à população, a cada um, individualmente. E deixa a ressalva de que, com ou sem dinheiro, é possível ajudar.

Atualmente, é possível participar na luta de Zarifa Ghafari através da assinatura da petição em zarifaghafari.com e, ainda, do fundo "#JuntosAcolhemos", criado em conjunto pela associação Corações com Coroa, da qual Catarina Furtado é fundadora, e pela Cruz Vermelha

“Cada um de nós deve pôr os seus privilégios ao dispor de quem mais sofre. Temos o poder de devolver a dignidade a quem a tem, tantas vezes, ameaçada”, remata Catarina Furtado.

#JuntosAcolhemos
créditos: #JuntosAcolhemos