"Gostei demais. Entreguei-me demais. Fiz demais. Por uma pessoa que simplesmente queria o conforto e o bem-estar pessoal. A partir do momento em que tu não podes dar a tua opinião e não podes ter liberdade sequer para sair, conversar, falar, tu simplesmente vives num medo constante", revela Liliana Oliveira, concorrente da segunda edição do programa "Casados à Primeira Vista", da SIC.
Liliana já esteve casada, relação de onde nasceram dois filhos, mas que acabou por causa do seu vício com o trabalho. Depois da separação, teve um novo relacionamento que ficou marcado pela violência, tanto psicológica como física, tal como confirmou ao neuropsicólogo do programa, Alexandre Machado. "Sofreu violência psicológica?", pergunta o especialista. "Todo o tipo de violência", responde Liliana. "É alguém que nem sequer cá devia de andar".
"A violência doméstica é um crime. Está enquadrado no código penal português", esclarece à MAGG Daniel Coutinho, psicólogo e responsável pela área de violência de género e doméstica na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).
A violência doméstica tem vários contornos. Pode ser física, mas também sexual ou psicológica — de que é exemplo tambem o caso da concorrente Liliana, de 37 anos, que naquele período da sua vida não tinha liberdade de expressão ou decisão.
"É algo que acontece na intimidade e é sempre uma forma de controlo e de poder de alguém que acredita alegadamente que é mais forte", refere o psicólogo da APAV.
Como Liliana, há muitas mulheres e homens que sofrem diariamente de violência doméstica. De acordo com o último relatório da APV, no ano passado registou-se uma média de 5.173 mulheres e 854 homens vítimas de violência doméstica. Tudo isto em apenas 365 dias.
Estes são apenas os números conhecidos dos casos que foram reportados à APAV. Mas há muitos mais cujas histórias nunca chegam a sair do cenário onde acontecem os episódios de violência doméstica.
"Tens que mostrar um sorriso ao mundo. Porque o que vai dentro da tua casa ninguém tem que saber", diz Liliana no programa, que é exemplo desses números desconhecidos.
O que é que acontece quando um vítima procura ajuda na APAV
"Tenta-se reconstituir do ponto de vista factual o que é que aconteceu. Avaliar o grau de risco é fundamental, para tentar perceber que tipo de violência é que representa e sobretudo em que é que ela pode culminar. Ao mesmo tempo, com base nestes detalhes, é construído o plano de segurança pessoal, que vai sendo avaliado e reavaliado pelos profissionais dentro da organização. Além disso, encaminhamos para outras organizações e entidades público-privadas, como o tribunal ou a saúde, para poderem apoiar nas diversas vertentes", explica Daniel Coutinho.
O especialista acrescenta ainda que numa situação de grande risco, as vítimas devem contactar as autoridades policiais, através, por exemplo, do número de telefone de emergência 112.
"Aquilo que acontece muitas vezes é que as vítimas desculpabilizam o ato de violência do agressor, dando mais uma oportunidade e até, na grande maioria das vezes, culpabilizando-se sobre o que está a acontecer, pensando que se calhar erraram", diz à MAGG o psicólogo.
"Nós não devíamos desculpar sequer. Desculpei três anos. Foram três anos de vezes demais", confessa Liliana no diário desta segunda-feira, 14 de outubro, do programa "Casados à Primeira Vista".
O problema, como explica Daniel Coutinho, é que a violência é uma espécie de ciclo: "Há momentos de grande tensão e depois a chamada lua de mel, em que o agressor pediu desculpas e durante algum tempo as coisas voltam ao normal". O problema é que nunca voltam ao normal, nem é uma vida normal.
Só que não é só o medo de reportar o caso de violência que trava as mulheres de colocarem fim aos abusos. Quando há filhos envolvidos, muitas acabam por aguentar a violência doméstica.
"Tens dois filhos que não se podem aperceber de nada. E nos dias em que eles estão em casa contigo, a relação é fantástica, maravilhosa, um mar de rosas, mas que na realidade quando deitas-te na cama o mundo cai", conta a concorrente Liliana Oliveira.
Mas por muito que se queira proteger os filhos, muitas vezes é inevitável porque dentro da mesma casa também eles estão expostos à violência de várias formas: "No dia a seguir a algo mau ter acontecido, a disponibilidade do pai e da mãe não é a mesma. Estão mais tristes, não querem conversar ou apresentam marcas", refere o especialista.
Apesar de não haver forma de evitar que os episódios de violência doméstica se iniciem, há formas de travar a progressão. Como? Estando atento aos primeiros sinais: "Quando o outro não respeita o nosso não, isto já é uma forma de violência", exemplifica Daniel Coutinho.
Mas há mais alertas: a partir do momento em que as pessoas se sentem controladas, em que sentem que os seus desejos não são respeitados ou em que a outra pessoa passa a querer controlar os seus movimentos. Estes são alguns dos atos dos agressores que precedem a violência física e sexual.
Liliana está a tentar restabelecer a vida ao lado de Pedro Pé Curto, com quem casou no programa "Casados à Primeira Vista", mostrando que é possível dar a volta aos casos de violência doméstica.
Para ultrapassar um relacionamento violento, é importante que as vítimas procurem acompanhamento. Contudo, "sabemos que a saúde mental em Portugal não é um prato forte, nem é uma das áreas mais apoiadas na saúde".
Ainda assim, o psicólogo da APAV salienta que "é fundamental que as pessoas procurem ajuda psicológica para que possam reconstruir-se" e estabelecer novos vínculos afetivos e amorosos.