Ainda antes de o bebé nascer, há uma questão que não sai da cabeça dos pais: "Será que vai dormir bem?". O sono é um dos temas mais polémicos no mundo da maternidade, e também um dos que suscitam mais dúvidas. E se tudo está bem se tem a sorte de ter um bebé que dorme sem problemas, todos os que são pais sabem que o contrário é um dos maiores desafios que se pode enfrentar nos primeiros tempos de vida de uma criança. Até porque o défice de sono dos adultos consegue condicionar praticamente tudo o resto.

As opiniões da sogra, da mãe, da amiga e da vizinha do lado são tantas ou mais que as muitas teorias que existem sobre o sono dos bebés. Mas há uma em especial que leva à loucura muitas mães e pais que tentam de tudo para consolar e adormecer um bebé que não o faz por nada deste mundo, e acabam por recorrer ao colo. Já adivinhou? Falamos da ideia de que o colo vicia um bebé, e de que recorrer a este ato para adormecer a criança vai fazer com que o bebé nunca consiga adormecer sozinho sem este recurso.

Mas será que há validade nesta teoria? Constança Cordeiro Ferreira, terapeuta de bebés no Centro do Bebé e autora do livro "Os Bebés Também Querem Dormir", recusa por completo a ideia de que o colo vicie uma criança e que dificulte o sono no futuro. "Não, darmos a um bebé o que ele precisa, como o colo, para uma transição pacífica, fácil e tranquilizadora para crianças e adultos na entrada do período de sono, não vai criar um problema no futuro. Pelo contrário, provavelmente vai criar uma boa relação com o ato de adormecer", explica a terapeuta à MAGG.

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Para começar, Constança Cordeiro Ferreira salienta que é importante perceber que um bebé pequenino, nos primeiros meses de vida, ainda se está a habituar à vida fora do útero. "Um bebé que acabou de nascer está em transição do útero para o mundo. É mais do que natural que, nesse período, o bebé 'peça' muitos dos fatores de regulação que eram a realidade do habitat de onde vem, que o acalmavam antes do nascimento".

E que fatores neuroregulatórios são esses no mundo exterior, que podem imitar ou substituir o que se passava na barriga das mães, e que ajudam os bebés a manterem-se calmos e regulados? "São muito frequentemente o colo, a sensação de contenção e organização que o contacto físico e o estar em braços oferece ao bebé", diz a terapeuta, o que só reforça a importância do colo.

constança bebe
Constança Cordeiro Ferreira é terapeuta de bebés e autora de vários livros sobre parentalidade créditos: Constança Cordeiro Ferreira / Facebook

Além deste fator, também o embalo e a sucção são necessários para um bebé ficar calmo e regulado. "A sucção é muito importante. Quando falamos da mama, para além dos componentes do leite materno ajudarem muito na transição para o sono, também o ato de mamar ou adormecer a chuchar permite uma transição mais tranquila, dado que a sucção é um poderoso neuroregulador", afirma a especialista.

"Habituar um bebé a ter autonomia é como se lhe pedíssemos para uma falar uma língua estrangeira desde que nasce"

Para além da ideia de que o colo vicia, existe a noção de que devemos habituar os bebés a certas rotinas desde cedo, como adormecer no berço a uma determinada hora, por exemplo. Para Constança Cordeiro Ferreira, esta noção não podia ser mais descabida.

"A ideia de que temos de habituar um bebé a fazer determinadas coisas, nomeadamente em termos de autonomia, está completamente ultrapassada e desmentida pela ciência, apesar de continuar muito presente na cabeça das pessoas. Na minha opinião, e baseando-me na minha experiência profissional, que inclui trabalho com bebés inconsoláveis e que choram muito, esta ideia é completamente ridícula. Habituar um bebé a ter autonomia é como se lhe pedíssemos para uma falar uma língua estrangeira desde que nasce", reforça a terapeuta.

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Para a especialista, que recorda que os primeiros tempos de vida de um bebé são um período de "máxima necessidade", os pais precisam de fazer as pazes com o ato de adormecer, e não devem ter medo de fazer o que o bebé necessite, mesmo que isso signifique muito colo.

Constança Cordeiro Ferreira explica que se deve dar ao bebé "aquilo que ele pede para entrar tranquilo num estado de sono, independentemente do que isso signifique, porque os bebes são diferentes".  A terapeuta salienta que "há bebés que adormecem muito facilmente, outros para quem o momento do adormecer é o mais complicado do dia, mais difícil".

No caso de uma criança com mais dificuldades em adormecer, a especialista alerta que é imperativo que o bebé esteja "organizado e tranquilo", caso contrário, a transição para o sono vai ser pior. "Os pais têm de sentir libertos para darem aquilo que sentem que irá facilitar a transição para o sono e aquilo que sentem que o bebe está a pedir para se manter calmo. Isso será o melhor ponto de partida para tudo, inclusivamente para a autonomia futura. E desde que as crianças criem uma boa relação com o sono, tal não será, à partida, um problema no futuro."