A edição de 2021 da Web Summit arrancou esta segunda-feira, 1 de novembro, na Altice Arena, em Lisboa. Além de Paddy Cosgrave, CEO e fundador da maior feira de tecnologia da Europa, e Carlos Moedas, o novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a abertura do evento contou ainda com a presença em palco da cientista e engenheira Frances Haugen.
O nome de Haugen ganhou maior destaque quando se soube, há cerca de um mês, que era a mais recente denunciante por detrás da divulgação de documentos internos do grupo Facebook (agora, Meta). Os documentos, sabemos agora, mostram que o grupo que detém as aplicações Facebook, Instagram e WhatsApp está ciente dos efeitos nocivos que os seus serviços têm nos seus utilizadores, inclusive nos mais jovens, e que, apesar disso, decidiu nunca fazer nada para implementar medidas de prevenção.
"Acredito que os produtos e os serviços do Facebook são nocivos para as crianças, promovem a divisão e tornam frágil a nossa democracia", referiu Frances Haugen quando, a 5 de outubro, testemunhou perante o congresso norte-americano. Enquanto trabalhou na empresa de Mark Zuckerberg, Haugen assumiu as funções de gestora de produto.
Em cima do palco da Web Summit — numa conversa que contou ainda com a presença de Libby Liu, CEO da organização Whistleblower Aid, que protege os direitos dos denunciantes e delatores —, Frances Haugen voltou a frisar que a empresa de Zuckerberg continua pouco interessada em erradicar o ódio, a propagação de informação falsa e o discurso de ódio da sua rede.
Para quebrar o gelo, a primeira pergunta que serviu de pontapé de saída para o arranque de conversa começou por tentar perceber como era para Frances Haugen, que não faz festas de aniversário porque não gosta de ser o centro das atenções, estar no centro do discurso atual a propósito do Facebook.
"Tem sido avassalador, confesso. Estou orgulhosa de ter tido a oportunidade de ter tornado públicos estes documentos. Porque o Facebook tem privilegiado o lucro em vez da nossa segurança", começou por dizer a engenheira diretamente para milhares de pessoas que marcaram presença no primeiro dia da Web Summit.
Quando questionada sobre o que a levou a denunciar publicamente a empresa de Mark Zuckerberg, Frances Haungen respondeu com a mesma confiança que tem pautado o seu discurso desde o início.
"Talvez fosse boa altura ele deixar outra pessoa assumir as rédeas da empresa. Ter cometido um erro não faz dele uma má pessoa, mas é inaceitável que continue a insistir nos mesmos erros"
"Há sempre um compromisso entre o que podes trazer contigo quando sais [da empresa] e o momento em que, de facto, sais. Quando descobri coisas que estavam a pôr em causa a vida de pessoas, decidi que não podia esperar mais e decidi sair da empresa", conta.
A rede social criada por Mark Zuckerberg, explica, tem vindo a dar prioridade a "conteúdos extremistas". E se, nos EUA, o facto de esses conteúdos se tornarem virais significa que, no mínimo, "estragarão alguns jantares de Ação de Graças", "nos países mais fragilizados, as consequências serão sempre maiores".
No início, antes de sair da empresa, em maio, Frances Haugen viu-se confrontada com um dilema muito específico: a quem dar acesso aos documentos em primeiro lugar? O receio, explica, tinha que ver com o conteúdo. "Estamos a falar de um conteúdo sensacionalista que, uma vez publicado, poderia ser levado na direção de querer fazer as pessoas odiar o Facebook. Não era esse o meu objetivo", refere.
É "inaceitável" que Zuckerberg "continue a insistir nos mesmos erros", diz Haugen
"O Facebook não foi a primeira rede social em que trabalhei, mas sim a quarta", diz. Por ser, segundo a própria, a "pior" em que trabalhou, voltou a reforçar o quão "orgulhosa estava" por poder ter tido a oportunidade que poucas pessoas tiveram — expor aquilo que Zuckerberg quis que continuasse em segredo.
Sobre se tem medo? "Tinha muito medo antes de sair do Facebook, mas depois de sair, e agora que acredito que há milhões de vida em causa, não me parece haver consequências [face à sua decisão]", diz Haugen, arrancando aplausos do público.
Mantendo um discurso assertivo e calmo, a delatora não acredita que a empresa alguma vez venha a mudar se Mark Zuckerberg, que além de fundador é também CEO, se mantiver à frente da rede social.
"Talvez fosse boa altura ele deixar outra pessoa assumir as rédeas da empresa. Ter cometido um erro não faz dele uma má pessoa, mas é inaceitável que continue a insistir nos mesmos erros", concluiu.
A edição de 2021 da Web Summit vai decorrer entre 1 e 4 de novembro no Altice Arena, em Lisboa. A lista completa de oradores pode ser consultada no site oficial do evento.