O fenómeno das modas baseadas em pseudociência já cá anda há algum tempo. Com a internet e crescente peso das redes sociais, as teorias ganham força e crescem de tal forma que se ignoram factos. Assim, há alimentos que até emagrecem, há dietas que prometem desintoxicar um organismo, há alimentos que de repente são verdadeiros demónios. Modas que, apesar de questionáveis, geram lucro.
Para que se descomplique o importante ato de comer, é preciso esclarecer: na base de muitas das tendências, há a distorção da realidade, o fechar os olhos à ciência e o esquecimento do que é o mais basilar: comer de forma equilibrada, contemplando todos os componentes da roda dos alimentos, não cometer excessos, incluindo os restritivos.
Aqui reunimos e desmontamos nove tendências do mundo da nutrição que ignoram os resultados científicos.
1. O óleo de coco é melhor para cozinhar
Um chavão clássico: o óleo de coco é a melhor gordura para cozinhar. Mas nunca a ciência nos veio dizer isto. Como é que surge este mito? Primeiro porque nos em que generalizado o seu uso (Polinésia, Filipinas, Sri Lanka, Kitava ou algumas zonas da Índia), as populações têm bons indicadores de saúde, como a baixa prevalência de doenças cardiovasculares ou hipercolesteroemia (aumento da concentração de colesterol no sangue). Mas esta associação óleo de coco/saúde é falaciosa e ignora outros aspetos fundamentais.
"Têm uma alimentação bastante rica em fibra (pelo consumo de fruta e legumes), baixa em alimentos açucarados e carnes processadas e rica em peixe, já para não falar do estilo de vida antagonicamente diferente do ocidental”, já havia explicado à MAGG o nutricionista e professor Pedro Carvalho.
Depois, porque houve um estudo de 2003 de uma investigadora da Columbia University que, isolou ácidos de cadeia média presentes no óleo de coco (em apenas 13%) num só produto, que demonstrou benefícios para a saúde. Mas assumir de imediato que este resultado demonstra que o óleo de coco é a melhor gordura é outro erro. Tem tudo que ver com uma questão de proporção. As vantagens destes ácidos gordos concentrados não vão estar presentes no óleo de coco porque, primeiro, a quantidade é pouca e, depois, porque existem outros constituintes neste produto.
Conclusão: o óleo de coco não é um demónio, mas também não é o Santo Graal das gorduras. Apesar de ser “uma gordura estável para cozinhar”, não tem a mesma qualidade do azeite, que é rico em ácidos gordos monoinsaturados, tem mais compostos antioxidantes, anti-inflamatórios e vitamina E — daí estar associado à redução do risco cardiovascular, algo a que o óleo de coco não está. Além disso, também tem resistência térmica, o que faz com que, a temperaturas altas, "a sua degradação seja menor.
2. Água morna com limão emagrece
Se fosse tudo verdade, a água com limão tornava-nos imortais. É que reza a lenda que ela emagrece, que ela desintoxica, que ela fortalece o sistema imunitário.
Agora a versão real: a ingestão de água com limão em jejum em dieta "não promove diferença na perda de peso" face a um plano alimentar que não contenha esta bebida, disse à MAGG o nutricionista Luís Cristino.
Além disso, não "desintoxica" — até porque só se desintoxica na presença de toxicidade. E não melhora o sistema imunitário. Basta pensar nas quantidades contidas nesta bebida para compreender a não produção deste efeito: "Quando é sugerido o consumo da água com limão alegando o seu teor em vitamina C, não será certamente com algumas gotas como muitas vezes recomendado, mas sim aproveitando o limão inteiro."
Faz mal beber água com limão? Não. Mas o benefício é um: "O uso do sumo de limão pode ser uma estratégia para conferir sabor à água aumentando a sua ingestão e consequente hidratação do organismo, pelo que não apresenta maior efeito quando comparado com a ingestão de água natural".
3. O detox para desintoxicar
Um termo pseudocientífico que não quer dizer nada. Para um organismo ser desintoxicado ele precisa de estar intoxicado. E não é um hambúrguer com batatas fritas ou excessos do Natal que produzem este efeito. "Processos de desintoxicação clinicamente assistidos existem e podem ser necessários em situações especificas, como é o exemplo no caso do consumo excessivo e tóxico de bebidas alcoólicas ou fármacos", explicou Luís Cristino.
Isabel do Carmo, endocrinologista, já nos havia falado no mesmo. "Essa história das dietas detox é um disparate", disse pela altura do lançamento do livro "Alimentação — Mitos e Factos". É que não existe alimentação para desintoxicar: "É preciso ver o que é que é uma pessoa intoxicada: uma pessoa fica intoxicada do ponto de vista gastrointestinal quando ingere, por questões de contaminação, bactérias que lançam toxinas no corpo, que depois geram gastroenterites e etc. Isso é uma intoxicação alimentar que tem de ser tratada com antibióticos, soro, hidratação, dependendo da gravidade.", explicou. "Depois, há as intoxicações por metais pesados, que têm de ser tratadas e que podem ser graves em relação ao fígado e aos rins."
Fazem mal então os suminhos coloridos? Não, desde que feitos de raiz em casa porque, caso contrário, "não sabemos o que é que está lá dentro." De outra forma, força, consuma-os: "Geralmente, são alimentos saudáveis, combinados de frutas e de vegetais que, sim senhor, as pessoas devem ingerir. Acho que nunca disse a ninguém para não tomar este sumos, desde que sejam as pessoas a comprar os ingredientes e a misturá-los."
4. Banir o glúten
E eis que, de repente e sem explicação, o mundo começa a padecer, em simultâneo, de uma alergia ao glúten. Não é verdade. A demonização do glúten é só mais um chavão clássico.
O glúten, por si só, só faz mal a uma percentagem pequena da população: "Apenas se houver um diagnóstico de doença celíaca ou qualquer outro problema relacionado com o consumo do trigo. Estes problemas todos, no seu conjunto, não afetam mais de 1% da população portuguesa. Para os outros 99%, evitar o glúten pode inclusivamente ser prejudicial", disse à MAGG Nuno Borges, membro da direção da Associação Portuguesa de Nutrição.
Isabel do Carmo diz que esta falsa intolerância ao glúten, pela gigantesca quantidade de produtos que se anunciam "glúten free" (mesmo que nunca tenham tido glúten), em termos comerciais, "faz correr milhões". Mas é só isso: "A verdade é que as pessoas que têm intolerância ao glúten são uma pequena porção da população — e isso é possível e facilmente demonstrado do ponto de vista de laboratório."
Agora, se há alimentos que são péssimos, altamente processados, que contém glúten? Sim. "A única coisa que, numa alimentação saudável, se deve mesmo evitar são os processados, industrializados e os aditivos artificiais", disse Lillian Barros.
6. As bebidas vegetais para substituir o leite
O chavão ganhou tal proporção, que é comum ouvirmos falar em leite de amêndoa, leite de aveia, leite de coco. Mas isto está longe de ser leite.
“Estamos a comparar alimentos que não são comparáveis, embora se perceba que a indústria o faça de uma forma muito colada”, explicou à MAGG Conceição Calhau, nutricionista, investigadora, professora e coordenadora do curso de Ciências da Nutrição da NOVA Medical School.“ As pessoas substituem o leite de vaca por bebidas de base vegetal e têm de perceber que não é bem a mesma coisa. Estamos a falar em animal e em vegetal, ou seja, no caso das bebidas vegetais, falamos de soja, aveia, amêndoa ou arroz.”
Basta ver a composição. Bebidas vegetais têm água, farinha do componente que aparece na embalagem (muitas vezes em quantidades muito pouco significativas) e, muito frequentemente, apresentam açúcar. Apesar de fortificadas em cálcio — que é aqui mimetizado (não é natural) — têm muito pouca proteína, ao contrário do leite. A única exceção é a solução de soja. “A bebida de soja tem uma quantidade proteína mais elevada, quando comparamos a uma bebida de amêndoa. É mais próxima do leite de vaca”, disse a especialista, chamando a atenção para os perigos do consumo excessivo desta leguminosa.
A nutricionista disse que estas bebidas estão mais próximas de um sumo, do que do leite. E que, a consumi-las, é importante analisar sempre o rótulo, garantindo a ingestão de um produto que não tem açúcar — ingrediente que não raras vezes surge nos primeiros lugares da lista de ingredientes.
Isabel do Carmo disse-nos o mesmo: "São extratos vegetais, extraídos das plantas, com grande reforço comercial, a partir do momento em que se começou a dizer mal do leite. Muitas delas têm imenso açúcar. São deliciosas, mas não são leite."
7. Proteína, à vontade. Hidratos, adeus
Proteína e salada sem limites. Quanto ao segundo, tudo bem. Mas o consumo excessivo de proteína — uma característica comum de muitas dietas da moda que restringem ao máximo os hidratos de carbono — não faz bem ao corpo.
"As dietas hiperproteicas fazem mal aos nossos rins. É mau para os nossos rins serem obrigados a filtrar excesso de proteínas. Por isso, temos de ser equilibrados na composição dos hidratos de carbono, proteínas e gorduras", disse Isabel do Carmo. "E, sem dúvida, que os regimes em que há abolição de hidratos de carbono, são mais ricos em proteína."
A restrição dos hidratos surge a par da guerra contra o açúcar. "Quando se começou o ataque ao açúcar livre, dos doces — com razão, porque ele faz mal — acabou por abranger-se todos os hidratos de carbono, que têm uma composição e efeito completamente diferente", disse Isabel do Carmo. "E são necessários. Nós precisamos de cereais, que são hidratos de carbono. Podemos reduzir o consumo, porque cientificamente já percebemos que faz mal consumir em excesso, mas, de igual modo, também já percebemos que abolir não é vantajoso para a saúde. Devemos escolher bem as fontes e tirar os açúcares adicionados. Isso sim é importante. E é muito difícil."
É preciso considerar que os alimentos não servem só para engordar ou emagrecer. Eles cumprem outras funções e têm múltiplos efeitos no organismo, o que faz com que restrições e excessos criem desequilíbrios. Quer emagrecer? Tudo bem. Mas coma um pouco de todos os nutrientes, escolha bem as suas fontes, não deixe nada de fora e não se restrinja a um grupo alimentar.
9. Há alimentos que ajudam a emagrecer
São os famosos alimentos termogénicos que aumentam a temperatura corporal e que, por isso, são conhecidos por acelerar o metabolismo. São eles acatequina, cafeína e capsaicina, presentes no chá verde, café ou pimenta cayenne, em que está provado que são realmente capazes de fazer o organismo queimar mais calorias.
Mas daí a ajudarem-nos a perder quilos, já vai alguma distância. No caso do chá verde, particularmente interessante pelo seu efeito, com três chávenas, conseguem perder-se "na melhor das hipóteses", entre "70 a 100 calorias", explicou à MAGG Vitor Hugo Teixeira, nutricionista e investigador, ressalvando que o impacto é, de acordo com evidência científica, superior em pessoas asiáticas do que caucasianas.
Mas é isso: ajuda a despender mais algumas calorias, mas o valor não é muito significativo para emagrecer. E consumir estes produtos em excesso tem consequências, nomeadamente, e no que se ao chá verde, ao nível da pressão arterial e cardíaca.
10. Tomar suplementos é importante para garantir um bom aporte de vitaminas
Não é, salvo raras exceções. Se a alimentação for equilibrada e incluir a ingestão de frutas e vegetais, serão cumpridas as doses necessárias. "Vivemos numa época em que nunca na história da humanidade a alimentação foi tão boa, pelo acesso a tanta variedade de alimentos que nos fornecem tudo o que precisamos", explicou o médico de Medicina Interna André Casado.
Para quem esteja saudável e que faça uma alimentação variada, de base vegetal e mediterrânea, com gorduras insaturadas, com mais peixe e relativamente pouca carne, leguminosas, com uma exposição adequada ao sol não precisa de tomar suplementos".
E fazer este tipo de alimentação completa e consumir na mesma os suplementos não tem efeito algum. Isto porque o corpo tem uma capacidade limitada de reserva. "Quando estão preenchidos não armazenamos mais."
11. A água às refeições engorda
Teoria da conspiração que salta diretamente para o top 1 do absurdo. Não engorda, beba à vontade. "O valor energético da água antes de uma refeição é de zero calorias e durante a refeição tem exatamente o mesmo valor", explicou à MAGG Débora Pita. Ou seja, "beber água à refeição não traz qualquer acréscimo na ingestão energética diária e por isso não vai fazer engordar."