Nas últimas semanas, regressar das compras implica uma ritual com passos e dúvidas constantes. Lavar as mãos assim que chegamos é regra imperativa, à qual se segue a desinfeção das compras. Aí começam os dilemas: lavar apenas o que vai ser consumido cru? Usar água e vinagre? Talvez água e lixívia. "Ouvi dizer que era a melhor solução, mas não sei que quantidade usar".
Depois de usar o método que achamos mais eficaz, mesmo assim ficamos com a sensação de que não foi suficiente e que o vírus pode estar à espreita num bago de uva.
Ainda que a Direção-Geral de Saúde refira que "atualmente, não há evidência que suporte a transmissão do COVID-19 pelos alimentos", salvaguarda que devem ser tomadas precauções no que diz respeito à higiene e segurança alimentar.
Começando logo pelas compras que chegam a casa, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, deixa algumas linhas orientadoras e refere que é importante desinfetar hortícolas ou frutas que se vão comer cruas, sugerindo ainda: "Pode-se lavar com água, mergulhar durante uns minutos numa solução de um litro de água para uma colher de sopa de lixívia e voltar a passar por água corrente".
No entanto, nesta recomendação surgem algumas dúvidas quanto ao que são "uns minutos" ou se será prejudicial consumir alimentos que estiveram mergulhados em lixívia. Fomos tentar esclarecer estas questões com Susete Estrela, engenheira alimentar e autora do livro "Sabe o que anda a comer?".
Usar ou não usar lixívia? Eis a resposta
Sim e não. Sim, se esse uso for feito de forma rigorosa. Não, se a prática não for feita como é devido e o problema é que essa é a maior probabilidade, de acordo com Susete Estrela: "A maioria das pessoas não sabe usar. Em vez de pôr uma colher de sopa vai pôr duas, vai pôr uma lixívia que já foi aberta há quinze dias e já não tem poder nenhum ou então vai ter excesso de poder e os alimentos vão ficar com componentes da lixívia".
Reconhece que a recomendação da bastonária da Ordem dos Nutricionistas pode ser eficaz e é positivo o facto de aconselhar uma lavagem final dos alimentos com água corrente, que permite retirar parte dos resíduos da lixívia, mas ainda assim é arriscado aconselhar este produto.
"Estamos a perceber que as pessoas estão a comer mais detergente e lixívia do que o normal e isto para uma pessoa normal está tudo bem, mas para uma criança já não está assim tão bem", refere a engenheira alimentar.
O mesmo acontece com a água e o vinagre que a engenheira Susete Estrela indica, com base nos últimos estudos que analisou, que só é eficaz se os alimentos forem mergulhados durante pelo menos 15 minutos. "Tenho quase a certeza de que ninguém faz isso. Ou seja, está-se a desperdiçar água, vinagre e cria-se uma falsa perceção de higiene".
O método mais eficaz para lavar os alimentos
"Em bom rigor, e os resultados têm mostrado, uma boa lavagem, uma bancada limpa e desinfetada funciona", diz a engenheira Susete Estrela, destacando que estes são os pontos-chave para garantir uma melhor higiene e segurança alimentar.
Mas estas não são práticas apenas de combate à COVID-19, cujos números apontam já para 1.864.629 infetados e mais de 100 mil mortes — alcançados em meses. É que ano após ano, há outros números relevantes: 23 milhões de casos de doença causados por bactérias, parasitas e toxinas nos alimentos, dos quais resultam em 5 mil mortes, de acordo com os dados do projeto "Safeconsume".
É verdade que ficam aquém dos que resultam da pandemia, mas mostram que os micróbios (da qual fazem parte os vírus) não são uma nova realidade e que já antes devíamos estar alerta para os cuidados a ter com os alimentos. Explicamos então como preceder.
O primeiro passo deve ser logo tomado quando chegamos das compras: "Independentemente de consumir imediatamente ou não, as frutas e vegetais antes de serem guardados no frigorífico ou na fruteira devem ser lavados", esclarece Susete Estrela.
Neste momento surge então a questão de como devemos lavar? "Debaixo de água corrente potável. É a forma mais segura para se fazer em casa", refere, acrescentando que o tempo ideal são os mesmos 20 segundos recomendados para a lavagem das mãos.
Este acaba por ser um método mais simples e eficaz do que, por exemplo, as pastilhas de cloro (solução diluída de lixívia) usadas na indústria, não só porque são mais difíceis de aceder pela maior parte das pessoas, como também pelo facto de estas não fazerem a dosagem correta, ideia que exemplifica com um exemplo.
"Quem nunca olhou para a dosagem do amaciador da roupa e mete mais um bocadinho", brinca de forma a explicar que estas práticas são recorrentes, mas na alimentação acresce o risco de contaminação e consumo de químicos desnecessários.
"Já os temos de borla. Não faz sentido. Até há três meses andávamos todos preocupados com pesticidas e agora de repente já vi vídeos de pessoas a dizer que estão a lavar os alimentos com detergente. Ao ponto que isto está a chegar", diz.
Como devemos então proceder na lavagem de alimentos?
Percebemos então que a água é o método mais eficaz para garantir a segurança e higiene dos alimentos. Antes de explicar como fazer a lavagem, há um passo essencial: lavar as superfícies e as mãos.
Estas devem estar 100% livres de qualquer risco de contágio. As mãos já sabemos (ou devíamos saber) como lavar — com água e sabão durante pelo menos 20 segundos — e no que diz respeito às superfícies é importante diferenciar a lavagem da desinfeção.
No seu blogue, Susete Estrela explica que lavar, processo que pode ser feito com sabão ou detergente e água, permite remover os germes, a sujidade e as impurezas das superfícies ou objectos, diminuindo assim o seu número e o risco de propagação da infeção. Já a desinfeção, com uma solução diluída de lixívia ou soluções de álcool com pelo menos 70% , serve para matar os micróbios que não foram removidos fisicamente das superfícies ou objectos.
Uma vez com as mãos e superfícies nas devidas condições de segurança, é altura de passar aos seguintes passos: fazer um "check in", ou seja, verificar se as frutas e legumes têm alguma parte amolgada, podre, negra. Isto porque estas zonas funcionam como "toca para os micróbios", diz a engenheira alimentar.
Nestes casos deve então eliminar os alimentos ou retirar essas partes, ainda que tenha de ter alguma ressalva nestes casos. "Imagine aquela ideia do bolor. 'Ah, tenho um bocadinho de bolor, tiro aquela parte e como o resto'. Se for uma cenoura, como é rija, o micélio (raiz) é difícil de perfurar, mas numa maçã já não. Por isso é que às vezes tiro o bolor da maçã, como mas ainda sabe a bolor. Por vezes a profundidade da raiz vai muito para além do que é visível aos nossos olhos", explica Susete Estrela.
No entanto, esta seleção deve ser rigorosa de forma a também não desperdiçar os alimentos quando podem ser aproveitados.
Além da triagem, há alguns procedimentos que deve seguir quanto aos produtos embalados, como por exemplo de uma embalagem de cogumelos frescos ou uma metade de papaia que vem dentro de uma cuvete.
Primeiro, antes de os comprar deve garantir que não estão em vias de apodrecer ou com alguma zona propícia à tal "toca para os micróbios". Já em casa, deve lavar as embalagens com água corrente, também durante os 20 segundos, e só depois reservar no frigorífico.
Chega então o momento da lavagem das frutas e legumes. Deve esfregá-los durante o tempo recomendado e não interessa se são alimentos que vai consumir cozinhados ou não. Porque? "Um alimento, mesmo depois de cozinhado, está sempre com algum tipo de contaminação. Os micróbios não são todos sensíveis a todas as temperaturas".
E a lavagem não é feita a pensar apenas naquele alimento, mas por onde ele vai passar, de forma a evitar a contaminação cruzada — mais um de outros riscos de segurança alimentar.
Depois de lavar, o último passo é secar os alimentos e embalagens de forma a tirar o excesso de humidade, um fator que favorece a multiplicação de micróbios e que pode ser comprovado com um simples exemplo.
"O tampo da sanita é menos contaminado do que o nosso lava-louça. Por uma razão muito simples: o lava-louça tem sempre humidade e como a maioria dos micróbios se multiplica de 20 em 20 minutos em média, imagine a bicharada que anda à volta, como a esponja. São veículos de contaminação na cozinha", concluo a engenheira alimentar.