O medo de dormir no escuro pode até ser uma realidade que toca a alguns adultos. Muitos já passámos por uma fase em que não dispensávamos a luz de presença para dormir, e nem sempre este ato esteve relacionado com o facto de irmos para a cama depois de ver um filme de terror.

Mas enquanto nós, adultos, conseguimos ter algumas estratégias para ultrapassar estes medos, para as crianças pode ser um pouco mais complicado. Quando os miúdos passam a dormir sozinhos no quarto, e a adaptar-se a um novo ambiente, o escuro pode causar algum medo.

Antes de falarmos melhor sobre este tema, há uma questão pertinente que se coloca: afinal, porque é que devemos dormir às escuras?

"A exposição à luz durante a noite não é benéfica para a saúde porque prejudica a qualidade do sono e afeta o funcionamento do nosso relógio biológico interno. À noite, quando deixa de haver luz solar, o nosso cérebro é informado de que é hora de produzir melatonina [hormona do sono], o que nos permite ficar sonolentos", explica à MAGG Teresa Sousa, terapeuta do sono e especialista em ritmos do sono.

Percebemos assim que tudo está relacionado com a forma como o nosso organismo processa a informação exterior, como as luzes artificiais, uma vez que transmitem estímulos que indicam que o corpo deve continuar em atividade. Contudo, desligar as luzes para ter uma noite tranquila pode não ser assim tão simples no caso das crianças, porque é um momento em que entram em contacto com o desconhecido.

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"Nem sempre quando verbalizam que têm medo do escuro, significa que estão com um medo real"

A infância é por si só uma fase caracterizada pela imaginação e brincadeira — dois fatores que só por si podem ter influência no que diz respeito ao sono. Quando se deparam com um ambiente escuro, perdendo o controle visual, as crianças podem ficar assustadas pelo facto de ainda não saberem distinguir a realidade da fantasia, que desenvolvem quando não veem o que está à sua volta. Este medo é frequente manifestar-se entre os 2 e os 6 anos, contudo, não é apenas de medo que falamos.

"O escuro significa não haver estímulos. Não permite manter a brincadeira e a interacção, o que pode ser frustrante para algumas crianças que estão ávidas de descobrir o mundo e de brincar. Por isso, nem sempre quando verbalizam que têm medo do escuro, significa que estão com um medo real", diz a especialista. De acordo com a terapeuta do sono Teresa Sousa, isto pode apenas indicar que não querem adormecer ou que estão com dificuldade em fazê-lo.

Seja qual for a razão de as crianças não quererem dormir no escuro, há várias formas de ultrapassar esta fase e de conseguir afirmar a independência do sono dos miúdos. É que não devem ser raras as vezes em que, quando dizem ter medo do escuro, voltam para o conforto da cama dos pais e ficam a dormir no meio deles. A questão que se coloca é se esta é uma tática aconselhável.

"Dormir com os pais para resolver o medo do escuro pode passar a mensagem de que há razão para ter medo e para sentir-se só, ou seja, dessa forma dificilmente se irá resolver verdadeiramente esse medo", refere a especialista. Contudo, acrescenta que em alguns casos pode ajudar a criança a sentir-se mais segura ao início e aos poucos, com a ajuda de estratégias comportamentais adequadas à situação, é possível fazer afastar a presença dos pais de forma adequada.

Como? A  terapeuta do sono deixa algumas dicas — e a primeira passa pela comunicação com os filhos.

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Três luzes que ajudam a combater o medo do escuro

1. Explique que o escuro pode ser bom

"Explicar como o escuro pode ser bom é uma boa forma de incentivar a dormir no escuro. E como fazê-lo? Explicando que todos nós, inclusive os animais, dormem à noite, no escuro, porque este permite descansar com qualidade e ter um bom sono que, por sua vez, ajuda a crescer e a aprender melhor", aconselha a Teresa Sousa, especialista em sono.

Como não é só com esta história que o medo desaparece, a terapeuta do sono indica que este pode ser ultrapassado progressivamente. A luz de presença é um dos primeiros métodos.

2. O papel da luz de presença na transição 

Tal como quando dormem com os pais, a luz de presença pode indicar que há razão para ter medo. Mas quando se aplica o primeiro método — explicar como o escuro pode ser bom — essa barreira é ultrapassada.

Ao usar a luz de presença, a criança sente-se mais confiante, mas para deixar de a usar, basta diminuir, literalmente, a sua presença: "Deve ir sendo afastada da cama da criança, até estar do lado de fora do quarto e, posteriormente ser apagada, de forma a desabituar a presença da luz", indica a terapeuta do sono.

Além disso, a especialista acrescenta que a comunicação é mais uma vez fundamental no que diz respeito a explicar às crianças que tudo se mantém igual no escuro, desmistificando assim o imaginário que é criado pelas mesmas.

3. O herói que vence o medo do escuro

Apesar de a fértil imaginação das crianças não ajudar quando estão no escuro, há momentos em que a fantasia pode ser benéfica. A especialista Teresa Sousa deixa várias dicas que pode aplicar na rotina noturna e uma delas envolve "um 'spray mágico' ou uma varinha de condão que afasta os monstros, as bruxas ou fantasmas".

Além da magia, pode também puxar pela fantasia através de um teatro em que há um herói que vence o medo do escuro. Os livros de histórias que falam sobre o tema podem ser outra das estratégias, tal como dar-lhes uma pequena lanterna que emita pouca luz de forma a que, quando as crianças sentem necessidade de ver no escuro, tenham algo à mão para iluminar o quarto (e certificar-se de que não há monstros à volta).

"Mesmo fora da hora de dormir, quando a criança anda pela casa e está mais escuro, pode encorajá-la a ir sozinha para alguns espaços mais escuros. Com criatividade e conhecendo as características da criança, é possível 'desenhar' estratégias que ajudem a ultrapassar os medos", conclui a especialista.