Numa das paredes da entrada na Herdade do Touril, mesmo ao lado da receção, há quatro relógios. "As placas ainda não chegaram", explica-nos Luís Falcão, proprietário do espaço. Por cima de cada um dos relógios há de estar, em breve, o nome de três destinos: Sidney, Nova Iorque e Hong Kong. O quarto relógio estará identificado como Touril e, ao contrário de todos os outros, ajustados à hora local de cada país, vai estar parado. "É isso que nós queremos que os nossos hóspedes sintam, que o tempo aqui parou. Se conseguirmos isso, o nosso objetivo está cumprido."
Tive sérias dúvidas de que isso viesse a acontecer. Quando cheguei à Herdade do Touril, na Zambujeira do Mar, tinha a minha ansiedade em níveis históricos. Como pessoa organizada (e um pouco obsessiva) que sou, tinha planeado chegar à herdade por volta das 14 horas, depois de um belíssimo almoço na Zambujeira do Mar. Chegaria relaxada, feliz, tranquila, pronta para usufruir da minha estadia.
Infelizmente não foi isso que aconteceu. O meu querido namorado tem imensas qualidades, mas despachar-se não é uma delas. Depois de uma centena de snoozes (a sério, quem é que inventou esta calamidade?), um pequeno-almoço demorado e um banho ainda mais longo, já passava das 14 horas quando saímos de casa. Pronto, se calhar também contribuí para o seu relaxamento ao dizer que a Zambujeira do Mar ficava "para aí a uma hora de Lisboa". Não sou boa a calcular distâncias, ok?
Mas voltemos aos relógios. Com o olhar preso naqueles ponteiros, perguntei-me quando teria sido a última vez que senti que o tempo tinha parado. Honestamente? Não me lembro da resposta. A minha cabeça está sempre a processar a próxima tarefa a completar, mindfulness não é para mim e o ioga, meditação, Reiki, respirar profundamente, contar até dez e todas essas coisas stressam-me.
Teria a Herdade do Touril capacidade de fazer relaxar uma ansiosa inveterada como eu?
"O que é que mudou na Herdade do Touril? Tudo"
Foi uma jogada arriscada a que a Herdade do Touril fez quando, em outubro do ano passado, com o turismo ao rubro e as regras da sazonalidade todas trocadas, decidiu fechar para remodelações. Poderia ter continuado de casa cheia até ao verão seguinte? Provavelmente. Só que o espaço tinha 15 anos de história, precisava de um upgrade e Luís Falcão sentia que, em alguns casos, o preço já não justificava o que os hóspedes encontravam.
E foi assim que mudou tudo. "Só ficaram 12 coisas", explica Luís Falcão, começando a enumerar quadrados e fotografias que sobreviveram à remodelação. Tudo o resto foi alterado. As cinco casas da herdade, que totalizam 18 quartos duplos, foram todas remodeladas.
Mudou também a área de estar (o meu espaço favorito) e ainda a sala de jantar — que agora serve refeições todos os dias. A piscina exterior passou a ser de água aquecida, a zona relvada do jardim ficou maior e agora há uma lareira exterior e uma área de bicicletas tradicionais e elétricas. A Herdade do Touril voltou a receber hóspedes a 12 de abril e está pronta para mais 15 anos de história.
Não me atreveria a descrever a Herdade do Touril como um local feio antes da remodelação. Ainda assim, era de facto evidente que mais cedo ou mais tarde seria necessário subir um degrau — foi isso que aconteceu, mas o degrau transformou-se numa escadaria que, depois de subida, colocou o espaço num patamar mais elevado.
A decoração dos quartos está mais elegante, a receção dá as boas-vindas de forma muito mais simpática, mas é a sala de estar que mais surpreende. Foi-se o vermelho carregado nas paredes e o mobiliário clássico, vieram os tons mais leves, móveis contemporâneos e o restauro das peças que valiam a pena.
Gostei particularmente do que fizeram com a estante, que passou de uma madeira escura e triste para um azul claro que faz lembrar a praia. É aqui que funciona uma espécie de biblioteca comunitária, onde os hóspedes podem levar os livros que querem ler e deixar os que já leram. Uma ideia simples mas que funciona.
E não vamos esquecer os passeios de BTT. Alerta: não é romântico
Uma das grandes novidades da Herdade do Touril são os passeios de bicicleta. Se antes já se faziam por aqui, agora renovou-se a frota de bicicletas (a pensar nos profissionais) e investiu-se nas rotas. Mediante pedido há carrinhas à disposição dos hóspedes para os levarem a pontos específicos, mas quem quiser partir sozinho e independente também pode fazê-lo.
Foi exatamente isso que decidimos fazer no final da tarde de sábado. Ele: atleta, coordenado, adora BTT desde miúdo. Eu: trapalhona, com dificuldades motoras, odeio BTT desde miúda. Tentei convencer-me que iria correr tudo bem, e que o passeio até à praia poderia transformar-se numa experiência extremamente romântica e divertida.
Não foi. A uns bons metros dele (não vou arriscar uma distância, já percebemos que não sou boa nisso), passei o tempo todo aos "ais", a travar e a perguntar-me em voz alta porque é que com quase 30 anos ainda me metia naquelas aventuras. Depois de quase cair 322 vezes, 22 delas com a bicicleta parada, fizemos uma pausa junto a uma falésia. Romântico? Não, como trapalhona que sou sentei-me em cima de silvas e comecei a gritar outra vez.
Vá, não foi um desastre completo. Apesar de ter chegado transpirada, com dores e assustada com a quantidade de experiências quase-morte por que tinha acabado de passar, admito que até foi engraçado e que talvez até repetisse. Se calhar só não ia tão longe. E colocava uma almofadinha no banco.
O jantar dos cereais e o saco do adeus
Uma das grandes novidades da Herdade do Touril é o jantar, que agora é servido todos os dias. Foi na sala de refeições, onde também é servido o pequeno-almoço, que passámos o final do sábado à noite. Às 20 horas, apresentámo-nos para jantar numa refeição que começou com uma belíssima sopa de tomate e ovo escalfado. Seguiu-se o lombinho de porco preto com trilogia de cogumelos e puré de batata doce, também saboroso, e para sobremesa cheesecake de pistácio. Sou uma mulher de doces, portanto é claro que este foi o meu favorito.
Passei muito tempo a refletir sobre este jantar. Se por um lado não tenho dúvidas de que a comida era boa, por outro fico em dúvida com o preço — 30€ por pessoa. É verdade que este valor inclui as bebidas, abrangendo o vinho, o que geralmente não acontece. Mas continuam a ser 30€. Admito que, depois de tanto refletir, não cheguei a conclusão nenhuma — continuo dividida.
Na manhã seguinte, o pequeno-almoço foi servido na mesma sala — confesso que neste ponto já tenho alguma pena que assim seja, uma vez que estamos a jantar a olhar para os cereais que vamos comer no dia seguinte. Não podendo haver duas salas distintas, talvez fosse melhor que o ambiente tivesse uma transformação completa. A elegância das mesas está lá, é verdade (só dispensava os pratos a dizer Herdade do Touril, demasiado anos 90), mas os cereais podiam sair. Era só isso. Tirem os cereais.
Depois do jantar, o regresso é feito calmamente para o quarto. Digo calmamente porque, de facto, a Herdade do Touril é daqueles espaços que temos de aproveitar devagar. Não consegui livrar-me por completo do stresse: o tempo que passei na herdade não foi suficiente para desligar, e esse talvez tenha sido o meu maior arrependimento — não ter ficado mais tempo.
Mas não foi por isso que fui menos feliz. À noite, enquanto olhava para o sol a desaparecer no fundo da paisagem do meu terraço privativo, a ausência de wi-fi (a rede em geral era forte, mas em alguns sítios não funcionava; aquele era um deles) fez-me parar por uns momentos. Por uns momentos, por uns breves momentos, fui um bocadinho mindfulness e fiquei apenas a absorver o momento.
Na manhã seguinte, a despedida fez-se com um saco de pão alentejano. Se há hotéis que investem em miminhos de boas-vindas, a Herdade do Touril investe nos miminhos de despedida. Parece-me uma excelente ideia. Com o saco de pão no colo, ficou a promessa: voltar. Da próxima vez, espero, por mais tempo e com menos passeios de BTT.
*A MAGG esteve alojada a convite da Herdade do Touril