As sirenes soam na Ucrânia desde quinta-feira, 24 de fevereiro, sinal de que o país está sob ataque russo há mais de 96 horas. Este domingo, 27, ao quarto dia de invasão, Kiev, Kherson e Berdyans "estão totalmente bloqueadas", já há registo de ataques a escolas e ambulâncias e acumulam-se sanções à Rússia. Até à data, a guerra ainda não abrandou — mas a realidade de quem a vive também não.

Ucrânia. Civis fazem frente a tanques, escolas e ambulâncias sob ataque. Última noite "foi brutal”
Ucrânia. Civis fazem frente a tanques, escolas e ambulâncias sob ataque. Última noite "foi brutal”
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Não se trata de romantizar a guerra, mas de olhar para o pouco que se vive entre destroços, bombardeamentos e explosões. Mais de 368 mil ucranianos já conseguiram abandonar o país e procurar abrigo em países vizinhos, como a Roménia ou a Moldávia, mas ainda há milhares de pessoas presas em território ucraniano. Algumas delas, protagonistas de histórias surpreendentes de superação, heroísmo e coragem.

Casal ucraniano casou-se à pressa em plena guerra

Não foi como tinham imaginado, mas foi a cerimónia possível em pleno período de invasão russa: Yaryna Arieva e Sviatoslav Fursin casaram-se poucas horas depois do arranque da guerra e acabaram mesmo por dedicar o resto do dia a reunir armas para defender o próprio país.

Arieva explica que planeava casar-se a 6 de maio e comemorar num restaurante com um "terraço muito, muito giro" com vista sobre o rio Dniepre, mas que tudo mudou quando Vladimir Putin anunciou uma "operação militar especial" na Ucrânia, a 24 de fevereiro. E foi precisamente por não saber o que esperar que decidiu antecipar o matrimónio.

"Podemos vir a morrer, por isso, queremos estar juntos antes disso", disse, em declarações citadas pela CNN, alegando que, entre dúvidas inerentes à guerra, tinha uma única certeza: a de que iria lutar pela Ucrânia.

"Temos de proteger as pessoas que amamos e o país onde vivemos", disse. "Espero que corra tudo bem, mas farei o que for preciso para proteger o meu país", acrescentou, antes de partir com o marido rumo ao centro de defesa local, à procura de armas, armaduras ou lacunas que pudessem colmatar. "Só espero que volte tudo ao normal e voltemos a ter o nosso país, seguro e feliz, sem os russos aqui", frisou a jovem de 21 anos.

Casal ucraniano casou-se à pressa em plena guerra
Casal ucraniano casou-se à pressa em plena guerra créditos: Facebook

Bebés nascem entre estações de metro e abrigos subterrâneos

Aquando das primeiras explosões, quando a Ucrânia ainda procurava adaptar-se ao cenário de guerra, as estações de metro foram o primeiro abrigo do povo. E foi precisamente a pouco metros da superfície que Mia começou aqui a sua vida. A bebé, segundo a CNN Portugal, nasceu no metro de Kiev, capital ucraniana e epicentro da invasão russa, onde a mãe, de 23 anos, procurou abrigo.

Em Dnipro, uma cidade que já foi alvo e explosões e bombardeamentos, os bebés de uma unidade de cuidados intensivos neonatais foram transferidos para um abrigo antiaéreo e, na zona subterrânea de um hospital, é lá que permanecem enquanto o conflito avança.

Homem de 80 anos apresenta-se às tropas ucranianas para "lutar pelos netos"

Numa altura em que, em prol da lei marcial, homens entre os 18 e os 60 anos são forçados a permanecer na Ucrânia e combater as tropas russas, há quem esteja disposto a fazê-lo voluntariamente: como é o caso deste homem de 80 anos, cuja imagem se tornou viral e já é considerada por muitos internautas como "uma das imagens da guerra".

Segundo a antiga primeira-dama ucraniana, Kateryna Yushchenko, mulher de Viktor Yuschenko, o homem apresentou-se aos serviços militares ucranianos com uma mala com roupa e alguma comida. Sem hesitar, fê-lo, segundo disse, para lutar "pelos netos".

Nataliya cruzou a fronteira com os filhos de outra mulher nos braços, enquanto os seus permanecem na Ucrânia

À data de publicação deste artigo, mais de 368 mil ucranianos já conseguiram atravessar a fronteira, rumo a países vizinhos. Mas ainda há quem não o tenha conseguido fazer: seja por força da lei marcial, por medo ou até pela dimensão das filas, que chegam a 27 horas.

E foi precisamente com um homem de 38 anos, cuja fuga do país lhe foi negada, que Nataliya Ableyeva se cruzou junto à fronteira com a Hungria, este sábado, 26. "O pai deles simplesmente entregou-me as duas crianças, e confiou em mim, dando-me o passaporte deles", disse, em declarações citadas pela CNN Portugal. E o objetivo era simples, diz, levá-los, em segurança, para junto da mãe, que já estava a caminho, vinda de Itália, para os receber.

E foi o que aconteceu: com o número de telefone desta mulher na mão e os seus filhos na outra, cruzou a fronteira. E o encontro deu-se na vila húngara de Beregsurány.

O ato solidário tornou-se viral, não só pela confiança cega de um pai em desespero, mas porque os próprios filhos de Nataliya permanecem na Ucrânia. Um é polícia, o outro enfermeiro, ambos adultos. Por isso, nenhum pode abandonar o país. Na impossibilidade de resgatar os seus, disse, fê-lo por outros.

Vitaliy morreu em nome da Ucrânia. Agora, é considerado um "herói" da guerra

Como forma de atrasar a ofensiva russa, a Ucrânia tem feito explodir pontos estratégicos e a ponte de Henichesk, na região de Kherson, era um deles. Mas o plano não correu conforme previsto.

Sem tempo para abandonar a ponte que estava armadilhada, Vitaliy Skakun Volodymyrovych, um jovem fuzileiro, acabou por se sacrificar para poder explodir a estrutura e travar o avanço das tropas russas, que pretendiam entrar no país a partir de Crimeia, território anexado pela Rússia em 2014.

"Segundo os seus companheiros de armas, Vitaly comunicou a dizer que ia explodir a ponte. De seguida, ouvimos uma explosão", pode ler-se no comunicado da autoridade militar ucraniana, que confirmou a morte imediata do fuzileiro — que, agora, é visto como mais um dos vários rostos heróicos da guerra.

Vitaliy morreu em nome da Ucrânia. Agora, é considerado um
Vitaliy morreu em nome da Ucrânia. Agora, é considerado um "herói" da guerra créditos: Facebook

Afinal, a história dos 13 heróis assumidos como mortos pode ter outro desfecho

Segundo a primeira versão dos factos, estes 13 guardas eram os únicos a defender uma ilha rochosa, com cerca de 16 hectares, que se situava no Mar Negro. Os invasores russos terão chegado ao território e, em poucos instantes, deixado um ultimato aos ucranianos: ou se rendiam e entregavam as armas, ou sofreriam as consequências. "Navio de guerra russo, vão-se foder" foi a resposta dos guardas ucranianos, que, a partir daí, foram dados como mortos e considerados "heróis da Ucrânia".

O incidente terá acontecido a 25 de fevereiro, mas este domingo 27, surge a possibilidade de a história ter tido outro desfecho. "Temos uma forte convicção de que todos os defensores ucranianos da ilha de Zmiinyi podem estar vivos", lê-se numa mensagem deixada no Facebook da Guarda de Fronteira do Estado da Ucrânia, que avança que, independente da conclusão do caso, os guardas irão receber honras de heróis de guerra.