Já andava a pensar nisto há algum tempo, mas o momento em que decidi mesmo fazer uma pausa nas redes sociais aconteceu em pleno NOS Alive, quando vi, no mesmo palco, o meu ex a fotografar a minha crush platónica do Instagram, com quem trocava mensagens com subtis insinuações há semanas (e que estava a dar comigo em louca). Foi como se duas realidades completamente distintas chocassem violentamente perante os meus olhos: o amor real, que eu rejeitei, e a ilusão virtual, que eu recebi de braços abertos, numa esperança estúpida de que se tornasse real.

Aqueles dois homens, fora do meu alcance por motivos completamente diferentes, fizeram com que me apercebesse da minha dependência das redes sociais. Das discussões no Facebook, da vanglória dos textos virais, das centenas de partilhas, do Instagram, do scroll de manhã à noite, da busca de validação, do ego que incha com likes, da necessidade doentia de aprovação. Esta minha crush platónica foi o sinal de alerta e foi também o catalisador. Quando se chega ao ponto de proferir, ainda que mentalmente, a frase, "será que ele viu o meu story?", está mesmo na altura de parar.

É preciso ressalvar, contudo, que esta experiência, chamemos-lhe assim, só é possível porque estive de férias. Ser jornalista e não ter redes sociais não é exequível em 2022, sobretudo quando se trabalham áreas como celebridades, media e lifestyle. Aliás, não sejamos ingénuos: as redes sociais são importantes em todas as áreas do jornalismo.

Em termos práticos, o que fiz foi apagar as seguintes aplicações do telemóvel: Facebook, Messenger, Instagram, Twitter, LinkedIn, TikTok, Reddit. As mesmas desapareceram do meu telemóvel entre 14 e 21 de julho e não abri o respetivos sites no computador. Nem para ver se "alguém" tinha visto os meus últimos stories.

Um nota adicional: tenho, desde 2014, uma página no Facebook chamada A Gaja, que tem atualmente 96 mil seguidores. No Instagram, onde coloco conteúdos semelhante, são 10,3 mil seguidores. Isso não faz de mim uma influenciadora (não ganho dinheiro com estas contas), nem tão-pouco uma celebridade. Apenas alguém que está acostumado a publicar conteúdos diariamente e a obter reações aos mesmos. E, não sejamos modestos, a ter algum poder de influenciar os outros.

Dia 1

Estou a voltar de uma visita de imprensa a Terras de Bouro. Este é, oficialmente, o meu primeiro dia de férias. Esta madrugada, o meu pai caiu e foi para o hospital. Mais uma vez. Numa última ronda pelo Instagram, antes de apagar a aplicação, vejo um vídeo da minha crush, a cantar a capella. Ele nunca mais viu as minhas stories, nem comentou nada, e só o facto de eu estar a pensar nisto faz de mim uma pessoa patética.

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O scroll, a troca de mensagens, o comentar, é um escape à realidade. Tem sido sempre, para mim, e ainda mais nos últimos dois anos, em que precisei de adormecer a dor e a tristeza, provocadas por um isolamento prolongado durante os confinamentos e os problemas de saúde do meu pai, que transformaram a minha vida numa itinerância constante.

greve cp
créditos: MAGG

Há greve da CP. Estão 40ºC em Campanhã. Podia fazer um post irado no Facebook. "@CP vergonha!!! Estão aqui famílias e idosos e crianças!!! Até quando???". Muita gente veria, metia um coração (o que raio é que isso significa?). Se calhar alguém partilhava. Para quê?

O meu cérebro está sempre a ver coisas inúteis para partilhar. Vi uma caixa de preservativos que dizia "ultra feel". Li " ultra falafel" e achei graça. "Vou fazer um story!". Não, não vais. Vais comprar delícias do mar que o peixe está caro.

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O País está a arder e é quase instintivo ir à procura da aplicação do Twitter ou do Facebook para saber "o que está a acontecer". Agora, sem esse recurso, as minhas fontes de informação são a TV, os sites e apps dos jornais, e os amigos pelo WhatsApp. Os canais de notícias passam em loop as mesmas imagens marcantes e têm um repórter em cada sítio onde há um caixote do lixo a arder. Esta é a Nova Era dos Incêndios. Depois do choque de 2017, a anestesia e, agora, o entretenimento puro. Não há solução. Deixa arder.

Dia 2

O desafio do dia é ler o "Expresso" de ponta a ponta. Sem redes sociais para partilhar soundbites e pensamentos, resta o folhear de páginas e posterior ruminar da informação. Com as temperaturas a descerem, os fogos perdem tração. Os canais de notícias vão desmobilizando, os políticos também, depois de três dias de correria, a ver quem é que tinha mais tempo mediático e proferia mais frases redundantes e discursos ocos sobre a maior batalha que este país atravessa desde a guerra colonial.

Passámos de líderes que ostensivamente ignoravam o outro País, enclausurados nos seus gabinetes com ar condicionado, para um presidente da República e um primeiro-ministro que fazem verdadeiros concursos de "vamos ver quem chega primeiro ao local". Marcelo e Costa têm a síndrome CMTV ("melhor, primeiro") e, tragicamente para nós, nada disto passa da cosmética.

fogos
créditos: MAGG

Dia 3

Claro que não li o "Expresso" até ao fim no dia anterior, mas despachei a "Revista" ao pequeno-almoço. Aviei o podcast "Deixar o Mundo Melhor," as 3 partes da entrevista de Francisco Pinto Balsemão a Marcelo Rebelo de Sousa.

Se querem um resumo sonoro do que é a elite portuguesa, é ouvir. E utilizo a palavra elite sem desprimor nem a invejazinha bacoca que tolda as mentes de tanta gente que se acha cosmopolita, mas que não passa de uma figura do Bordallo Pinheiro. Marcelo e Balsemão, que outrora se toleraram, trabalharam juntos e construíram as fundações do PSD, são, não se pode dizer arqui-inimigos, mas ex-amigos que diplomaticamente se toleram. Balsemão não lhe perdoou as infidelidades, de que o "lelé da cuca" é apenas uma trivialidade, Marcelo continua o mesmo de sempre: sagazmente oportunista, sob a capa benfazeja da idade, das selfies e de Belém.

Esta conversa, aparentemente amena para o ouvido destreinado, com uma tensão borbulhante a cada pergunta (Balsemão, magistral, a mostrar, uma e outra vez, ser o único homem em Portugal habilitado para ser proprietário de órgãos de comunicação social, porque sabe ser - e o que é ser - jornalista), é um espreitar pela fechadura de gerações de privilégio.

Uma elite que cresceu numa realidade paralela, num País outrora miserável, e que nunca soube o que é sequer a perspetiva de não ter trabalho, do desfavorecimento, do sacrifício e da falta de horizontes. Marcelo e Balsemão sabiam, desde o berço, que tinham as condições para ser o que se tornaram — líderes — e aproveitaram as mesmas para o serem. Isso é que é uma elite esclarecida e é disso que há carestia em Portugal, onde a política é vista não como serviço público, mas como forma de enriquecer (de dinheiro, influência ou ambos).

Frases que se ouvem no parque de estacionamento do hospital: "eu vou vender porque aquele carro está a apodrecer e veio da minha ex-mulher, parece que vem com o Diabo".

Mesmo estando de férias, gosto de acompanhar o que os meus colegas estão a fazer. Estava a ler este artigo sobre um restaurante que trata mal os clientes e caí na tentação de clicar nos embeds de Instagram. E agora, questiono-me? Era possível contar está história sem redes sociais? Era. Mas será que o leitor ia ter pachorra para ler uma descrição quando pode clicar num vídeo? Não creio.

No esforço de me manter mais ou menos pré-redes sociais, revisitei um filme que já não via há décadas, "Em busca da Esmeralda Perdida" (disponível na Disney +).

"Em Busca da Esmeralda Perdida" créditos: DR

Agora percebo de onde vem a minha atração por homens heroicos, destemidos, emocionalmente inacessíveis e com fobia a compromisso. O filme, protagonizado por Michael Douglas e Kathleen Turner, fazia parte das cassetes VHS que o meu pai trazia do videoclube e me punha a ver indiscriminadamente, fosse ou não adequado para uma criança de 5 anos que armava o pânico e o terror por todas as creches que passava e que, após exaspero paternal, recebeu a pré-educação de uma dupla de educadores chamada Senhora Grundig e senhor VHS. Não correu assim tão mal.

Sabedoria noturna I: "os ricos cortam-se a abrir garrafas de champanhe com um sabre. Os pobres cortam-se a abrir latas de atum";
Sabedoria noturna, parte II: "agora quero um homem burro, assim musculado, que me atire contra uma parede, quase até partir uma vértebra";
Sabedoria noturna, parte III: "no fundo, o que tu queres são RCT's ( randomized controlled trials, estudos clínicos randomizados, em português). São os melhores".

Dia 4

A única forma de evitar contacto com redes sociais é:
1) estar num sítio sem internet (ou não teres internet);
2) não aceder voluntariamente à internet. Esta segunda hipótese ficará para uma nova experiência (que será bem mais hardcore, mas que estou super disponível para levar a cabo, sobretudo se for num turismo rural no meio do nada, de preferência com piscina. E um rádio, vá).

Algo tão simples como ir ao site do jornal da minha terra transforma-se logo num trilho pejado de lives e álbuns de Facebook. Se cliquei num inadvertidamente? Sim. Se era a transmissão em direto da missa? Era.

O calor é tanto e vontade de pegar no carro tão pouca que, mal acordei, enfiei o fato de banho e pus-me a caminho da piscina municipal. Um retângulo de água situado num parque fabuloso (o Parque de La Salette), com uma vista ainda mais fabulosa, uma mina de ouro por explorar. E ainda bem porque só assim se consegue pagar 1,50€ para usufruir deste paraíso. E não estou a ser irónica ao chamar-lhe paraíso. Já estive em hotéis com piscinas mais pequenas e com vistas piores, onde por uma imperial miserável se paga, no mínimo, 8 euros.

piscina parque

O luxo do quente e do fresco, num país em que a pobreza energética é um dos milhares de fados, conquista-se nestes oásis. E é compreensível que uma família de rendimentos modestos prefira gastar 8 euros para passar um dia na piscina do que, às vezes, dezenas de euros para ir até à praia. Que, note-se, aqui fica a uns meros 20 quilómetros de distância.

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De volta a Santa Maria da Feira, onde o meu pai continua internado, procuro refúgio na igreja. Não para rezar (não sou adepta dessa lógica de Cobrador do Fraque que muita gente tem com o Divino), mas para estar num sítio fresco e silencioso. Nem com ar condicionado se consegue esta temperatura. A malta é que a sabia toda antigamente.

igreja
créditos: MAGG

Opinião polémica: só no norte litoral é que há boas torradas e tostas mistas. O rácio perfeito de pão-queijo-fiambre, a proporção perfeita de fofo vs. crocante. Olhem para isto. É lindo.

tosta mista

Com as festas populares a inundarem toda a aldeia, cila, cidade, lugarejo e monte deste país, ocorre-me uma área de negócio pouco explorada e que podia ser não só uma ótima fonte de rendimento, mas também uma forma espetacular de cobrar quantias exorbitantes aos turistas: workshops de danças folclóricas. Imaginem: 100€ por uma aula de corridinho ou de fandango, 200€ por uma one day experience com os Pauliteiros de Miranda. Não era brutal?

Dia 5

Abri sem querer o Instagram, mas foi para encontrar um contato para uma amiga. Vi que só tinha 12 mensagens na caixa de entrada. Podia estar morta numa valeta e ninguém queria saber. INGRATOS. HÃO-DE CÁ VIR.

E assim se pode ver porque é que:
1) eu precisava mesmo desta pausa;
2) as redes sociais são uma ferramenta indispensável para o trabalho dos jornalistas. Senão vejamos. Durante a pandemia vimos um aumento inédito da presença dos especialistas da área da saúde ao Instagram. Medicina geral e familiar, nutricionistas, ginecologistas, obstetras e pediatras (as áreas a que as mulheres, que representam a maior fatia dos utilizadores do Instagram, está atenta) apostaram em força nesta rede social, inicialmente apenas com lives, agora com produção de conteúdo próprio, desde posts com slide shows informativos a stories com perguntas e respostas, videos, reels e até dancinhas do tiktok (as médicas Nádia Sepúlveda e Raquel Vareda são alguns exemplos). O que faz com que seja muito mais fácil conseguir falar com especialistas para artigos sobre saúde sem ter de passar pelo crivo das ordens, que são, nestes casos, não só inúteis como um caos burocrático para arranjarem algum contato.

praia ovar
créditos: MAGG

Sobre o engano que são as "vidas perfeitas" do Instagram. Passei a manhã na câmara de Ovar para tirar uma licença de habitação de um imóvel para arrendamento.

- É preciso mesmo esse papel?
- Não é, mas convém ter.
- Então mas o número não é esse que está na escritura?
- É.
(Pausa)
- O funcionário que trata disso ainda não chegou [eram 10:30]. Eu depois ligo-lhe e você passa cá.

É um papel não autenticado. Podia ser enviado por e-mail? Podia. Mas é mais fixe obrigar as pessoas a fazer, no total, 100km em dois dias. Quanto custa o papel? 0,96€. Nem para o parquímetro dá. Incentivos ao arrendamento, onde andais?

Para não voltar a Oliveira de Azeméis, fui à praia e dei um mergulho. Estavam a tirar peixe (a arte xávega ainda sobrevive por aqui). Não vi a rede sair do mar, mas parecia pesada. Entretanto ligam-me do hospital. "O seu pai vai ter alta", diz a enfermeira. Há 24 horas era para operar. Há 48h nem sequer sabiam que tinha uma fratura. Falar com um médico? Não dá, está a operar.

A nova tendência nas visitas ao hospital são os mirtilos. Levei uma caixa para o meu pai e logo a seguir apareceu uma senhora com um tupperware dos mesmos. O mirtilo é a nova uva.

Falo com a enfermeira, explico porque é que não consigo meter no carro um idoso com dificuldades de locomoção e um braço imobilizado, sem ajuda. Pergunto onde está, na carta da alta, a medicação para a hipocoagulação. Num gesto de desespero, a enfermeira olha para os papéis e atira-os para cima da mesa. "Estou farta de andar a fazer o meu trabalho e o trabalho dos outros".

Subscrevi o "Público". São 5 euros por mês. São 2,5 litros de gasolina.

poupança agua

Dia 6

Graça Freitas tinha razão. Não é recomendável adoecer no verão. Muito menos ser velho, doente, com algum tipo de comorbidade ou problema físico, psíquico ou motor. Sou a maior defensora do Serviço Nacional de Saúde mas, desta vez, está tudo a correr mal.

Trazem o meu pai para casa, com a garantia de que está bem. A pessoa que nos chega a casa (e que é literalmente atirada para cima do sofá) é um farrapo humano. O SNS está a rebentar pelas costuras e são precisas camas vagas. Esta alta pode condenar o meu pai a ficar acamado, mas como é "só" um braço partido, ninguém quer saber. Não há uma abordagem holística ao estado de saúde, físico e mental. Não se preparam as famílias, não se informa da existência de redes de apoio. Mandam-se pessoas para casa para definharem.

Cabe-nos lutar, espernear, reclamar, implorar pelos nossos direitos. É uma tristeza.
Ter seguidores nas redes sociais é ter poder. Expor estas situações empodera os utentes. O SNS também somos nós, temos de fazer valer os nossos direitos.

Estou cansada.

Distraio-me de forma mesquinha. Instalo o Bumble. Preciso de evasão. De fazer swipe left e right, de ver fotos de gajos que nunca vou conhecer pessoalmente.

bumble

Depois acontece isto e penso: "mas porque é que tu ainda acreditas nisto?".

De volta ao hospital, aguardo que a enfermeira traga novidades do meu pai. Chega uma mulher com o filho. Deve ter uns 50 e tal anos. Vem de chinelas de andar por casa, os pés cheios de terra. Tem a pele queimada do sol, cara de quem trabalhou a terra desde nova. Está com o braço paralisado há três dias por causa de uma picada de abelha. "Apanhei-a em casa aos gritos que não se podia mexer", diz o filho. Isto é o País real. Não são as polémicas das redes sociais, não são os temas woke que só nos afastam do que é realmente preciso fazer.

Dia 7

Como é passar ao lado de todas as polémicas e dramas das redes sociais? Um sossego. Se sinto FOMO (fear of missing out, uma espécie de medo de exclusão digital)? Nem por isso. No dia do debate do estado da Nação, o que é que interessa que a Rita Pereira tenha usado tranças africanas?

A Nação vai continuar num estado caótico, a Rita Pereira vai continuar a fingir, das mais variadas formas, que é negra, e tudo ficará bem. Estamos longe de viver num País que entende que debater temas relacionados com minorias não representa uma ameaça à maioria. Basta ler a infeliz crónica de Ricardo Araújo Pereira ("A atração sexual que não ousa dizer o seu nome") para perceber que nem o mais inteligente homem branco heterossexual deste País escapa a esta limitação de horizontes.

Tal como o meu amiguinho do Bumble, RAP também tem amigos que são, só que quer enfiá-los numa caixinha preta e branca bem visível e, de preferência, que não chateie muito. A célebre frase dita por homofóbicos morninhos, "eu respeito toda a gente, seja ________ ou ______" é bastante ilustrativa de um medo de aprender ou ir mais a fundo nos conceitos, nas aprendizagens. Ao contrário do que RAP crê ser a homossexualidade, esta tem muito mais que ver com sentimentos e relações do que com sexo. Conheço muitos homens heterossexuais que têm ocasionalmente sexo com homens e não se consideram nem bissexuais nem homossexuais. Precisamente porque não concebem ter uma relação amorosa com uma pessoa do mesmo sexo. Simplificando muito a questão, a orientação sexual não tem tanto que ver com quem enfia o quê onde, mas sim quem ama quem e de que forma.

Temas a evitar no contexto de conversas de engate: existencialismo, mortalidade, velhice, a inevitabilidade do apodrecimento físico e mental. Nunca falar sobre problemas pessoais, muito menos se estes envolverem idosos, cuidadores, hospitais. A única doença que é minimamente aceitável no contexto das dating apps é cancro. Mas um cancro fino, tipo leucemia, não um mal de pobre, tipo cancro na vesícula.

Dia 8

Portugal é um penico, uma malha mal amanhada de conhecidos, amigos de amigos, primos em segundo grau, conhecimentos, cunhas, favores e toma-lá-dá-cá. Mas o facto de, há 900 anos, sermos todos primos uns dos outros, nem sempre é perverso. Por vezes é só curioso e inaudito. Proponho um exercício: da próxima vez que conhecerem alguém, mesmo que seja da outra ponta do País, testem a teoria dos 6 graus de separação. Aposto 50 paus que não chegam ao terceiro. Ou seja: a pessoa A conhece alguém que conhece alguém que conhece a pessoa B. Não falha.

Tal como é inaudito, num país do tamanho do 38º maior estado norte-americano (é o Indiana, fui ver ao Google), ser uma odisseia viajar entre as 3 principais cidades do país. Estamos em 2022 e não existe uma ponte área Porto-Faro. Não existe uma linha de comboio com condições suficientes para percorrer o país a uma velocidade que compense deixar o carro em casa (o Alfa Pendular Porto-Faro, o mais rápido da CP, demora 5h51!). E, no entanto, a preocupação de Rui Moreira é esta.

rui moreira

Pensamento do dia: ainda há quem, em 2022, tire fotos a fazer duck face. De forma não irónica.

Conclusões desta experiência

  • jantares de amigos, almoços em família, idas a festivais de música, casamentos, batizados, pedidos de casamento, fins de relações, uma ida ao hospital, uma viagem à praia da zona ou a um destino paradisíaco. Os registos fotográficos, que começaram por ser limitados porque analógicos, passaram a ser infinitos, graças ao digital e, agora, são partilháveis com o mundo. Isso faz com que tenhamos uma performatividade, quase uma teatralidade, no que assumimos perante uma câmara. O  mise en scène que preparamos no aniversário das crianças, roubando-lhes a espontaneidade de uma foto menos gira, o mise en place do cocktail e dos tacos no restaurante da moda; a roupa que levamos na mala, já a pensar nas fotos que vamos fazer, os sorrisos que ensaiamos, para que os amigos nos vejam tão felizes, para que os ex nos vejam tão bem, para que desconhecidos invejem a nossa ida ao shopping ou a nossa viagem às Maldivas. Tudo é performance. É cansativo;
  • com todos os aspectos negativos que têm, eu não queria viver num mundo sem redes sociais nem me imagino a abdicar das redes sociais. "Tu sempre tiveste essa necessidade de reconhecimento público", disse-me o meu ex, o mesmo que estava a fotografar a minha crush no NOS Alive. E eu sorri e disse "tens razão". Eu gosto de ter esse reconhecimento público, não pela minha imagem, mas sim pelo que escrevo. Não existe melhor e mais eficaz forma de criarmos ligações (fugazes ou duradouras) com pessoas que, de outra forma, nunca iríamos conhecer. Tenho uma mão-cheia de "amigos do Instagram", pessoas com quem nunca estive pessoalmente, com quem falo quase todos os dias e por quem tenho grande estima. Nunca nos teríamos cruzado se não fossem estas ferramentas;
  • eu achava que a minha concentração ia aumentar; achava que a minha capacidade de dispersão e tempo passado em frente ao ecrã do telemóvel ia diminuir. Não diminuiu. As redes sociais foram substituídas pelas plataformas de streaming. Comecei a ver "ER - Serviço de Urgência" (disponível na HBO Max) e ainda tenho 14 temporadas pela frente. Não ter redes sociais não é sinónimo de detox digital. Para isso seria preciso não ter acesso a telemóvel, internet, smart tv ou qualquer dispositivo ligado a uma rede. Se é possível em 2022, num País que, apesar dos seus problemas, tem a maior parte dos processos burocráticos digitalizados? Tenho dúvidas. Mas estou disposta a tentar!
  • não li o "Expresso" até ao fim, mas tenho a certeza de que li mais notícias do que habitualmente.