Da próxima vez que adiar uma caminhada ou cancelar um treino, lembre-se disto: cinco milhões de mortes poderiam ser evitadas caso a população fosse mais ativa, veio em 2020 alertar a Organização Mundial da Saúde.
É que nisto de ser sedentário, não é só a estética corporal que paga. As consequências são bem mais graves do que isso. A inatividade é um problema que afeta transversalmente a saúde, uma vez que é um fator preponderante para o surgimento de um sem-número de problemas, fruto de desequilíbrios que agem como se de um dominó se tratasse. Por exemplo: os músculos, ao enfraquecerem, levam ao agravamento ou aparecimento de dores na coluna, à falta de elasticidade e flexibilidade, mas também a uma maior propensão em desenvolver insulino-resistência, diabetes, acumulação de gordura visceral, o que por sua vez poderá causar problemas cardiovasculares.
É o que nos explicam cinco especialistas, das mais diversas áreas, desde a cardiologia, ortopedia, endocrinologia ou nutrição, que alertam para os perigos do agravamento da inatividade num momento em que grande parte da população está confinada em casa. Vamos por partes.
Com o sedentarismo, há mais dor
Se trabalha o dia todo num portátil, ora experimente baixar o pescoço, levando o queixo ao peito. Agora, faça o movimento inverso e olhe para o teto. Sentiu uma ligeira dor, certo? Nós percebemos, estamos consigo.
Esta dor cervical é só uma das consequências do sedentarismo. É que a ausência de atividade física e o desaparecimento daquelas rotinas de entra-e-sai diário são responsáveis pelo aumento da dor, desde a cervical à lombar, sem esquecer as articulações: "Aquilo que temos notado na nossa prática clínica é que há um agravamento da dor crónica pelo estado de confinamento e pelo sedentarismo", diz à MAGG Armando Barbosa, anestesiologista, especialista no tratamento da dor e diretor clínico da PainCare.
Luís Teixeira, ortopedista, cirurgião da coluna e Director do Spine Center, dá conta do mesmo: o número de queixas e de doentes a procurar ajuda médica "aumentou substancialmente". E quem tinha as dores controladas, sentiu-as agravar. "Em doentes com patologia crónica da coluna vertebral que andavam relativamente bem controlados, verificou-se um agravamento do estado clínico neste período."
Em causa estão as consequências da inatividade, que levam ao aumento de peso (que significa maior sobrecarga para a coluna) e perda de tonicidade muscular (muito importante, já lá vamos), dois fatores que conjugados são a fórmula perfeita para prejudicar a coluna vertebral e lombar. Resultado? Dor.
E os novos escritórios não ajudam
Mas, além da falta de atividade, pode ainda atribuir-se como causa do aumento da dor estes novos escritórios caseiros, muito mal amanhados, não fossem quase todos caracterizados pela ausência de materiais ergonómicos. "Uma grande parte das pessoas não tem estas condições para trabalhar e adota posturas incorretas que potenciam a dor crónica", diz Armando Barbosa. No sofá ou na cama a história é ainda pior.
É fácil perceber porquê — e talvez baste olhar à sua volta. Em casa, os computadores, sobretudo os portáteis, não estão à altura certa, uma vez que as regras para uma boa saúde da coluna dizem que devemos olhar para a frente e não para baixo.
"A cabeça pesa cerca de cinco ou seis quilos. Numa posição erguida, em que estamos a olhar para o telemóvel em frente, este é o peso que ela exerce sobre a coluna. Mas em flexão, o peso que a cabeça exerce pode ser de entre 15 a 18 quilos", diz. "São 3 vezes mais. São diferenças muito significativas. E esse é um motivo pela qual as patologias cervicais aumentaram significativamente."
Com a mesa de jantar transformada em secretária, a mesma história: devia ter mais altura. As cadeiras, muitas vezes sem apoio para os braços, pecam pela falta de apoio lombar.
Perda de tenacidade muscular
É isso: se por um lado, o músculo é o melhor remédio para tratar problemas da coluna vertebral, lombar ou articulações, a sua falta é, por outro, altamente prejudicial. "Temos casos de pessoas que perderam sete quilos de massa muscular por causa do sedentarismo", conta Armando Barbosa.
É que os músculos não servem só para uma boa performance. "A coluna vertebral não é só ossos e discos. É um sistema muito complexo que envolve muitos músculos e ligamentos. Estes músculos funcionam como cordas de tensão que dão balanço, equilibrando a coluna vertebral", explica Luís Teixeira.
Mas têm de estar reforçados, pois caso contrário, na sua ausência, existe uma sobrecarga mecânica ao nivel dos ossos e das fibrocartilagens.
E isso dói: "Esta é a razão pela qual o aumento do desenvolvimento muscular é um dos aspetos importantes para tratar a dor. O [Cristiano] Ronaldo se fizesse o que faz sem a tonicidade muscular que tem, tinha um número de lesões assustador."
O problema da ansiedade e das noites mal dormidas
Nós avisámos que estava tudo ligado: tanto a confinamento como o próprio sedentarismo agravaram estados ansiosos, que levam a noites mal dormidas, duas componentes que são napalm para a desconfortável, dolorosa e rígida tensão muscular.
Não somos nós que estamos a dizer. "Houve claramente um aspecto emocional que despertou o aumento das contraturas musculares", frisa Luís Teixeira. "Aquilo que sabemos é que a contratura muscular é uma das situações que agrava e amplia o fenómeno doloroso na parte músculo-esquelética. Não é por acaso que existe uma sobrecarga mecânica ao nivel dos ossos e das fibrocartilagens. "
A prática de exercício físico diminui a ansiedade, porque leva à libertação das endorfinas, hormonas que contribuem para o bem-estar e para o relaxamento do corpo. O contrário, causa o efeito inverso: estar parado agrava estados de ansiedade e, consequentemente, cria maior tensão muscular e dor.
Até porque, frisa Luís Teixeira, a própria dor tem uma componente psicossomática importante, que piora com a inatividade: "Se estivermos parados sem fazer nada estamos a pensar e refletir sobre a dor. Se tivermos de sair de casa a correr, a mente desvia o foco para outro lado. Não quer dizer que sejam dores psicológicas, mas há sempre um aspeto psicossomático associado à dor."
Flexibilidade e elasticidade
Provavelmente já foi atingido pelo fenómeno: baixar-se para apanhar alguma coisa, ter de fazer um movimento mais brusco, e sentir a total e repentina ausência de agilidade. Pois, a justificação é óbvia: a falta de flexibilidade e elasticidade que vêm com o sedentarismo.
"O exercício físico é estimulante e muito importante para o aumento de flexibilidade e elasticidade", destaca Luís Teixeira. Só que, se estivermos parados, ficamos enferrujados: "Isto é como se fosse um elástico. Rasga-se se não estiver habituado. Criam-se micro-lesões." Assim, também para a diminuição das dores e protecção do corpo "o ganho de elasticidade e flexibilidade é muito importante."
O trabalho destas componentes deve ser uma tarefa para toda a vida: "A maioria das patologias aumentam com a idade, ao passo que a flexibilidade e elasticidade diminuem. É importante fazer exercícios regularmente e neste aspeto há determinadas práticas que ganharam um peso muito grande, que trabalham estas componentes, mas também a tonicidade, de forma progressiva", realça, referindo-se ao Pilates. "Trabalha o corpo de forma progressiva. Não o fazer de forma explosiva. Os exercícios devem ser feitos com enorme progressão, lentidão e suavidade."
Doença metabólica (e tudo o que advém daí)
E entramos noutro capítulo, potencialmente ainda mais complexo e assustador: o sedentarismo pode levar à insulino-resistência, aumento da gordura visceral e alteração do perfil lipídico e glicémico, diabetes ou hipertensão — tudo problemas interligados e que, coexistindo em certo número, dão origem ao diagnóstico a que se dá o nome de síndrome metabólica.
Comecemos pela insulino-resistência: "Um dos principais tecidos para captar a glicose e responder à insulina é o músculo", explica João Sérgio Neves, endocrinologista do Hospital Lusíadas do Porto. Ou seja, com a diminuição da tenacidade muscular, esta importante função do corpo fica comprometida.
E nem demora assim tanto a perder a sua eficácia: "Há estudos que dizem que dois ou três dias de sedentarismo levam a uma resposta de aumento de insulina resistência", diz, acrescentando que esta é a base para se vir a desenvolver diabetes tipo 2.
Outra consequência é o ganho de peso e acumulação de gordura num local que é mais perigoso. É que com a alteração do perfil lipídico, esta passa a acumular-se na zona do abdómen. É a chamada gordura visceral, que se vai depositar junto dos órgãos. "Há vários tipos de tecido adiposo. Nós sabemos que o mais prejudicial é o visceral, porque desencadeia inflamação no tecido adiposo, que contribui para o estado pró-inflamatório, que contribui para a insulino-resistência e para o síndrome metabólico e problemas cardiovasculares."
Mesmo que tendencialmente, faça uma acumulação de gordura em regiões do corpo menos prejudiciais, com a inatividade essa preponderância altera-se. É que o sedentarismo está intrinsecamente ligado à acumulação de gordura nesta região corporal: "O sedentarismo é um fator potenciador de ganho de tecido de peso visceral", diz o endocrinologista. "O que vemos nas consultas depois desta fase é que há muitas pessoas a ganhar peso, mas também há esta retribuição da gordura no corpo: quando o ganho de peso é no sedentarismo, tende a ser nesta região abdominal".
Mas há mais: todos estes fatores, da obesidade à diabetes, são os principais fatores de risco para doença grave por COVID-19, diz o especialista. Vários estudos já vieram mostrar que quanto maior é o peso, maior é a possibilidade de se vir a verificar o agravamento do quadro clínico em pessoas que tenham contraído o novo coronavírus.
O sedentarismo é prejudicial para o coração
"Para o sistema cardiovascular, o exercício é um dos melhores medicamentos que existe", destaca à MAGG o cardiologista Vasco Dias. E não é só para preservar quem tem intacta a saúde do coração: "Mesmo tendo patologia cardíaca, o exercício aumenta a esperança média de vida."
Não pense que o exercício só serve para estar esteticamente em forma: "Diminui quase todos os fatores de risco cardiovasculares", diz o cardiologista. Tanto assim é que, mesmo para quem enfrentou um enfarte ou sofre de insuficiência cardíaca, é altamente recomendada a prática de desporto. "Está mais do que provado o benefício que o exercício físico tem para esses doentes tem beneficio."
Pessoas que fazem exercício vão contrabalançar fatores de risco cardiovascular, muitos dos quais referidos já por João Sérgio Neves.
Na ausência de atividade, acontece o contrário: Os problemas cardiovasculares que nascem do sedentarismo estão ligados às tais alterações referidas por João Sérgio Neves. "Com mais peso, há mais propensão a desenvolver hipertensão, colesterol elevado ou níveis triglicéridos elevados", diz o cardiologista. "Há maior oportunidade para se desenvolverem fatores de risco."
Além do combate ao sedentarismo, é fundamental que se tenha uma alimentação equilibrada. Os processados, fritos, açúcares e alimentos com excesso de sal prejudicam o sistema cardiovascular.
"O que está por detrás do enfarte do miocárdio — de um ataque cardíaco — é uma oclusão das artérias que irrigam o coração, que são as coronárias", explica. "Essas artérias, ficam entupidas por placas ateroscleróticas, que são placas de gordura que se vão formando e que podem impedir o coração de funcionar, podendo levar à morte."
Alimente-se bem
"Ter um adequado estado nutricional e de hidratação contribui para a prevenção e tratamento de determinadas situações patológicas", refere a nutricionista Zélia Santos.
A especialista deixa várias dicas de alimentação para aplicar os "princípios e uma alimentação completa, variada e equilibrada":
- Deve selecionar alimentos de baixa densidade energética e de elevado valor nutricional;
- Consumir diariamente repartido ao longo do dia frutas, hortícolas e legumes;
- Incluir as leguminosas na alimentação;
- Limitar o consumo de snacks ou pequenas refeições doces ou salgadas;
- Planear e preparar refeições mantendo a rotina diária entre os elementos da família.
Isto serve para todos: é que a alimentação cuidada deve ser regra "em todas as faixas etárias, ao longo do ciclo de vida."
E o exercício também: "A redução do comportamento sedentário através da promoção de atividade física, como realizar caminhada curta, subir escadas, dançar, tarefas ativas no local de trabalho, entre outras, pode facilitar a aumentar gradualmente os níveis de atividade física e promover hábitos e estilo de vida saudável".