O fim de ano é, invariavelmente, sinónimo de retrospetivas. E no que toca à televisão e às séries, a história não é diferente, especialmente num ano atípico em que a indústria televisiva parou totalmente, por alguns meses, devido à pandemia. No entanto, houve muitas produções a estrear-se e muitas delas surpreenderam ao ponto de fazerem parte das listas das melhores séries do ano da crítica internacional. É o caso de "The Crown" ou "Better Call Saul" que, devido à sua qualidade técnica, são sempre escolhas seguras.

São também as minhas que, enquanto entusiasta de televisão, segui atentamente. Enquanto "Better Call Saul" é a melhor série da televisão atualmente em emissão, mesmo que seja ignorada pelos prémios principais, "The Crown" conseguiu a proeza de surpreender novamente com a melhor temporada da série até agora — ao focar-se nas figuras de Diana Spencer e Margaret Thatcher que, juntas, roubaram o protagonista a Olivia Colman no papel de rainha Isabel II.

"Normal People". A série dolorosa que conta uma história de desamor que também podia ser nossa
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"Normal People", da Hulu, mas que em Portugal está disponível na HBO, é outra das minhas escolhas para as melhores do ano devido à sensibilidade com que retrata a relação de dois jovens que, apesar de se amarem, estão condenados ao desamor e ao desencontro por não conseguirem comunicar e viverem danificados cada um pelos seus demónios.

No que toca às desilusões, "The Undoing" está no topo da minha lista por ser mais uma série de David E. Kelley com grandes falhas narrativas e clichés em soberba que só são ignorados porque o elenco é de luxo.

De "Normal People" a "The Crown", estas são aquelas que considero serem as melhores séries e as grandes desilusões do ano.

As melhores séries do ano

• "Better Call Saul" (Netflix)

Ainda que “Breaking Bad” tenha chegado ao fim em 2013, isso não quer dizer que os fãs se tenham esquecido das personagens icónicas que deram vida à série. Daí que não seja surpreendente que “Better Call Saul”, o spin-off que serve como prequela à série mãe, tenha sido recebida como entusiasmo pela crítica durante a estreia dos primeiros episódios.

Bob Odenkirk (“Nebraska”) dá vida a Saul Goodman que, no início da história, ainda usa o nome real — Jimmy McGill —, e que tenta ao máximo conquistar o seu espaço enquanto advogado num meio completamente dominado por várias firmas que têm muitos mais recursos para conseguir aceitar todo o tipo de casos que Jimmy, à partida, não conseguiria.

A série vai já em cinco temporadas e é, ano após ano, a melhor série em exibição na televisão. Infelizmente, continua a ser ignorada nos prémios principais.

• "The Good Lord Bird" (HBO)

A série que elevou Ethan Hawke ao estatuto de Deus na Terra. Adiada por duas vezes pela Showtime, está na HBO desde outubro e desde então que tem passado despercebida. A história acompanha a figura de John Brown, um homem religioso e que decide combater a escravatura à pancada — matando e perseguindo todos os que mantinham escravos nas suas propriedades e lucravam do tráfico.

Entre o drama e a tragédia cómica, "The Good Lord Bird" faz um retrato da América racista e intolerante que, décadas depois, continua a fazer sentido revisitar. Será uma das fortes concorrentes aos Emmys, assim como Ethan Hawke, o protagonista.

• "Gangs of London" (HBO)

Alucinante, perversa e densa. Assim é "Gangs of London", sobre o submundo do crime, em Londres, que é deixado em alvoroço depois de um poderoso chefe da máfia ser assassinado de forma aleatória e violenta. A história não é nova, mas a forma como é contada — e, acima de tudo, filmada — dá uma tensão palpável a cada diálogo e a cada cena de pancadaria cuidadosamente coreografada ao pormenor para que não haja falhas amadoras.

Além de considerar uma das melhores do ano, o quinto episódio é talvez das coisas mais alucinantes e violentas que vi este ano em televisão.

• "Harley Quinn" (HBO Max)

Depois de ter visto "The Flight Attendant" com Kaley Cuoco no papel principal, segui para "Harley Quinn", a série animada da DC, com a atriz a emprestar a voz à carismática vilã. A série é violenta, cómica e hilariante nos momentos altos e mais intensos.

Para quem é fã do universo da DC, a produção não desilude ao seguir as peripécias de uma Harley Quinn desgostosa, mas emancipada.

• "I May Destroy You" (HBO)

Uma mulher é abusada sexualmente numa noite e tenta, nos dias seguintes, perceber exatamente o que aconteceu e quem foi o responsável. Uma das séries mais importantes de 2020, e uma chapada valente em quem continua a culpabilizar vítimas de abuso sexual.

Excelente interpretação de Michaela Coel que além de ser a protagonista, também escreve.

• "Kalifat" (Netflix)

Há poucas séries capazes de replicar o mesmo grau de tensão que sentimos em "Segurança Nacional" quando Brody (Damian Lewis), um soldado americano radicalizado pela Al-Qaeda, se prepara para se fazer explodir dentro de um edifício onde estão presentes grandes figuras do Departamento de Estado dos EUA. E é precisamente essa a sensação que se sente desde o momento em que se carrega no botão de play para ver "Kalifat".

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Mas antes disso, há um ponto fundamental a reter: é que na série, a ação é anterior a 2017 e Raqqa, na Síria, ainda pertence ao autoproclamado Estado Islâmico (EI). A série foi muito pouco coberta em Portugal, mas já na altura da estreia, em abril, a MAGG escreveu um artigo sobre ela a recomendá-la.

Desde então que houve mais séries, todas elas únicas à sua maneira, mas "Kalifat" continuou-me na memória pela forma como aborda uma história de radicalização e de consequências — muitas delas fatais.

• The Crown" (Netflix)

A nova temporada de "The Crown" é a melhor da série até agora. As portas do palácio de Buckingham voltaram a abrir-se aos fãs que, nesta nova temporada, viram a figura de Diana Spencer e Margaret Thatcher roubar protagonismo àquela que detém já o maior reinado da história da família real britânica.  Ainda que a série esteja garantida na corrida às categorias principais das próximas edições dos Emmys e dos Globos de Ouro, a forma como ambas as personagens são mostradas na série fazem antever que "The Crown" irá também ser uma forte candidata às categorias técnicas.

É que, uma vez mais, o trabalho da equipa de roupa e maquilhagem é de um cuidado extremo ao tentar assemelhar as atrizes às figuras a que se propuseram dar vida e alma.

• "Normal People" (HBO)

Na génese, "Normal People" não é mais do que um ensaio documental — revestido de ficção — sobre como dois miúdos, que se vão descobrindo à medida que vão crescendo, mantém uma relação amorosa num contexto e num mundo que não controlam. Inicialmente, ele é o tipo popular da escola. A mãe é empregada de limpeza da família da rapariga por quem se apaixona. Esta, por sua vez, é a miúda introvertida, mas de personalidade forte. Vem de uma família rica e altamente disfuncional, de quem todos adoram fazer troça.

E embora o foco da série esteja nas falhas de comunicação do casal, que acaba separado por diversas vezes e a conhecer novas pessoas só para, mais tarde, voltarem a tentar uma relação, há uma decisão ponderada dos argumentistas de não nos atirar nada à cara. Porque, na verdade, o que se passa ao longo dos 12 episódios é muito mais do que uma história de desamor.

É, acima de tudo, sobre jovens que evoluem no meio do trauma. Ela devido à família e ele devido a um acontecimento trágico que acontece a meio da temporada.

• "A Generala" (OPTO SIC)

O seu nome é Maria Luísa (em jovem interpretada por Carolina Carvalho e em adulta por Soraia Chaves) e existiu duas vezes. Numa primeira vida cheia de mágoa e dor, e numa segunda assumindo uma identidade e um género que não lhe pertenciam, mas através dos quais tentou tomar para si aquilo que, até então, estava ao alcance dos homens ao assumir a identidade do irmão e tornar-se militar do exército português.

Quando se fala na necessidade de apoiar aquilo que é a ficção nacional, é importante que não se ignore quando vão surgindo coisas interessantes e muito bem feitas. Com o coração no sítio certo, no fundo. "A Generala" é tudo isso. Digo-o desde o primeiro dia.

• "The Mandalorian" (Disney+)

A série em formato live-action pertencente ao universo fantástico criado por George Lucas transporta para a televisão com sabres de luz e nas aves espaciais. E porque há uma geração "Star Wars", composta por pessoas que colecionam cromos, pósteres, bonecos e que sabem a ordem correta de todos os filmes da saga, espera-se que esta seja uma das séries que mais discussão vá gerar por esta internet fora. E facilmente se percebe porquê.

Além de a história passar-se entre a trilogia original e a mais recente (que ainda ninguém percebeu muito bem sobre o que realmente é), tem um elenco de luxo e conta ainda com a figura fofinha do Baby Yoda. A forma como consegue capitalizar na nostalgia do franchise, numa segunda temporada ainda de maior qualidade face à primeira, fazem desta uma escolha óbvia.

• "Ted Lasso" (Apple TV+)

Para Ted Lasso está sempre tudo bem. Mesmo quando, não sendo treinador de futebol, é contratado para dirigir uma equipa inglesa; mesmo quando a mulher decide terminar o casamento; e, principalmente, quando tudo à sua volta parece desmoronar.

A haver um ranking de séries fofinhas do ano, esta estaria em primeiro lugar — especialmente num contexto pandémico em que o mundo já é suficientemente assustador.

• "Ramy" (HBO)

Uma surpresa alavancada pelo sucesso nos Globos de Ouro. A série de comédia mostra o dilema de um jovem dividido entre o Islão e os millennials que, tal como ele, parecem viver sem consequências e em contradição direta face àqueles que são os ensinamentos que lhes moldam a fé.

Depois de duas temporadas muito bem construídas, "Ramy" é uma das séries do ano pela forma humorísticas, mas nem por isso menos séria, como aborda aborda temas como a religião, a fé e o livre arbítrio.

• "Ozark" (Netflix)

"Ozark" é uma das melhores séries da Netflix que regressou para uma terceira temporada numa história cheia de reviravoltas que envolve esquemas mesquinhos, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.

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A história acompanha a família Byrde que é obrigada a mudar-se para uma localização remota dos EUA depois de contrair uma dívida enorme a um cartel mexicano durante uma operação de lavagem de dinheiro. Há perseguições, mortes bizarras, planos fantásticos e vilões carismáticos. A nova temporada é das melhores da série — talvez a mais negra, mas também por isso entusiasmante.

• "Unorthodox" (Netflix)

Estreada a 26 de março, a série conta apenas com quatro episódios que vão desde o momento em que a protagonista, inspirada na própria Deborah Feldman, se apercebe do conflito moral de pertencer a uma comunidade na qual não se revê, até à decisão de deixar tudo para trás.

Mas porque o trabalho de adaptação de um projeto literário para a televisão implica sempre alguma liberdade criativa, há alguma ficção na história da série da Netflix. A boa notícia é que os argumentistas fizeram um excelente trabalho ao dar corpo à tensão opressiva vivida pela personagem.

As grandes desilusões do ano

• "The Undoing" (HBO)

"The Undoing" acompanha a vida de Grace e Jonathan Fraser que, no arranque da história, parecem viver a vida que sempre quiseram e sonharam enquanto casal. No entanto, a noite traz um reviravolta terrível quando uma morte violenta e aleatória faz espoletar uma série de acontecimentos que prometem mudar para sempre as suas vidas. 

No entanto, é só mais uma série de David E. Kelley repleta de clichés que o próprio tenta disfarçar através de um elenco de luxo. Hugh Grant está excelente aqui, Nicole Kidman está igual a si própria (é um elogio), mas toda a série foi desinteressante, sem me cativar pelo mistério, e com um final risível que envolveu uma perseguição de helicóptero. Oi? Como disse? Pois.

• "Space Force" (Netflix)

Imagine uma espécie de "The Office", mas no espaço. Assim prometia ser "Space Force", a nova série com Steve Carell como protagonista que, na pele de um general condecorado pelos EUA, vê-se a liderar a divisão da Força Espacial da nação.

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E é uma série inspirada em Donald Trump quando este, já como presidente, anunciou a criação de um novo departamento das forças armadas norte-americanas para descobrir o espaço.

No entanto, o humor é forçado, as personagens desinteressantes e a série, regra geral, muito fraca. No entanto, já está confirmada uma segunda temporada.

• "Run" (HBO)

Criada por Vicky Jones e produzida pela criadora de "Fleabag", a história foca-se na protagonista que decide deixar toda a sua vida para trás para revisitar o passado com o namorado da faculdade. É que há cerca de 17 anos, os dois fizeram um pacto: se um deles enviasse uma mensagem ao outro com a palavra "Run" ("corre", em português) e o outro respondesse com a mesma palavra, ambos estavam obrigados a deixar tudo para trás e a partir juntos para uma viagem pelos EUA.

Embora a premissa parecesse interessante, a série falhou na forma como criou as suas personagens cujas ações deixaram de fazer sentido para os espectadores logo a partir do terceiro episódio. Numa altura em que há cada vez mais séries a competir pela nossa atenção, fica difícil quando uma não consegue cativar de início. É pena.