Basta colocar a palavra bronquiolite num motor de busca para percebermos o cenário infernal que está a acontecer um pouco por toda a Europa nas urgências pediátricas — e Portugal não é exceção. É verdade que tempo frio combina com bronquiolites, e que esta doença que afeta primordialmente crianças abaixo dos 2 anos não é novidade nenhuma para os médicos, mas este ano estamos a viver circunstâncias especiais e mais graves. E tudo por causa da tripledemia.

"Estamos a assistir a um aumento muito significativo de infeções respiratórias, e sem dúvida que há um aumento muito grande de bronquiolites", confirma Manuel Ferreira de Magalhães, pediatra no Hospital Lusíadas Porto e no Centro Manterno-Infantil do Norte à MAGG. De acordo com o especialista, isto deve-se à tripledemia a que estamos a assistir atualmente, que traduz-se num aumento significativo de três vírus. "Estas infeções são provocadas, sobretudo, pelo vírus sincicial respiratório (RSV), vulgarmente conhecido como o vírus das bronquiolites, o influenza, vírus da gripe, e o SARS-CoV2, correspondente à COVID-19."

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Para além deste indesejável trio de ataque, o médico especialista, também responsável pela página de Instagram O Pediatra, salienta que há outros dois fatores a tornar as bronquiolites deste (quase) inverno ainda mais agressivas. "Esta situação levanta alguns problemas. Temos a tripledemia, mas temos também muitas crianças que, devido à pandemia e terem estado mais resguardadas desde que nasceram, não desenvolveram a sua imunidade natural", diz Manuel Ferreira de Magalhães.

Manuel Ferreira de Magalhães
Manuel Ferreira de Magalhães Manuel Ferreira de Magalhães, pediatra no Hospital Lusíadas Porto e no Centro Manterno-Infantil do Norte

Assim, estas crianças acabam por ter uma resposta mais agressiva aos vírus respiratórios, "ficam muito mais doentes quando ficam doentes", simplifica o pediatra. "E os próprios vírus estão mais agressivos por não terem circulado tanto nos últimos tempos. Juntamos aqui um conjunto de coisas más: temos vírus mais agressivos, crianças com menos defesas, e um terceiro fator, que considero mais social, que é pais mais inseguros, que não conseguem fazer uma primeira avaliação. E é justamente isto que está a entupir as urgências."

Os (verdadeiros) sinais de alarme

É verdade que as urgências estão entupidas e devemos todos fazer o nosso melhor para não contribuir para essa problemática. Mas tratando-se de crianças tão pequenas, e de uma doença nem sempre fácil de perceber ao início (que o digam as centenas de pais que já deram por si a olhar atentamente para a respiração dos filhos), quais são os sinais que não deixam dúvidas e que são imperativos de uma ida ao hospital?

"Dificuldades respiratórias são um sinal claro. Quando ouvimos aquela pieira ou chieira [também conhecida como 'gatinhos'], quando o bebé nos parece estar a respirar com imenso esforço, cansado, quase como se tivesse acabado de correr a maratona ou quando vemos as covinhas no tronco de cada vez que respira: isso são sinais de insuficiência respiratória e a criança tem de ser vista", alerta Manuel Ferreira de Magalhães.

Veja a partilha do pediatra Manuel Ferreira de Magalhães para perceber melhor.

Para além destes alertas, o pediatra assinala também muita tosse, dificuldade em alimentar-se e uma febre persistente. "Se um bebé está com temperaturas acima de 39,5 há mais de três dias, com uma febre que não cede e que volta sempre de quatro em quatro horas, é também para ser visto, mesmo que não tenha nenhum dos outros sintomas."

"Não é o frio que faz as crianças ficarem doentes"

Que atire a primeira pedra o pai ou mãe que nunca encasacou os filhos até aos olhos à primeira descida de temperaturas ou torce o nariz às idas ao parque durante o inverno. No entanto, o pediatra Manuel Ferreira de Magalhães salienta que o perigo está noutras paragens.

"Não é o frio que faz as crianças ficarem doentes, um passeio ao ar livre, mesmo com temperaturas mais baixas, não faz mal nenhum. Temos é de proteger as crianças nos ambientes fechados e lotados. Não levem bebés e crianças para shoppings, restaurantes cheios, nesta altura do ano. Para além disso, os adultos devem ter o cuidado de manter o distanciamento físico dos mais pequenos ao mínimo sinal de infeção, nem que seja apenas ranho, e optar por usar máscara, bem como lavar frequentemente as mãos", acrescenta o pediatra.

Especialista avisa: bebés com menos de 6 meses são especialmente vulneráveis

Apesar de as bronquiolites afetarem principalmente as crianças com menos de 2 anos, os bebés abaixo dos 6 meses são especialmente vulneráveis. "O grande problema desta doença é que não se cura, não existe tratamento. O tratamento é o tempo, é esperar que passe", refere o médico pediatra.

Esta é uma patologia cujo vírus causa "uma lesão na via aérea, resultando em muitas secreções", diz Manuel Ferreira de Magalhães. "Esta via fica muito inchada, com muitas secreções e os brônquios, que nestes bebés já são muito pequeninos, ficam muito entupidos e as crianças deixam de conseguir respirar".

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É justamente devido a estas dificuldades respiratórias que muitas bronquiolites resultam em internamentos, dado que o oxigénio é das poucas coisas que se pode fazer para ajudar a respiração e dar conforto às crianças. "Só na região norte do País estamos com muitos internamentos devido a esta patologia, incluíndo cuidados intensivos", refere o médico.

"Não há nada que trate, só o tempo. Podemos dar oxigénio para ajudar a respiração, aspiramos as secreções, controlamos a febre, se existir, mas o que acaba por curar é mesmo o tempo", explica Manuel Ferreira de Magalhães, que revela que há uma luz ao fundo do túnel.

"Neste momento, há uma imunização à espera de aprovação da Agência Europeia do Medicamento que, a ser aprovada, pode ser administrada a todos os bebés e seria uma mais-valia muito importante para esta doença no próximo ano. Estamos todos na expetativa", conclui.