Desde muito cedo que Gypsy Rose Blanchard percebeu que era doente. Asma, epilepsia, problemas de aprendizagem, distrofia muscular e uma leucemia na infância eram apenas alguns dos seus inúmeros problemas de saúde, a par da necessidade de andar de cadeira de rodas e de se alimentar através de um tubo. Tudo o que a jovem norte-americana queria era ser normal. Infelizmente, o seu corpo débil parecia negar-lhe isso.
Só que o seu corpo não era débil. Pelo contrário, Gypsy era tão saudável como qualquer outra criança. O mesmo não se podia dizer da mãe, Dee Dee (o nome verdadeiro era Clauddine Blanchard), que sofria do síndrome de Münchhausen, uma doença em que os indivíduos fingem, em si ou nos outros, doenças para chamar atenção ou simpatia sobre eles. Gypsy não precisava de rapar o cabelo, andar de cadeira de rodas ou ser alimentada por um tubo. No entanto, a mãe fê-la acreditar que sim.
A história bizarra de Gypsy Rose Blanchard deu origem à série "The Act", da Hulu, que chegou a 20 de março à HBO. Patricia Arquette faz o papel da perturbada Dee Dee e Joey King de Gypsy. "O que tentámos foi precisamente representar com precisão o que aconteceu e quem eram estas pessoas", revelou a jovem atriz de 19 anos ao "Build Series".
Ninguém sabia que Gypsy era uma criança saudável
Dee Dee mentiu a toda a gente. E a história não ficou apenas entre a família ou vizinhos: devido ao facto de ser mãe solteira, o drama de Gypsy sensibilizou muitas pessoas. Organizações como Make-A-Wish e Ronald McDonald House faziam regularmente doações a Dee Dee ou organizam viagens gratuitas.
A própria casa onde mãe e filha viviam, com uma rampa adaptada à cadeira de rodas de Gypsy, foi construída pela Habitat for Humanity, depois do furacão Katrina lhes levar tudo o que tinham. Foi nessa altura que saíram do Louisiana para Springfield, Missouri.
"Ela disse-me que eu tinha cancro e rapava-me o cabelo dizendo: 'Ele vai cair de qualquer forma, portanto vamos mantê-lo bonito e aparado'. Ela disse-me que eu não conseguia comer e precisava de um tubo de alimentação", contou Gypsy num programa especial do "ID Documentary".
Até os médicos foram enganados. Na mesma entrevista, Gypsy contou: "Tiraram-me as glândulas salivares porque a minha mãe dizia que eu me babava. Tinha um tubo de alimentação na minha barriga, fiz várias operações aos olhos, tanto ao direito como ao esquerdo. Operações às orelhas, biópsias aos músculos para perceber porque é que as minhas pernas não funcionavam, uma operação para deixar de vomitar. Eu acreditei que tinha essas doenças todas, exceto que sabia que podia andar e comer."
O pai de Gypsy também achava que a filha era doente. Apesar de Dee Dee dizer que o homem era violento, viciado em álcool e em drogas e que as tinha abandonado, a verdade é que nenhuma dessas acusações foi provada e Rod até ia mantendo algum contacto com a filha. "Ela tinha sempre medo que eu me aproximasse da Gypsy. Chateava-me", contou em novembro do ano passado à Fox News. "Mas estava sempre à espera que a Gypsy tivesse idade suficiente para nós criarmos um laço."
À medida que Gypsy começou a crescer, as mentiras tornaram-se óbvias. Aos 19 anos, ela percebeu que nada daquilo fazia sentido. Ela conseguia andar. Ela conseguia comer. O açúcar não a matava. Infelizmente, descobrir a verdade não foi suficiente para se liberta. Continuava emocionalmente dependente da mãe — por mais que odiasse aquilo que ela lhe fazia, Gypsy sabia que contar a verdade iria destruí-la. O que seria dela se as pessoas soubessem que tinha mentido este tempo todo?
Dee Dee também não lhe facilitava a vida. Em entrevista ao 20/20 no ano passado, Gypsy contou que tentou fugir uma vez, mas acabou acorrentada à cama. Dee Dee vigiava todos os seus passos, e até dormia com ela. A jovem acabou por conseguir encontrar alguma liberdade na internet — assim que a mãe adormecia, a jovem entrava no universo online. Foi assim que conheceu Nick Godejohn.
"Ela pensou que matar a mãe era a melhor coisa que podia fazer por ela"
Gypsy e Nick Godejohn conheceram-se através do site ChristianSingles.com. Sem saber como lidar mais com a mãe, a jovem revelou àquele desconhecido tudo o que se passava. Depois de três anos a namorarem online, Nick aceitou a sugestão de Gypsy para matar Dee Dee. Em junho de 2015, quando Gypsy tinha 23 anos, Nick esfaqueou a mulher nas costas. O casal fugiu de seguida para o Wisconsin, onde ele vivia.
Dee Dee foi encontrada morta alguns dias depois, quando uma série de mensagens estranhas começaram a aparecer no perfil de Facebook falso de Gypsy.
No início, a polícia achava que Gypsy tinha sido raptada. O choque foi tremendo quando a descobriram com Nick — e completamente saudável.
"As pessoas continuam a perguntar à Gypsy: 'Porque é que tu não te revoltaste? Porque é que não disseste nada? Não é assim tão simples. Quando ela fala da razão por que matou a mãe, ela diz que não queria que a mãe fosse presa porque sabia que ela ia odiar. Por outro lado, Gypsy sabia que se fugisse, isso ia destruir emocionalmente a mãe", contou Joey King à "Vulture".
"Ela pensou que matar a mãe era a melhor coisa que podia fazer por ela. Percebe o que quero dizer? Ela não queria trair Dee Dee e não queria magoá-la emocionalmente, portanto pensou: 'Tenho de me ver livre dela'. É bizarro, mas se vir a série, vai pensar: 'Ok, consigo perceber porque é que ela pensou assim'."
O que é que aconteceu a Gypsy
Gypsy e Nick foram presos e acusados do homicídio de Dee Dee. Gypsy foi condenada a dez anos de prisão no Chillicothe Correctional Center, Missouri, depois de se considerar culpada. Em 2023, quando tiver 32 anos, Gypsy vai poder sair em liberdade condicional.
Já Nick, 29 anos, foi condenado a prisão perpétua. Os advogados ainda alegaram que o homem sofria de autismo e foi movido pelo amor e vontade de salvar Gypsy, mas a sentença foi definitiva.
Em entrevista ao Dr. Phil, Gypsy disse que achava a pena de dez anos muito pesada. Ainda assim, compreende perfeitamente que o homicídio da mãe foi errado e que ela é responsável pela morte de Dee Dee. "Acredito que mereço passar algum tempo na prisão por aquilo que aconteceu, no entanto também consigo entender porque é que [o crime] aconteceu."