O Samurai, Samu para a família, tinha 3 anos quando foi adoptado. Em mais de mil dias de vida, nunca tinha conhecido mais nada além do Cantinho da Milú, uma associação protetora de animais situada em Setúbal. Estávamos em 2015. Na altura eu estava longe de conhecer o Nuno e o Samu, e o Nuno e o Samu estavam longe de saber que as suas vidas estavam prestes a mudar.
Depois de visitar várias boxes com cães, o Nuno cruzou o olhar com o Samu. Assim que a porta se abriu, o cão que toda a gente ainda hoje insiste em perguntar se é um Pastor Alemão bebé — não é, nem Pastor Alemão nem bebé — desatou a correr e saltou-lhe para o colo. Estamos a falar de 20 quilos de cão. Pois bem, foi amor à primeira vista. E perdura até aos dias de hoje.
O Samu tem uma gratidão para com o Nuno que é visível todos os dias, nos mais pequenos gestos. Além de o seguir para todo o lado, de lhe obedecer e de praticamente nunca fazer disparates, fica de coração partido quando o dono sai de casa e em êxtase quando volta — mesmo que tenham sido apenas cinco minutos. O seu olhar brilha como eu nunca vi o olhar de um cão brilhar. É gratidão. Genuína, verdadeira, única. É amor, na sua forma mais pura.
Esta quarta-feira, 19 de fevereiro, o cavaleiro João Moura foi detido por alegados maus-tratos a animais. Da sua propriedade foram retirados 18 cães, visivelmente subnutridos. Nove galgos deram entrada no Cantinho da Milú, a casa que um dia foi do Samu e que luta todos os dias para sobreviver.
As imagens são chocantes, e não existem palavras suficientes capazes de descrever o que me veio à mente quando as vi pela primeira vez. Mas porque acredito verdadeiramente que somos todos inocentes até prova em contrário, não vou tecer nenhum comentário sobre o caso. E defendo que ninguém deve fazê-lo também, pelo menos publicamente. Mesmo que, como eu, sejam contra as touradas, isto é, contra a profissão de João Moura, não vamos generalizar e cair em acusações fáceis. Nem todos os toureiros odeiam animais, nem todas as fotografias servem para culpar uma pessoa antes que as autoridades competentes o façam.
Mais do que criticar João Moura, ou a pessoa que deixou estes cães nesta situação dramática, vamos ajudar. Esqueçam os comentários no Facebook, as ofensas por email ou as conversas exaltadas com os amigos — ajudem. Como? De toda e qualquer forma que puderem. As doações são sempre bem-vindas: pode fazê-lo através deste IBAN PT50 0036 0043 9910 0460 8641 2 ou pela conta PayPal ocantinhodamilu.donativos@gmail.com. Se dinheiro é um problema, pode falar diretamente com eles e ver do que precisam neste momento. Às vezes um único saco de ração pode fazer a diferença — ou uma mãozinha num sábado à tarde, porque não?
É mais fácil estar do outro lado do computador a julgar. Eu sei. Da mesma forma que é mais giro largar 800€ para comprar um cão de raça só para ter um papel na gaveta — que passado um ano vai para o lixo, juntamente com o cão que afinal dá demasiado trabalho. Não sejamos hipócritas. Se somos contra estas imagens, se ficámos chocados e enraivecidos, então que façamos alguma coisa.
E não se esqueçam de adotar. Sempre. No Cantinho da Milú vivem atualmente 750 animais. E há raças, personalidades, jeitos e feitios para todos os gostos. Sempre sonhou ter um Pastor Alemão? Há lá um neste momento. Chama-se Rex, tem cerca de 3 a 4 anos, é sociável com outros cães e adora andar de carro.
Prefere um cão mais pequeno? Apresento-lhe a Ivy, nasceu a 21 de novembro do ano passado e tem uma cor de mel dourado que derrete o coração de qualquer um.
Prefere um gato? Também têm. Europeus, siameses… Talvez um coelho? Um porquinho da Índia? Estão todos no Cantinho da Milú, ou em qualquer outro abrigo, à espera de que um dia alguém os venha buscar.
Adotar é a forma mais verdadeira de gostar de animais. E nenhum dos argumentos que possa neste momento estar a conjecturar faz sentido. “Ah, mas eu queria um cão de uma raça específica”. Está lá, no Cantinho da Milú ou em qualquer outro abrigo para animais. Infelizmente, há cães para todos os gostos. “Ah, mas eu queria um cão bebé”. Muita vezes, eles estão lá também. Se não estiverem, porque não um cão com 7 meses? Ou até um ano? Tem uma vida toda pela frente com ele. “Ah, mas eu queria um cão com certificado”. Pois, certificado não há. Mas sabe o que é que, na maioria das vezes, também não há? Despesas médicas com as primeiras vacinas ou até a esterilização ou castração.
Podemos avançar? Ok, então agora falemos das vantagens. No caso dos cães, é habitual virem educados em coisas básicas, como por exemplo andar à trela. Em muitos sítios é também possível passar por um período de teste, ótimo para perceber se o animal se adapta a outros ou até a crianças. Os abrigos também conhecem o perfil dos seus animais, por isso pode escolher um que se adapte à sua personalidade — é que é ótimo que ele tenha um pelo brilhante como ouro, mas e se adora correr e no seu caso prefere um cão menos ativo, ou vice-versa? Pois. É nestes pequenos detalhes que às vezes dá asneira. Com bebés é uma lotaria, com a adoção nem por isso.
Sejamos melhores do que uma caixa de comentário no Facebook. Sejamos melhores do que a pessoa que colocou aqueles animais naquelas condições terríveis. Sejamos melhores, por favor.
Nota do editor: esta semana a crónica vem com uma fotografia do Samu. Não foi ele quem escreveu este texto, obviamente — a adoção tem coisas incríveis, mas ainda não tão incríveis —, mas esta é a sua história e não a minha. Partilhem-na: que haja cada vez mais casos como o do nosso menino, e cada vez menos como os dos cães de João Moura.
Agora passemos para os temas que marcaram esta semana. Para começar, foram cinco dias de conversas: a jornalista Mariana Leão Costa sentou-se à conversa com Mariana Monteiro, a atriz que trocou o Porto por Lisboa com apenas 16 anos para entrar numa novela chamada "Morangos Com Açúcar". Vários anos depois, é uma das atrizes mais requisitadas da atualidade e estreia-se no teatro com a peça "Romeu e Julieta". A ler.
Já Marta Cerqueira esteve com Eunice Maia, criadora da Maria Granel. "Tenho uma loja, mas não incentivo ao consumo", disse à MAGG. Depois de uma mercearia moderna a granel e a primeira loja física dedicada ao zero waste, lança um guia para que todos possamos assumir este lugar de guerreiro ambiental. A ler também.
A propósito do tema Marega, que está a marcar a atualidade, a jornalista Ana Luísa Bernardino foi tentar perceber quando é que começa a discriminação. É que ninguém nasce racista, não é verdade? Não. Mas está entranhado na herança genética da nossa cultura. Ainda ontem havia o ultramar, há dois dias tínhamos o colonialismo e há três a escravatura. Um trabalho deveras interessante.
Mas há mais: mostramos-lhe 19 casas que estão à venda com urgência — e a um preço de sonho, falámos com um oncologista sobre o cancro da mama nos homens a propósito do caso de Marco Paulo e descobrimos que a verdadeira cozinha italiana subiu ao último piso do El Corte Inglés.
Até para a semana.