E se lhe disséssemos que há uma fórmula mágica para se tornar viral no TikTok? Sem que tenha de dançar, ter milhares de seguidores noutras redes sociais ou até grande jeito para edição? Parece mentira, mas não é. E João Guerra, que se apresenta sob o nome Sakeios7 na plataforma, é prova disso.

Pagar aos filhos para se afastarem das redes sociais? Até pode funcionar, mas há riscos associados
Pagar aos filhos para se afastarem das redes sociais? Até pode funcionar, mas há riscos associados
Ver artigo

Começou a sua jornada no TikTok em abril de 2021 e já arrecadou 116 mil seguidores e mais de 6,3 milhões de gostos. No entanto, se visitar o seu perfil, encontra apenas um único vídeo. O vídeo em que explica que tudo o que durante meses publicou naquela rede social não passava de uma mentira. Ou melhor, de uma experiência académica. 

O Sakeios7 nunca existiu. Aquela personalidade não é real e cada conteúdo publicado naquela conta foi previamente estudado e escrutinado. Segundo a segundo. E o motivo é simples: João Guerra, assim se chama o professor da Universidade Católica do Porto por detrás desta experiência académica, queria que os seus alunos percebessem que "qualquer parvinho" conseguia tornar-se viral no TikTok. E decidiu prová-lo.

João Guerra deu vida a uma personagem para provar a sua teoria

Deu a cara por uma personagem fictícia e deixou que os alunos acompanhassem diariamente o crescimento da conta. A postura, a direção do olhar, o guião e até a edição: tudo isto foi previamente estudado por João Guerra e aplicado na conta do Sakeios7.

"Não tinha qualquer tipo de experiência no TikTok e não queria estar a dar aulas com base em coisas que simplesmente fui ler. Queria pôr em prática a parte teórica", começa por explica João Guerra, em entrevista à MAGG.

"Decidi pôr em prática aquilo que ia ensinando em frente aos meus alunos. E dizia: 'para mim, faz sentido que este vídeo, que vou publicar agora, viralize, por razão X, Y, Z'. E o vídeo viralizava", acrescenta. "Acho que consegui apanhar, de uma forma muito específica, o algoritmo do TikTok. Consegui perceber como funciona e, então, durante as minhas aulas, explicava o processo criativo e técnico por detrás da criação de cada vídeo", explica.

João Guerra
João Pedro Guerra, professor na Universidade Católica do Porto.

Somos constantemente manipulados no TikTok. E este vídeo é prova disso

Quando já tinha alcançado mais de 116 mil seguidores, e essencialmente por motivos pessoais, João Guerra decidiu dar por terminada a experiência académica, que se revelou útil tanto para as suas aulas como para o seu doutoramento.

Fez um vídeo que, em primeira instância, parece ir contra tudo aquilo que tende a viralizar no TikTok. "Como é que é possível que este vídeo, que é um minuto e meio de uma pessoa sentada numa mesa, sem música, se tenha tornado viral?", questiona.

E a resposta é simples: foi estudado e comportava, pelo menos, duas técnicas poderosas.

Veja o vídeo.

À partida, parece um vídeo simples. Sem grandes artíficios. Mas a verdade é que já conta com mais de 198 mil visualizações e 34 mil gostos. E João Guerra explica porquê.

"Usei duas técnicas muito poderosas só para garantir que o vídeo se ia tornar viral", começa por explicar."Nos primeiros dois ou três segundos, que acabam por ser os mais importantes, porque é o momento em que as pessoas decidem se vão dar uma oportunidade ao vídeo, estou a falar para o lado e não para a câmara. É diferente em relação ao resto do vídeo", diz.

"E eu digo algo como ‘só espero que este vídeo viralize, porque é o mais importante que já fiz’. E o que é que isto faz? Faz com que pareça muito mais genuíno tudo o que vou dizer a seguir. Isso causa intriga, logo".

Amor e redes sociais. Afinal, o que procuramos quando vemos o perfil de alguém? Um especialista explica
Amor e redes sociais. Afinal, o que procuramos quando vemos o perfil de alguém? Um especialista explica
Ver artigo

"Agora, como é que eu seguro [a atenção]? É através dos segundos a seguir e no primeiro momento em que falo para a câmara. Em que digo ‘se reparares, esta página tem 115 mil seguidores e é o único vídeo que vais encontrar’.Nesse momento, as pessoas clicam na minha cara, mesmo quem não me conhece, para verificar se o que eu disse é verdade. E, a partir daí, estão 100% agarradas", remata o professor.

Segundo João, embora pareça, o vídeo não foi falado livremente. Foi escrito e previamente pensado, tal como acontece com a totalidade do conteúdo que publicava. Isto, no caso, sob a alçada da personagem fictícia que criou.

Afinal, quem é este Sakeios7?

Depois de estudar vários casos, João Guerra chegou à conclusão de que é benéfico para qualquer criador de conteúdo distanciar-se da personagem que se apresenta diariamente em frente à câmara. E foi precisamente o que decidiu fazer. No TikTok, apresentava-se sob o nome Sakeios7, sempre sem barba e, no fundo, com uma personalidade bastante diferente da sua.

"Este Sakeios7 era uma pessoa que tinha alguns interesses parecidos com os meus, enquanto João, mas forma como ele os abordava era diferente", explica. "Uma das coisas que uma pessoa tem de fazer nas redes sociais, e talvez até mais no Youtube e no TikTok, é assumir uma personalidade sempre feliz, alegre, energética ou excitada. Isto porque eu estava a gravar vídeos com o meu telemóvel e quando estamos a falar para uma câmara temos sempre de exagerar essas facetas", conta.

João tinha noção de que uma grande fatia dos utilizadores que alcançava rondavam os 15 anos. Por isso, sabia que tinha de acentuar "o seu lado mais jovem".

"Por exemplo, na minha vida real, durante a semana, uso barba. E não há um único vídeo em que apareça com barba. A ideia é sempre chegar o mais perto possível da audiência para que as pessoas se revejam nos vídeos", acrescenta, com a ressalva de que esta técnica se aplica tanto ao aspeto físico como ao conteúdo de cada vídeo.

Que tipo de conteúdo publicava?

João Guerra acredita que o conteúdo que escolheu publicar prova que qualquer pessoa pode ter sucesso na plataforma. Afinal, gravava todos os vídeos com o seu telemóvel, sem danças ou grandes produções. Limitava-se a contar factos interessantes e a aplicar todos os truques teóricos que já havia adquirido na pós-produção do vídeo.

"Tinha várias categorias, mas diria que o que me classificava eram os factos. Em 20 segundos, dizia um facto aleatório, completamente ao calhas. Por exemplo, ‘nós partilhamos 50% do ADN com bananas’. Era uma peça que eu podia fazer", começa por explicar. "Basicamente, o meu conteúdo era pegar no Reddit. Procurava histórias, dava dicas de vida", conta, com a ressalva de que sempre ambicionou testar os limites da aplicação.

"Uma das coisas em que eu apostei no início foi entrar pelo conteúdo de ‘cariz sexual’, no sentido em que dava dicas de sexo, porque sabia que era conteúdo que ia chegar a mais jovens. Entretanto deixei cair, porque percebi que a probabilidade de a minha personagem ser cancelada por dizer algo desse cariz, que não fosse bem aceite, era maior do que a de ganhar viralidade", explica.

E isto porquê? João explica que podia ganhar em 10/20 vídeos, mas bastava ser cancelado uma vez para ver arruinada completamente a reputação da figura fictícia que criou. E decidiu não arriscar.

"Tinha pessoas a dizer para me matar a torto e a direito"

Tanto em entrevista como no único vídeo que continua disponível no seu perfil do TikTok, João faz questão de deixar claro que não é o Sakeios7 e que os seus seguidores não o conhecem. Inicialmente, criou esta personagem porque sabia que funcionaria. No entanto, ao longo do processo, apercebeu-se de que se tornou bastante benéfica para lidar com situações de bullying e de discurso de ódio.

"A maior parte dos criadores de conteúdo que segues aqui [TikTok], no Instagram, no Twitter, onde for, são personagens. Não são reais. Por detrás das quais existe uma pessoa real, que não conheces. Acho que há uma necessidade por parte das pessoas de agirem de forma diferente quando estão em câmara e quando não estão. Dificilmente há quem diga que é exatamente a mesma pessoa nos dois cenários. E acho que os criadores de conteúdo só têm benefícios em criar essas personagens", começa por explicar.

"Foi uma das melhores coisas que consegui provar. Acho que é excelente uma pessoa que trabalha com o digital criar uma personagem diferente de si próprio. Principalmente, pela questão de bullying e do discurso de ódio."

De um assalto traumático, Lucas fez solidariedade. Jovem de Gaia já conta 1,5 milhões de seguidores
De um assalto traumático, Lucas fez solidariedade. Jovem de Gaia já conta 1,5 milhões de seguidores
Ver artigo

"Dei por mim a receber algum tipo de hate [ódio] nas redes sociais, principalmente no Twitter, por causa de um TikTok que tinha feito no verão. E uma das coisas que mais me ajudou a lidar com isto – porque eu tinha pessoas a dizer para me matar a torto e a direito – foi dizer a mim próprio: ‘as pessoas não estão a dizer isto para o João, estão a dizer isto para o Sakeios’. Fazer essa separação e perceber que as pessoas estão a odiar apenas um personagem e não a pessoa que sou permitiu-me lidar com a situação de uma forma muito mais analítica e estudada, sem envolver os meus sentimentos", admite.

Neste sentido, João Guerra descarta a ideia de que a criação deste tipo de personagens tenha qualquer conotação negativa. "É tal como acontece na ficção. Um ator está a enganar o público?", questiona.

Que tornar-se viral no TikTok? Não termine as palavras e tenha atenção à sua localização

João Guerra admite que não há uma longa lista de dicas infalíveis para qualquer pessoa se tornar viral no TikTok. Mas revela que, por exemplo, a forma como edita os vídeos pesa (e muito) na forma como consegue captar a atenção dos utilizadores.

"Estamos a falar de uma aplicação em que a audiência tem uma retenção de atenção muito baixa. Mesmo muito baixa. Então aquilo que se percebe é que tu em 20 segundos tens de ter início, meio e fim e a questão da edição é muito interessante. Uma das formas de reter a atenção no TikTok, por exemplo é através de cortar os finais das palavras. Ou seja, se dissesse ‘isto é um retângulo’, eu cortaria na edição para ‘isto é um retangu’ e não deixava a última sílaba."

João explica que esta técnica mexe com o subconsciente e funciona porque, quando ouvimos uma palavra comprida, já sabemos o que significa logo nas primeiras sílabas. Portanto se, durante a edição, deixar as palavras completas, está a desperdiçar "tempo de atenção".

Mas há mais. Importa referir ainda que o TikTok mexe com questões inerentes à geolocalização e, por isso, o local de onde publica um vídeo pode influenciar o seu alcance."O TikTok faz com que qualquer pessoa consiga viralizar através de um algoritmo muito potente, que se baseia muito na questão da geolocalização", explica João Guerra, que garante que, nos primeiros tempos após a criação da conta, a localização do utilizador importa. E muito.

Ou seja, neste sentido, assim que se cria uma conta, o conteúdo publicado em Lisboa terá mais alcance do que um vídeo publicado a partir de uma aldeia, com uma densidade populacional menor, no interior.

"Se um vídeo tiver mais de 10% de gostos em relação às visualizações, o TikTok vai continuar a promover esse vídeo, enquanto essa percentagem se mantiver". O que, em termos práticos, está diretamente relacionado com a questão da geolocalização. Embora, em primeiro instância, se apresentem como detalhes independentes.

"Se o TikTok mostrar o meu vídeo na minha cidade, como há uma probabilidade maior de as pessoas me conhecerem e deixarem um gosto, vai ser sempre mais fácil atingir os tais 10% acima das visualizações, o que dá uma grande probabilidade de crescimento".

Portanto, quando comparamos o que acontece nas grandes cidades com o que se regista nas zonas com menos gente, percebemos que "talvez o alcance seja maior nas grandes cidades, mas, por si só, isso não garante crescimento".

Mas, atenção: "uma pessoa que está no interior, se tiver acima destes 10% de gostos, vai ter sempre margem de crescimento e o TikTok vai continuar a promover [o conteúdo] mesmo para as redondezas. Pode começar muito geolocalizado, mas depois acaba por crescer", garante João Guerra.

Há dois truques para tornar qualquer conteúdo viral

  • É preciso publicar muito (mas muito mesmo) 

"A primeira coisa e a mais importante: é preciso publicar mesmo muito. O que se traduz em, pelo menos, três publicações por dia. A razão pela qual há tantos criadores de conteúdo a crescer no TikTok, e a crescer tão rápido, é porque é muito fácil fazer danças. Ou até coreografias repetidas", explica o professor.

“Faço uma dança na sala. Depois vou para o meu quarto e faço a mesma dança. Depois vou para a casa de banho e volto a fazer a mesma dança e já tenho aí três peças de conteúdo para o meu dia ou para os próximos dias. Não podem haver aqui sábados e domingos em que não se publica."

  • Captar a atenção logos nos primeiros segundos

"No início do vídeo, logo nos primeiros segundos, tem de haver uma razão para as pessoas ficarem até ao final do vídeo". Truque que João Guerra aplicou neste vídeo. 

Só há duas formas de um vídeo ficar viral na aplicação: ter gostos ou as pessoas ficarem até ao fim. Se as pessoas puseram um gosto e ficarem a ver o vídeo até ao fim, fica viral com toda a certeza.

Segundo João Guerra, estes são os únicos dois critérios de viralidade dentro do TikTok. Depois, basta publicar muito e saber captar a atenção. E, pronto, estão reunidas todas as condições para o sucesso.

As coisas MAGGníficas da vida!

Siga a MAGG nas redes sociais.

Não é o MAGG, é a MAGG.

Siga a MAGG nas redes sociais.