No julgamento do homicídio de Valentina, de 9 anos, marcado para esta quarta-feira, 17 de fevereiro, Sandro Bernardo foi o primeiro a explicar a versão dos acontecimentos de maio do ano passado. O arguido, acusado de homicídio qualificado, profanação de cadáver e de violência doméstica contra a filha, começou por negar as acusações deste último crime. "Nunca agredi ninguém lá em casa", disse na sessão no Tribunal de Leiria.
Perante a contradição, o juiz avançou para a leitura da acusação do Ministério Público (MP), questionando a veracidade de cada facto. Sandro confirmou agressões a 1 de maio, "dei-lhe umas palmadas” no rabo e negou que tivesse usado uma colher de pau. "Simplesmente ralhei com ela e ficou de castigo”, disse, de acordo com o jornal "Observador".
Apesar de a acusação dizer que foi Márcio quem colocou a criança numa banheira com água a ferver, no julgamento o pai da vítima apontou as culpas para a madrasta de Valentina. "A Márcia já estava com a Valentina dentro de água quente”, disse e acrescentou que não sabe o que aconteceu antes. “Quando cheguei, ela já estava a tremer, agarrei-a pelos ombros. Estava a ter espasmos. Não parava de ter espasmos. Levei-a para a cozinha, para baixo da janela”, explicou, afirmando também que Márcia deu murros na cara e nas costas a Valentina.
Quanto ao facto de a criança ter sido colocada no sofá e deixada ali até às 22h do dia 6 de maio — período durante o qual o casal foi até à lavandaria e à farmácia —, tal foi confirmado pelo pai de Valentina, que adiantou ainda que, por diversas vezes, Márcia foi verificar se a menina respirava. Questionado pelo juiz-presidente sobre a razão de nada ter feito, Sandro afirmou: "Estou muito arrependido. A Márcia começou a dizer coisas, a encher-me a cabeça”. Sandro diz ainda o porquê de ter revelado à Polícia Judiciária onde estava o corpo. "Já não aguentava mais a pressão”.
Depois do juiz-presidente, seguiram-se as questões da Procuradora da República, a quem Sandro passa a dar maioritariamente respostas de "sim" e "não". À pergunta “nem assim se lembrou de ir buscar socorro?" quando deixou de sentir a pulsação de Valentina, Sandro disse "não".
O depoimento de Sandro desta quarta-feira é semelhante a uma carta que tinha enviado ao irmão a explicar o que aconteceu a Valentina e contrário àquilo que está na acusação do Ministério Público (MP) e que foi dito no primeiro interrogatório judicial.
"Eu quero dizer a verdade"
Depois de Sandro, a madrasta de Valentina, Márcia, de 39 anos, foi a segunda a ser ouvida no Tribunal de Leiria. Após o depoimento de Sandro que, de acordo com a CMTV, decorreu sem qualquer emotividade — ao contrário de Márcia que chorou permanentemente desde o início do julgamento —, a acusada de homicídio qualificado e profanação de cadáver começou por dar a entender que aquilo que até ali tinha sido dito não correspondia aos factos. "Eu quero dizer a verdade", afirmou aos juízes.
Márcia começou por contar que recebeu uma chamada da ama a dizer que a menina tinha uns “papelinhos” de natureza sexual. Quando Sandro soube, foi então confrontar Valentina, que confirmou, e começou a bater-lhe. "Eu tentei impedir, mas ele disse para parar porque a filha era dele. Bateu muitas vezes e com muita força. Quando eu o empurrava, ele dizia que a filha era dele”, disse Márcia.
Márcia é mãe de três crianças, entre as quais um rapaz de 12 anos, que estavam na casa onde tudo aconteceu, e em tribunal revela que os filhos foram a razão para não ter pedido ajuda. "Não liguei porque o Sandro começou a ameaçar-me com os meus filhos. Achei que ele ia fazer mal aos meus filhos”, disse quando confrontada pelos juízes.
No dia 6 de maio, após as agressões, a rotina familiar decorreu normalmente. Márcia revela até que durante a tarde Sandro “olhava para a menina e ia para o quarto” e que esteve “a ver televisão e a fumar”, enquanto a criança estava deitada no sofá.
Márcia chegou a pedir ao filho mais velho para ir à pastelaria buscar açúcar para dar à Valentina e sobre esta ocasião, o juiz perguntou porque é que não pediu também para filho pedir ajuda. “Estava com medo”, justifica, ao que o juiz comentou: “Já percebemos”.
Márcia revela que Sandro já suspeitava que a menina estava morta e que andava inquieto a pensar o que devia fazer. Só mais tarde, quando estava na farmácia, a madrasta de Valentina recebeu uma chamada do filho a dizer que a criança de 9 anos estava a espumar pela boca. “Nessa altura ela já não respirava”, conta. “Perguntei-lhe [a Sandro] o que é que íamos fazer porque a menina não podia ficar ali assim. Ele disse que a sua única solução era pôr a menina em algum lado”, ao que Márcia concordou, conforme confirmou em tribunal.
“Eu fiz tudo o que ele me mandava fazer. Se não ele dizia que tinha a culpa como ele. E que ia ficar sem os meus filhos”, afirmou. Isso incluiu vestir a menina, já depois de morrer, e o ter concordado em dar um falso depoimento às autoridades quando foi dado alerta do desaparecimento. “Ele disse para dizermos que tínhamos deixado a chave na porta”, termina.
O julgamento, marcado para as 9h30, começou a poucos minutos antes das 11h e terminou perto das 12h30. É retomado às 14h para ouvir 25 testemunhas da forma distanciada com que Valentina era tratada pelo pai ao longo dos anos e também será ouvida a mãe da vítima, Sónia Fonseca.
A acusação inicial do Ministério Público
De acordo com o Ministério Público (MP), em maio do ano passado, o pai de Valentina terá confrontado a criança com a "circunstância de ter chegado ao seu conhecimento que a mesma tinha mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola". Sandro terá então agredido Valentina e colocado a criança na banheira com água a ferver na zona genital. A madrasta, Márcia Bernardo, de 39 anos, terá assistido a tudo e ainda ameaçado a criança com uma colher de pau.
Valentina acabou inanimada e começou a ter convulsões após pai a ter abanado repetidamente na casa de banho, revela o MP, o que terá também resultado no descolamento do crânio, conforme revelado na autópsia.
Valentina foi encontrada morta a 10 de maio a cerca de cinco quilómetros de casa, na serra D'el Rei, em Peniche, onde o casal escondeu o corpo. O alerta do desaparecimento foi dado pelos próprios alegados autores do crime, Sandro e Márcia, à GNR.