E se, com apenas uma gota de sangue, conseguisse fazer um diagnóstico pormenorizado do seu estado de saúde, evitando milhares de exames e análises dolorosas? Essa era a premissa da Theranos, a empresa criada por Elizabeth Holmes.
Fundada em 2003 por Holmes (na altura uma jovem desconhecida, que tinha desistido da faculdade), a Theranos começou a ser investigada em 2018. Mas, antes disso, tornou-se o epicentro de investimentos multimilionários e Elizabeth Holmes chegou a ser considerada o próximo Steve Jobs.
O julgamento do caso começou no verão de 2021 e, em janeiro de 2022, Elizabeth foi condenada por fraude. A empresária, atualmente com 37 anos, enfrenta uma pena de prisão de, no mínimo, duas décadas. Aguarda a leitura da sentença em liberdade, o que deverá acontecer a 26 de setembro. Durante este processo judicial, casou-se e teve um filho.
A empresária norte-americana, outrora estrela do empreendedorismo e agora caída em desgraça, é a personagem principal da série "The Dropout: A História de uma Fraude", que chega esta quarta-feira, 20 de abril, à Disney +. Baseada no podcast homónimo, a série é protagonizada por Amanda Seyfried e conta com um elenco de luxo: Naveen Andrews ("Lost", "Sense8") na pele do ex-namorado e mentor de Elizabeth Holmes, Sunny Balwani, William H. Macy ("Shameless"), Alan Ruck ("Succession"), Dylan Minnette ("13 Razões") e Elizabeth Marvel no papel de Noel Holmes, a mãe de Elizabeth.
Veja o trailer:
Aos 52 anos, Elizabeth Marvel tem uma extensa carreira no cinema e na televisão, tendo participado em filmes como "Destruir Depois de Ler", "O Legado de Bourne" ou "Hyde Park em Hudson". No pequeno ecrã, fez parte do elenco de séries como "House of Cards", "Segurança Nacional" e "Fargo".
Em conferência de imprensa internacional, na qual a MAGG esteve presente, Elizabeth Marvel conta como foi ser mãe da outra Elizabeth, a Holmes. A atriz explica também porque é que o público está cada vez mais apaixonado por séries e documentários sobre vigaristas ("Inventando Anna", "O Impostor do Tinder", "Bad Vegan: Fame. Fraud. Fugitives", só para citar alguns exemplos).
Como foi retratar os sentimentos contraditórios de uma mãe que apoiou a filha nas suas decisões e, depois, se vê confrontada com estas acusações?
Ao fim do dia, uma mãe é uma mãe. E vimos isso ao longo do julgamento [de Elizabeth Holmes], acontecesse o que acontecesse, ela estaria sempre do lado da filha, a apoiá-la. A história que contamos na série parte dessa premissa: vemos uma mãe e uma filha que vivem em mundos muito diferentes. Não é uma relação fácil. Por vezes, ela olha para a filha como se fosse um alien (risos). É como se ela falasse uma língua diferente. Mas age sempre com amor. Um dos aspetos que torna a situação ainda mais complicada é o facto de ela ser tão ambiciosa pela filha, de ter visto o que a filha era capaz de conseguir.
Sabia que as capacidades dela não tinham limites, que era brilhante e que poderia ter conquistado tanto. Isso, penso, pode criar um "apetite" num pai ou numa mãe de não só ver essas conquistas, mas também beneficiar delas. Não sei se a Noel teve a total noção do rumo que as coisas estavam a seguir com a empresa da filha, com a vida da filha. Mas ela apoiou-a sempre e queria o sucesso dela. Por isso, é complicado.
Falou com a mãe de Elizabeth Holmes? Como foi interpretar uma pessoa que existe na vida real e que pode não concordar com a maneira como está a ser retratada?
Não a conheci, e também não tinha essa vontade, porque esta série não é um docudrama, não estou a fazer uma imitação. Estamos a contar uma história baseada no informação do podcast. Estamos a criar uma história em torno dessa informação para podermos contar a vida desta pessoa. As cenas que aconteceram na infância dela são baseadas em factos, mas são uma interpretação da mesma. Mas acho que o essencial é verdadeiro.
Como foi trabalhar com Amanda Seyfried? Ela incorporou de forma incrível Elizabeth Holmes, desde a inocência da juventude, quando ainda vivia em casa dos pais, até àquela viagem de autodestruição.
Foi fantástico, ela é fabulosa. Entendemo-nos de imediato. Ela é muito parecida comigo. Somos mães, trabalhadoras árduas, descansamos no trabalho porque é onde podemos sentar-nos, as pessoas escovam-nos o cabelo e trazem-nos sumo. Não temos de andar a correr atrás dos nossos filhos (risos)! Demo-nos logo bem. Como atriz, é magnífica. Veio com tudo desde o primeiro dia. Tive muita sorte porque nos sentimos logo confortáveis uma com a outra e conseguimos desenvolver aquela relação mãe-filha de forma muito orgânica e foi um prazer.
Ela é tão interessante... Digo-lhe muitas vezes que ela me lembra de uma versão atual da Barbara Stanwyck [atriz norte-americana que morreu em 1990 e teve uma carreira de quase sete décadas na TV, teatro e cinema] porque ela é tão bonita, dura, esperta e rápida. Não tenho nada a não ser coisas positivas a dizer sobre ela.
Como atriz com uma carreira de 30 anos, uma parte da meu trabalho é ser vigarista. Já tive de dizer, para conseguir um trabalho, 'ó sim, sei andar a cavalo maravilhosamente'.
Qual foi a sua abordagem a esta série?
Fiz o que faço habitualmente. Pesquiso, falo com os guionistas e, depois, sigo o meu instinto (risos). Nesta série em particular, ajudou muito haver tanta informação disponível e o podcast. Havia muita matéria prima para começar. A Elizabeth Meriwether [produtora executiva da série] foi muito aberta com o elenco todo. Mas, porque é uma história real, havia muito por onde pegar. Como sou mãe, é também uma questão de autoabastecimento.
Porque é que acha que, mais do que nunca, os telespectadores se sentam atraídos por estes mestres do embuste, como Elizabeth Holmes, Anna Delvey, Simon Leviev?
Isso é fascinante! Vejam o que está a acontecer hoje em dia. Há uma guerra a acontecer, e é baseada em tanta desinformação. Estamos todos esfomeados por verdade e com uma vontade enorme de perceber onde e como é que a golpada acontece. Como é que podemos saber o que é a verdade e o que é aldrabice? Estamos todos tão apaixonados pelas redes sociais... acho que isso pode ser parte da explicação, mas também o querer perceber o aldrabão que existe em nós. Se formos ambiciosos e tivermos motivação, parte de nós é capaz de correr atrás.
Como atriz com uma carreira de 30 anos, uma parte da meu trabalho é ser vigarista. Já tive de dizer, para conseguir um trabalho, 'ó sim, sei andar a cavalo maravilhosamente'. E depois desenrasquei-me. Acho que estas histórias nos dizem muito. Porquê neste momento? Porque estamos inundados por mentiras e estamos desejosos de encontrar o nosso caminho para a verdade.
Esta série retrata duas obsessões comuns a toda a gente: a obsessão por ser rico e a obsessão por ser saudável.
A obsessão por riqueza é intemporal e é um enorme motor da ambição. Não sei se será tanto uma obsessão com a saúde, mas mais com conveniência em torno da saúde. Se pudermos apenas, com uma gota de sangue, descobrir tudo, e saber o que temos de fazer, é o que queremos. Não queremos passar por um processo, não queremos perder tempo, queremos toda a informação numa embalagem que possamos pagar e sair porta fora. Esse aspeto é parte do conflito desta história: quanto é que estamos dispostos a sacrificar, que atalhos estamos dispostos a seguir, em que informação falsa estamos dispostos a acreditar porque nos convém, porque somos naturalmente impacientes.