Depois de dois anos sem trabalho enquanto artista, Ricardo Soler estreia-se no teatro espanhol e foi anunciado esta quinta-feira, 23 de setembro, como parte integrante do elenco do musical "El Tiempo entre Costuras" (baseado no livro homónimo de Maria Dueñas, que também já deu origem a uma série, disponível na Netflix). Sem oportunidades no mundo artístico nacional desde 2019, o cantor e ator viu-se obrigado a trabalhar como estafeta e a regressar à enfermagem.
À MAGG, fala sobre as injustiças nas audições em Portugal e do motivo pelo qual não se sentia realizado. "Quando uma pessoa vai fazer um casting em Portugal, é-lhe pedido o número de seguidores no Instagram. Isto acontece", diz.
"Sentia-me estagnado e infeliz"
Ricardo Soler participou no programa "Operação Triunfo", na RTP, em 2007, e, desde então, tem sido presença assídua no panorama artístico português, enquanto cantor e ator. Em 2019, decidiu abandonar o elenco da peça "Severa", de Filipe la Féria, por sentir que "as coisas que lhe eram dadas estavam aquém das suas capacidades".
"Dei por mim a pensar que precisava de rios novos, porque já me sentia estagnado. Não com o que estava a fazer, mas com o que me tinha sido dado para fazer", diz.
O artista explica que a decisão de abandonar a peça foi bem recebida pelos colegas e amigos que, apesar de tristes, sempre o apoiaram. "Uma pessoa vai embora da peça, não se vai embora da vida".
Já o encenador Filipe la Féria "não ficou muito feliz". "Acho que ficou como ficaria qualquer encenador que já tem uma peça montada, neste caso, com um elenco que acha que se vai manter até ao fim. Saí a meio da peça. Portanto, claro que é sempre chato, porque envolve mais ensaios. Mas também quem me substituiu cumpriu bem o que havia para fazer – a peça não perdeu nada", conta o ator de 36 anos.
"Não podia estar mais feliz"
Ricardo Soler decidiu abandonar o elenco da peça "Severa", à data, em 2019, em exibição no Teatro Politeama, em Lisboa, e fazer castings em Madrid. "Foi uma pequena loucura. Custou-me muito. Quando entro num projeto, gosto de o levar até ao fim. Decidi arriscar e, pensando bem, ainda bem que o fiz. Agora tenho esta oportunidade gigante nas minhas mãos, depois de muito trabalho e muita dedicação. Não podia estar mais feliz", diz.
Ricardo Soler vai assumir o papel de Manuel da Silva, um galã e vilão português, que faz de tudo para conseguir o que quer. O artista já está em ensaios, em Espanha, sendo que a digressão da peça, por cidades espanholas, arranca já em dezembro.
O cantor, que já fez parte de peças musicais como "West Side Story" e "Grande Revista à Portuguesa", garante que nunca interpretou um papel semelhante e que está a ser um desafio gigante, principalmente no que à língua diz respeito.
"Eu falo espanhol fluentemente. Chamo-me Ricardo Soler, porque o meu apelido vem dos meus bisavós que eram sevilhanos. Desde muito pequeno, fui exposto à língua espanhola", conta.
"Mas, neste caso, como estou a fazer um português, não posso falar nem português nem espanhol, tenho de criar um híbrido entre as duas coisas e falar portunhol. No meu caso, como falo muito bem espanhol e o português é a minha língua mãe, é muito mais complicado falar portunhol do que espanhol", explica.
"[Em Espanha] são muito pontuais. Não ficamos horas fechados a ensaiar e repetir coisas"
Ricardo Soler compara o mercado artístico espanhol com o panorama nacional e garante que há diferenças evidentes. "É um nível de exigência e de trabalho totalmente diferente", explica.
"[Em Espanha] são muito pontuais. O ensaio começa àquela hora e termina à hora certa. Não ficamos horas e horas fechados a ensaiar e a repetir coisas", completa o artista, que garante que até na forma como os espanhóis defendem "o que produzem" nota diferenças.
Soler defende que a educação é crucial para a cultura e que, em Espanha, a educação musical e artística tem outra preponderância. Ricardo Soler explica que o facto de consumirem o que produzem se traduz numa maior aposta na cultura.
"Aqui [Espanha], ouvem muito música espanhola e televisão e séries em espanhol. Consomem muito o que produzem. Defendem muito o que é deles. Acho que é algo que, às vezes, falha em Portugal".
À MAGG, o artista conta que não descarta a hipótese de regressar aos palcos nacionais, mas, para isso, precisa de oportunidades. Até lá, garante agarrar este novo desafio "com unhas e dentes".
"Quando vim à audição perguntaram-me: ‘então como estão as coisas em Portugal? Já tiraste férias?’. E eu tive de dizer: ‘férias? Eu não quero férias, eu quero trabalhar. Parado já estive muito tempo", conta Ricardo Soler.
"Trabalhar, para mim, nunca foi um problema"
O artista explica que independentemente do sucesso no mundo artístico, manteve sempre presente a intenção de regressar à enfermagem. Durante a pandemia, sem oportunidades na área da cultura, voltou a exercer.
"Estive a trabalhar em enfermagem, fiz entregas, fiz o que tinha de fazer. Não consigo estar parado", conta Ricardo Soler, que esteve a fazer testes rápidos e chegou a concorrer para participar no processo de vacinação.
Durante a pandemia, Ricardo Soler participou no painel de jurados do programa "All Together Now", da TVI. À MAGG, diz que foi uma forma de rever colegas de profissão e de se sentir útil, numa altura em que não conseguia regressar aos palcos.
"Sempre tive os pés bem assentes na terra. Trabalhar, para mim, nunca foi um problema. Nunca foi um problema arregaçar as mangas e trabalhar. Nunca parei de tentar. Mesmo em Portugal, até mandei o meu currículo para estúdios de dobragens. Tentei sempre. Não fui chamado aí, mas fui chamado aqui [em Espanha]", explica.
"Quando uma pessoa vai fazer um casting em Portugal, é-lhe pedido o número de seguidores no Instagram"
Ricardo Soler revela que, neste momento, o sistema de audições e oportunidades em Portugal o entristece. "Sinto que as oportunidades são dadas sempre às mesmas pessoas. Mas é o que é".
O ator explica ainda que, em Espanha, o processo de seleção é feito com base, única e exclusivamente, no talento – ao contrário do que acontece em Portugal.
"Quando uma pessoa vai fazer um casting em Portugal, é-lhe pedido o número de seguidores no Instagram. Isto acontece. E é algo que me deixa mesmo muito triste. Gostava de que a nossa indústria não fosse por aí, porque começa a trilhar um caminho um bocado perigoso", completa.
"Nunca fiquei sentado à espera de que o Governo ou a Ministra da Cultura ou o que quer que fosse me viesse salvar"
Durante a pandemia, o ator confessa que sentiu falta de mais apoios por parte do Governo, mas que não ficou à espera de que ninguém o "viesse salvar", sendo que não se identifica com essa "maneira de estar".
Ricardo Soler considera que a pandemia o marcou, no sentido em que o obrigou a sair da zona de conforto. "Consigo desenrascar-me e acho que adapto muito bem a todas as situações que me põe à frente. E a minha resposta a esta pandemia é mais do que prova disso", diz.
No que ao futuro diz respeito, o artista garante que não descarta qualquer oportunidade e que trabalhar no estrangeiro passa efetivamente pelos seus planos. À MAGG, Ricardo Soler revela que já tem o primeiro single, em nome próprio, gravado e pronto a sair, mas que, por enquanto, se vai focar no nova peça espanhola.
"A partir de agora, é para o infinito e mais além", remata.