A 1 de fevereiro de 2021, Diogo Faro enfrentava um dos piores momentos da sua carreira. Depois de, a 30 de janeiro, ter publicado uma crónica onde criticava as festas com dezenas de pessoas, numa altura em que Portugal atravessava um momento particularmente difícil da pandemia, vieram a público imagens do humorista numa festa de passagem de ano, captadas umas semanas antes. Um ano depois, Diogo Faro anuncia esta segunda-feira, 31 de janeiro, o seu novo espectáculo de stand-up, "Processo de Humanização em Curso", onde vai explorar vários temas do seu quarto livro, com o mesmo nome, e onde a infame polémica da passagem de ano também será abordada.

Diogo Faro. "Não fujo às críticas: errei e assumi o erro. Toda a gente faz merda"
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"Faz agora um ano que eu achei que a minha carreira tinha acabado", conta à MAGG o humorista de 34 anos. "Fui alvo de insultos, ameaças. É claro que errei, levantei-me, aprendi, mas não acabou a carreira". Prova disso é justamente este novo espetáculo, já com duas datas marcadas em Lisboa e Porto, que Diogo Faro considera diferente de tudo o que já fez — apesar de ser baseado no seu livro mais recente.

"O livro é muito mais denso, tem muito da minha visão política, social. No espetáculo, não vou falar tanto de política ou economia, mas sim do meu crescimento, mesmo com todas as falhas pelo caminho", salienta o artista, que assume que temas como o feminismo e uma sociedade mais justa serão tópicos inseridos neste novo stand up.

"Vou fazer partilhas mais íntimas. De como as minhas amigas me ensinaram o que é o feminismo, vou falar de monogamia, poliamor, claro que vou dar um lamiré sobre a polémica da passagem de ano mas, acima de tudo, de como tenho crescido com os outros", refere Diogo Faro, que assume que este primeiro espetáculo de 2022 também vai abordar o ano difícil e complicado por que que passou.

"2021 foi um ano terrível para mim, tal como foi para a grande maioria das pessoas. Tive de mudar de casa forçosamente porque não tinha dinheiro para a casa que tinha, tive pouco trabalho, tive altos e baixos, e agora é tentar dar a volta a isso, à situação, o rir-me das coisas e das minhas próprias falhas", explica o humorista.

"Há quem adore o meu trabalho, e ainda bem, e há quem odeie. E está tudo bem"

A polémica da passagem de ano, que contribuiu para o ano complicado de Diogo Faro, não será deixada de lado neste "Processo de Humanização em Curso". No entanto, 365 dias depois do estalar da situação, o humorista continua a acreditar que o sucedido em 2021 tomou proporções exageradas.

Foto stand up
Foto stand up

"Quando fazemos merda, temos de assumir e tentar dar a volta. Mas a polémica foi mesmo muito exagerada", refere o humorista de 34 anos. "Houve ali uma campanha não só de pessoas que estavam desiludidas comigo — e eu percebo perfeitamente —, mas houve também uma parte política que ultrapassou e muito o 'ele foi a uma festa e estava a dizer às pessoas para não irem'."

No entanto, e apesar de o próprio Diogo Faro ter questionado se a sua carreira iria continuar a seguir aos acontecimentos do arranque de 2021, o humorista não acredita na existência de uma cultura de cancelamento em Portugal, mas mais num destilar de ódio. "Em Portugal, não existe essa cultura, e na maior parte dos casos, ainda bem. Mas há muito ódio. Atenção que eu sei que desperto emoções diferentes nas pessoas: há quem adore o meu trabalho, e ainda bem, e há quem odeie. E está tudo bem."

"Não tenho pretensão nenhuma de mudar o mundo"

No seu novo espectáculo de stand up, com as primeiras datas confirmadas para 5 e 10 de março, Diogo Faro espera que o humor ajude a acrescentar valor a quem estiver na plateia deste "Processo de Humanização em Curso". "Tal como muita gente me faz pensar, sejam os meus amigos, as autoras que leio, os filmes que vejo e por aí em diante, acho que o humor também pode ter o propósito de acrescentar qualquer coisa, não tem de ser apenas para entreter e passar uma hora num teatro sem pensar em nada."

Diogo Faro. "Eu próprio já fui mais machista"
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"Se estiverem homens na plateia e eu falar um bocadinho de masculinidade tóxica e feminismo, por exemplo, e os fizer ficar a pensar um bocadinho sobre isso — tal como as minhas amigas me fizeram pensar a mim —, isso, para mim, seria gratificante. Seria realmente gratificante deixar as pessoas a pensar no que acabaram de ouvir no caminho para casa, e não dar só umas gargalhadas e já nem se lembrarem disso quando saírem do teatro. Não tenho pretensão nenhuma de mudar o mundo, mas deixar a pensar já é gratificante."

"Temos 12 pessoas no parlamento que não se importam de mandar as pessoas negras para a terra delas, seja lá o que isso quer dizer"

Diogo Faro anuncia o seu novo espetáculo exatamente um dia depois das eleições legislativas de 2022, que a, par de resultarem numa maioria absoluta para o Partido Socialista de António Costa, cimentaram o Chega de André Ventura como terceira força política. Com um stand up que vai abordar temas como feminismo, racismo, direitos LGBT+ e igualdade de género, Diogo Faro acredita que não há momento como este para não pararmos de falar destes tópicos e apelarmos a uma sociedade mais justa?

"Não será o meu espetáculo a mudar alguma coisa porque, à partida, quem vai lá estar já concorda com o que eu defendo. Agora nas redes sociais, por exemplo, é muito importante falar destes temas, mas é um papel coletivo. É meu, é seu enquanto jornalista, é dos músicos, dos atores, etc.. Temos de apelar mais à empatia, analisar o nosso privilégio — e o meu, enquanto homem branco cis hétero é muito grande — e tentar perceber qual é a realidade de ser mulher, de ser uma pessoa negra, e entender que o mundo é muito mais bonito se fizermos dele um lugar mais justo e menos difícil para as outras pessoas."

E é este o momento. "Estamos numa altura muito importante para isso. Temos 12 pessoas no parlamento [referindo-se aos 12 deputados eleitos pelo Chega] que não se importam de mandar as pessoas negras para a terra delas, seja lá o que isso quer dizer, vamos ter muito menos mulheres do que tínhamos. É fundamental que continuemos todos a apelar à empatia, a perceber o gosto e a beleza de conhecer o outro, de não termos medo e desconfiança das outras pessoas."

Questionado sobre se o resultado destas eleições o surpreenderam, Diogo Faro explica que sim e não. "A maioria absoluta [do PS] surpreendeu-me. Infelizmente, o resultado do Chega, não. Mas também tenho aquela esperança que nos próximos quatro anos, com estes 12 deputados no parlamento, muitas daquelas pessoas que foram ao engano percebam que dali ninguém vai ajudar ninguém. Por isso, acabo por ter alguma esperança. Mas continua a ser um bocado assustador."

"Processo de Humanização em Curso" estreia a 5 de março no Cinema São Jorge, em Lisboa. No dia 10 do mesmo mês é a vez do Teatro Sá da Bandeira, no Porto, receber o novo espectáculo de Diogo Faro. No entanto, apesar de existirem ainda apenas duas datas confirmadas, existe a possibilidade deste stand up chegar a mais cidades.

Os bilhetes, entre 14€ e 17€, já estão à venda na Ticketline e nos locais habituais.