Têm sido dias intensos para os pais, muitos em teletrabalho e a fazerem de educadores infantis e professores primários. Mas também têm sido dias novos para as crianças, que já entraram numa rotina que por muito que tenha momentos em que são obrigados a estudar e fazer exercícios estão sempre na presença dos pais. Para os mais pequenos, é mesmo o melhor que lhes podia acontecer, porque grande parte da vida delas anda precisamente à volta dos pais, as figuras referência para tudo, que lhes transmitem segurança, amor, conforto. Mas isto vai passar, a vida normal há-de chegar. Estarão, na altura, as crianças preparadas para isso? Para deixarem de estar 24 horas por dia com os pais e voltarem para a escola, as obrigações, lugares estranhos, para passarem horas com pessoas que não conhecem tão bem? A transição será fácil? Como lidar com isso? Como prepará-las da melhor forma? A MAGG falou com duas psicólogas para perceber qual o impacto nas crianças da quebra repentina das rotinas da quarentena.
Patrícia Marques, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, começa por destacar um outro aspeto do presente. "É curioso que o tempo que sempre nos queixámos de não ter, enquanto pais, para estar com os nossos filhos, agora temo-lo (com condicionamentos e limitações, claro está)". Isto para dizer que os pais "não devem temer assim tanto" estarem agora mais tempo com os filhos, diz a especialista.
É evidente que, enquanto pais, é um desafio ter de adaptar as brincadeiras de meras horas a dias inteiros, mas é através da criatividade e desse esforço que se cria a empatia de forma a evitar sentimentos de frustração, preocupação, tristeza e raiva nesta fase. Contudo, voltamos à questão inicial: quando esta fase passar, quais são então os passos a seguir?
"O nosso papel, enquanto pais, por mais exigente que possa ser, é lhes dar esse colo extra"
Além de psicóloga, Margarida Alegria é também mãe de duas crianças, de 20 meses e 4 anos, e sabe bem o que é ter de lidar com as dúvidas dos mais novos. É por isso que revela que a explicação não é a principal estratégia no momento em que voltarmos às nossas vidas: "Vou explicando que estamos fechados em casa e sem contacto, meramente virtual, por causa do 'bicho' e que quando ele for embora podemos voltar a sair. É um trabalho diário de responder às questões que vão surgindo", refere a psicóloga.
Por muito que as dúvidas sejam respondidas (o que não significa que sejam esclarecidas), devemos manter presente que se para nós esta é uma situação sem precedentes, para as crianças também, com a diferença de que não têm a aptidão para se adaptar tão facilmente. É esperado, por isso, que quando a "normalidade" voltar, elas estranhem e refilem, chorem, exijam estar mais tempo com os pais — e tudo isso é normal, destaca a psicóloga clínica Patrícia Marques.
"O nosso papel, enquanto pais, por mais exigente que possa ser, é dar-lhes esse colo extra, é conseguir focarmo-nos neles sem tantas distrações (pousar os telemóveis, desligar a televisão, etc) e simultaneamente conseguir que aprendam a respeitar o nosso tempo e espaço. Gradualmente, eles irão adaptar-se, novamente, à rotina e ao regresso à escola", refere a especialista, destacando ainda que as crianças possivelmente vão passar a entusiasmar-se sempre que for sugerida uma ida ao parque, uma visita aos avós, ou uma oportunidade para brincar com os amigos.
"A liberdade e oportunidade de poderem voltar a fazer tantas coisas lá fora será tão vibrante e aliciante que poderá minimizar quaisquer sentimentos negativos que esta nova mudança poderá trazer", acrescenta Patrícia Marques.
Contudo, é um facto que quando o momento da separação dos pais chegar, pode levar a alguns comportamentos menos positivos por parte das crianças: "Vai ser um processo doloroso. Pode criar ansiedade e poderão sentir uma maior tristeza com a ausência dos pais", refere a psicóloga Margarida Alegria. Mas será que pode levar a algo mais grave?
Traumas
Dependendo da idade, a adaptação pode ser mais ou menos fácil, mas a psicóloga Margarida Alegria nota que "um recém-nascido não se apercebe muito". A especialista Patrícia Marques destaca ainda que em bebés e crianças muito pequenas a adaptação tende a ser mais fácil: "O reconhecimento da importância da socialização, a consciência do que é estar em quarentena e privados de ir lá fora só é possível mais tarde, por isso, sem essa percepção, não há lugar ao sofrimento dessa privação".
Já quando falamos de idades mais avançadas, a psicóloga Patrícia Marques nota que o papel dos pais para evitar uma situação traumática é fundamental: "Cabe aos pais mostrar aos mais pequenos que esse retorno à normalidade é algo de bom e seguro. Deverão preparar esse retorno apenas quando houver informações concretas nesse sentido, para que não alimentem falsas expectativas", defende.
Contudo, sabemos bem que as crianças são curiosas e fazem questões inesperadas como "quando termina a quarentena?'". A psicóloga Patrícia deixa uma sugestão: "'Não sabemos ainda quando é que a quarentena vai terminar, mas os adultos estão a fazer tudo ao seu alcance para que se resolva o mais rápido possível. E a mãe e o pai estão muito atentos e assim que soubermos vamos logo dizer-te!'".
Isto não significa que esteja a mentir ou a ocultar informação, até porque na verdade os prazos são ainda uma incógnita. O mesmo se aplica às informações relacionadas com a COVID-19, que devem ser explicadas na base do essencial e do que for perguntado, embora deva ter presente um discurso calmo e apropriado à idade.
Será que o meu filho vai ficar menos autónomo?
Sabemos como os pais são uma constante de preocupações: "Terá frio, está a crescer pouco, será inteligente?". A cabeça não pára e as dúvidas também não. Depois da quarentena podem então surgir questões sobre a autonomia, uma vez que ao estarem um longo período sempre perto dos pais, podem sentir-se dependentes dos mesmos depois do isolamento. No entanto, a psicóloga Patrícia Marques descansa ao mesmo tempo que aconselha os pais.
"Só ocorrerá se os substituirmos em toda as tarefas que eles já sabem fazer e não lhes dermos espaço e tempo para que eles possam continuar a fazer o que já aprenderam", refere. Por isso, mesmo que as crianças revelem algumas atitudes de maior dependência ou apelo à atenção, deve incentivá-las a continuar a fazer e a melhorar as tarefas que já faziam — sem perder a paciência e substitui-los para ser mais rápido (sabemos que pode ser difícil) — e até outras.
"Temos agora a possibilidade de os colocar a participar mais nas tarefas do dia a dia em casa, adequando à idade, de forma divertida e é mais uma forma de estarmos mais próximos deles, de os envolver na dinâmica familiar e potenciar novas aprendizagens", aconselha a especialista, exemplificando coisas tão simples como pôr a mesa ou ajudar a fazer a cama. "Faz com que se sintam mais crescidos, mais responsáveis e mais próximos de nós", acrescenta.
"Também nós sentimos um certo agridoce"
Se para as crianças a separação pode não ser fácil, para os pais também não, ainda que muitas vezes reclamem do caos em que está a casa nos últimos tempos ou da falta de novas atividades para fazer com os miúdos.
"Se a criança verbalizar preocupação ou tristeza pelo fim da quarentena e o consequente afastamento dos pais, devemos reconhecer estes sentimentos como normais e expressar que também nós sentimos um certo agridoce de passar menos tempo com eles, mas assegurando-lhes que vão continuar a ter o nosso tempo, a nossa atenção e o nosso amor", embora em doses diárias mais repartidas, conclui a especialista Patrícia Marques.