Esperavam-se multidões no comício que sinalizava o arranque de campanha de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, no sábado, 20 de junho. Mas o evento que se realizou em Tulsa — cidade que foi vítima de um massacre racista, que destrui casas, negócios e tirou vidas em 1921 — , no estado do Oklahoma, não contou com o cenário de casa cheio prometido. Porquê? A causa pode ter sido a geração mais nova. É que centenas de milhares de utilizadores adolescentes do Tik Tok, juntamente com fãs de K-Pop, reservaram lugares com o objetivo de não aparecerem para, assim, sabotarem o evento.

Brad Parscale, presidente de campanha para a reeleição de Trump, anunciou no Twitter, na segunda-feira, que já tinham sido pedidos mais de um milhão de pedidos de ingressos. Porém, aquilo que os jornalistas observaram foi muito diferente: a participação foi muito menor do que aquela que se esperava, deixando vários lugares vazios no BOK Center, onde decorreu o comício. Tim Murtaugh, avança o "The New York Times", terá também usado o argumento de que protestos à porta da arena terão impedido pessoas de participar no comício — porém, segundo o relato dos jornalistas no local, houve poucos protestos.

"A arena não está cheia. Lá fora: vazio. Não conseguiram juntar sequer 19 mil pessoas e tinham-se gabado de que iam ter um público de um milhão", disse Joy Reid, do MSNBC. "[Parscale] foi enganado por jovens e fãs de K-Pop, que compraram bilhetes com o intuito de não ir."

De acordo com a revista "Forbes", estiveram menos de 6.200 pessoas no evento — quando o local tinha capacidade para 19.200.

O argumento do presidente de campanha de Trump foi muito diferente: o homem alegou que "manifestantes radicais" haviam bloqueado o acesso aos detetores de metal, impedindo as pessoas de enrarem. Alexandria Ocasio-Cortez, ativista e congressista na Câmara dos Representantes, pelo partido Democrata, não tardou a esclarecer, através do Twitter: "Na verdade foste enganado por adolescentes do TikTok que boicotaram a campanha de Trump com falsas reservas e enganaram-te, fazendo-te acreditar que um milhão de pessoas queria assistir à vossa [sessão] supremacista branca de microfone aberto, numa arena lotada durante a COVID-19."

A ativista acrescentou: "Aliados KPop nós vemos e apreciamos a vossa contribuição na luta pela justiça". Em causa estará o facto de esta tribo ter juntado um milhão de dólares para a causa Black Lives Matter, denunciaram hashtags racistas no Twitter.

A acção dos jovens terá começado depois de um tweet da página TeamTrump ter apelado à inscrição no comício, através do telefone. Os TikTokers e fãs K-pop partilharam a publicação, incentivando os seus seguidores a registarem-se, para depois não aparecerem. A corrente tornou-se viral nesta rede social, com mais vídeos, com milhões de visualizações, a apelarem ao mesmo. "Oh não, inscrevi-me no comício e agora não posso ir", brincou uma rapariga, enquanto fingia que tossia, a 15 de junho, reportou a "CNN", canal que já estava a par do movimento que está a correr esta rede social.

Muitos dos utilizadores eliminaram as suas publicações entre 24 a 48 horas depois, de modo a que o esquema não fosse descoberto e para que a tendência não chegasse aos meios mais convencionais da Internet.  "A maioria das pessoas que criaram estes conteúdos eliminaram-nos depois do primeiro dia, porque não queríamos que a campanha de Trump soubesse", disse ao "New York Times" Elijah Daniel, 26, um dos intervenientes deste movimento. "Estes miúdos são espertos e eles pensaram em tudo."

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Como é que isto começou? Mary Jo Laupp, 51 anos, de Fort Dodge, Iowa, reparou que vários utilizadores  negros da rede social estavam frustrados pela realização do comício a 11 de junho — entretanto, alterada para 20 do mesmo mês. A propósito disto, ela desabafou a sua própria raiva num vídeo no TikTok a 11 de junho e deu a ordem: "Eu recomendo que todos os que querem ver este auditório de 19 mil lugares completamente vazios vão comprar bilhetes agora para deixá-lo ali sozinho no palco."

No dia seguinte, o vídeo estava a tornar-se viral: tinha mais de 700 mil gostos e mais de dois milhões de visualizações. Laupp acredita que, depois disto, e de acordo com os que comentários que foi recebendo, pelo menos, 17 mil bilhetes tenham sido adquiridos.

"Há adolescentes neste país que participaram neste pequeno protesto de não comparência que acreditam que podem ter impacto no seu país e no sistema político, apesar de não terem idade suficiente para votar", disse, citada pelo mesmo jornal.

Do Twitter e TikTok, a mensagem passou para outros meios, incluindo Snapchat e Instagram. Foi através desta última que Erin Hoffman, 18 anos, de Nova Iorque, deu conta do movimento, através de uma mensagem de uma amiga. Depois, ela espalhou a notícia nas histórias do Snapchat e várias pessoas vieram dizer-lhe que já tinham reservado bilhetes. Hoffman reservou dois lugares para si: "Trump tem ativamente tentado privar milhões de americanos de muitas formas e, para mim, este foi o protesto que pude realizar."

Mary Jo Laupp contou ao "New York Times" que muitos dos utilizadores que partilharam o seu vídeo, sugeriram às pessoas que fizessem as reservas com nomes e números de telefone falsos — nas legendas do vídeo havia, inclusivamente, conselhos sobre como conseguir fazer isto.

"Todos sabemos que a campanha de Trump se alimenta de dados, eles estão constantemente a usar estes comícios para obter dados", disse Laupp. "Alimentá-los com dados falsos foi um bónus. Os dados que eles pensam ter, os dados que eles estão a coletar deste comício, não são reais."