O cabeleireiro Vasco Freitas, um dos melhores a nível nacional que penteia celebridades como a modelo Sara Sampaio e a atriz Cate Blanchett, anunciou esta segunda-feira, 14 de setembro, que não vai participar na próxima edição do Portugal Fashion, que decorre entre 15 e 17 de outubro no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, dando assim voz ao setor para denunciar o trabalho gratuito no evento.

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Também em abril Vasco Freitas se tinha feito ouvir sobre a valorização dos profissionais do setor, a propósito da vulnerabilidade de muitos colegas de profissão à COVID-19, quando continuaram a cuidar da imagem de "Cristinas Ferreiras, Júlias Pinheiros", como disse na altura. Agora, é no contexto daquela que será a 47.ª edição do evento realizado pela primeira vez em julho de 1995 — e cujo objetivo é dar visibilidade a nível nacional e internacional a criadores portugueses na área da moda — que diz "adeus" ao Portugal Fashion, ao fim de cerca de 12 anos e cerca de 30 edições, em prol dos seus valores.

"É com muita pena, mas convicção nos meus valores que deixo de fazer parte do Portugal Fashion especialmente por duas razões", disse o cabeleireiro no Instagram. "Não pago para aparecer, não pago para ter protagonismo e não pago quando eu a minha equipa merecem ser pagos. Ou sou convidado pelo meu valor ou então não estarei presente, nem aceitarei que façam isso por mim. Por isso, visto a camisola em todos os projectos que me entrego, neste caso a moda nacional", apresenta como primeira razão.

O segundo argumento, prende-se com o facto de não querer compactuar "com organizações ou direções de projetos, que por não conseguirem ou saberem fazer o seu trabalho ou gerir apoios que venham de fundos do Estado", diz, tentem "buscar sustento às equipas de trabalho".

"O Portugal Fashion decidiu ir aos bastidores ganhar dinheiro com as equipas de trabalho"

A organização do Portugal Fashion está a cargo da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), que Vasco Freitas, em conversa com a MAGG, acusa de não fazer uma boa gestão do dinheiro recebido para o evento. "O Portugal Fashion é um evento que recebe fundos do Governo e da Comunidade Europeia para investir na moda e nos criadores de autor em Portugal. Agora, como não consegue arranjar patrocinadores, porque já perdeu o crédito de alguns deles, de futuros patrocinadores que já não acreditam no evento e a própria imprensa não dá cobertura, decidiu ir aos bastidores ganhar dinheiro com as equipas de trabalho, sendo que não interessa se és bom ou o teu portefólio. Interessa se pagares para lá estar", diz o cabeleireiro que já esteve presente nas edições de Milão, Nova Iorque, Paris, e Londres.

É precisamente o seu portefólio, construído com esforço e que é, como diz, "o melhor portefólio de sempre na história dos cabelos em Portugal", que levou Vasco Freitas a preferir a dignidade à presença no evento que ao longo do tempo foi também perdendo criadores. "Se vir bem, nos últimos cinco anos conte os criadores que o Portugal Fashion perdeu e ainda vai perder", lembra.

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Casos dos designers Nuno Baltazar e Carlos Gil, que saíram há cerca de quatro edições, todos pela mesma razão: o cansaço de "os atores principais nunca serem tidos em consideração quando o evento existe graças a essas pessoas", diz Vasco Freitas.

Contactado pela MAGG, o PR & Communications Manager do Portugal Fashion, André de Atayde, indica que, ao contrário do que relatado pelo cabeleireiro, a organização não tem visto muitos criadores e profissionais a desistir de participar no evento. "Pelo contrário, temos até entradas de novos designers e marcas no calendário", revela.

Para onde vão os 2.980.311€ do fundo atribuído ao Portugal Fashion?

Vasco Freitas refere na publicação, bem como à MAGG, que o Portugal Fashion recebe financiamento público. Trata-se do financiamento do Portugal 2020, no âmbito do Compete 2020 — Programa Operacional da Competitividade e Internacionalização, com fundos provenientes da União Europeia —, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

Para o projeto Portugal Fashion 2019/2020, foram atribuídos 2.980.311€ pelo fundo europeu, de acordo com os dados fornecidos pelo Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, Compete 2020. Este montante é substancialmente menor do que aquele que fora atribuído no biénio 2017-2018: um valor de 4.637.607,33€.

André de Atayde, responsável pela comunicação do evento, explica que este financiamento é "devidamente acompanhado e monitorizado pelas entidades competentes" e que a maior fatia do fundo vai "para as ações de apoio aos designers de moda portugueses que integram a plataforma do Portugal Fashion, bem como para a internacionalização da moda portuguesa".

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Já na versão do cabeleireiro, a gestão não é tão bem gerida como indicado pelo PR & Communications Manager conta, embora reconheça que esta é a primeira vez que há uma procura de "sustento" nos bastidores. Ainda assim, ao longo de várias edições, Vasco revela ter suportado custos e que apenas conseguiu um patrocinador nos últimos três anos que lhe forneceu equipa e produtos.

"Nós antes tínhamos um patrocinador, o Portugal Fashion não tinha essa despesa, porque o patrocinador pagava os cabelos ou a maquilhagem. Neste momento, o Portugal Fashion não quer saber se as pessoas que lá estão são pagas, se o trabalho é dignificado. Vamos para lá a vestir a camisola do Portugal Fashion. Depois, aparece alguém que dá dinheiro e 'adeus e até logo'. Resumidamente, estão a cuspir no prato onde comem", explica Vasco sobre o porquê da sua revolta. "Simplesmente, nós precisamos é do dinheiro".

Perante o que anunciou nas redes sociais, os criadores contactaram o cabeleireiro no sentido de dizer que esperam contar com ele, independentemente da sua relação com o Portugal Fashion. Vasco Freitas, que trabalha há vários anos com personalidades nacionais ligadas à moda, revela que não vai deixar de apoiar os criadores, mas apenas não assina pelo evento.

"Estou com a moda portuguesa, com os criadores nacionais, façam eles desfiles numa garagem, ou onde quer que seja. Eu estou com a moda nacional e vou ajudá-los em tudo o que estiver ao meu alcance", diz.

O que mudou para Vasco dizer "adeus" ao Portugal Fashion depois de trabalhar muitas vezes "sem receber nada"?

Tal como havia dito no Instagram, durante os anos em que se dedicou ao evento, Vasco trabalhou com "amor, paixão e dedicação sem olhar a lucros e patrocínios, muitas vezes trabalhando sem receber nada". Mas, afinal, o que mudou agora?

"O gabinete de imprensa não funciona e diz que, como não há imprensa, porque, como deve imaginar, os patrocinadores não vão investir em vão para sair nas redes sociais, eles próprios fazem a divulgação. O gabinete de imprensa é péssimo. Se vir bem, qual é a imprensa internacional que vem ao Portugal Fashion? Para a própria projeção de um canal de televisão, o Portugal Fashion tem de lhe pagar", refere e continua: "Depois, tem uma organização que o próprio Governo e internacionalmente já se está a cortar, porque o dinheiro é mal gerido. Por isso é que as pessoas estão há mais de um ano para receber", denuncia.

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Vasco relata que alguns criadores das últimas edições nem água tinham nos camarins e que as coisas nunca corriam como planeado. "Chega-se a um ponto em que agências de modelos e equipas de produção recebem ao fim de um ano e meio, quando recebem. Profissionais que são a bandeira daquilo e agora somos como marionetas ou chicletes, mastiga e deita fora", diz à MAGG.

Acima de tudo, a revolta de Vasco Freitas é pelo facto de a sua profissão não ser dignificada, tal como a de muitos profissionais envolvidos no Portugal Fashion. "Já há muitas coisas a acontecer. Não só com os cabeleireiros, mas também com os criadores", termina.

Já do lado do Portugal Fashion e segundo o PR & Communications Manager este "é um evento profissional que procura ter sempre as melhores marcas e as melhores pessoas a trabalhar", defendendo assim a organização do Portugal Fashion das acusações. André de Atayde acrescenta ainda: "Não recorremos a trabalho voluntário e tentamos sempre que essa seja também a norma de todas as marcas que trabalham connosco".