Quando temos vontade de ir à casa de banho, não pensamos duas vezes: simplesmente vamos. As vezes que quisermos, quando o corpo nos pedir. Mas com a comida não fazemos o mesmo: tentamos controlar a fome, tentamos enganá-la e ignorá-la. Com a saciedade, é igual: já estamos bem, mas continuamos a comer. Que canseira. É mesmo suposto ser tão difícil lidarmos com a fome e com a comida? É suposto a comida fazer-nos sentir tantas coisas, além da satisfação e energia?

Não. E é aí que entra a alimentação intuitiva, um método que permite fazer as pazes com o pão, massa, arroz, pizza, bolachas, carne, peixe calorias, macronutrientes e micronutrientes no geral.

O movimento surgiu nos anos 90, fundado por Evelyn Tribole e Elyse Resch. As nutricionistas americanas observaram um padrão comum nas suas consultas: os pacientes davam entrada para perder peso, seguiam dietas, mas, mais tarde ou mais cedo, os quilos regressavam e a forma de comer também. Havia qualquer coisa de errada — e não era com os pacientes, mas sim com o método das dietas.

Neste "método estruturado", o objetivo passa por devolver uma conexão real com o "corpo, mente e fome, de forma a que a pessoa não duvide da sua fome e de maneira a que tenha confiança nos alimentos”, explica à MAGG Joana Amaral, especialista neste método, autora do blogue "Fit Joanne".

Não, neste método não há planos alimentares, horas para comer, snacks para petiscar, alimentos proibidos e outros permitidos. Isto é o contrário disso: aqui reaprende-se a comer de forma natural, de acordo com aquilo que o corpo quer e precisa. É o método saudável anti-dieta.

Joana Amaral
Joana Amaral, especialista em Alimentação Intuitiva

Formada também em personal training e pós-graduada em nutrição, foi como estudante no Reino Unido que Joana Amaral percebeu que alguma coisa não estava a bater certo. Como todos os seus colegas, também ela pesava a comida, contava os seus macros, era uma "bíblia das calorias". Mas era isso que queria passar dos seus alunos?

Não. "Notei que toda a gente fala toda a gente da mesma forma de comida. E pensei que, se íamos estar a ensinar os nossos clientes, eles iam ficar iguais a nós: obcecados pelo corpo e pelo controlo da alimentação."

"Tinha de estourar esta cultura das dietas. Não era sustentável”

Joana começou nesta altura a refletir sobre a comida e a pensar no porquê de uma coisa que deveria ser tão simples, afinal ser tão difícil. Na sua cabeça, imaginou que o certo é respeitar a fome e a saciedade, ao invés de nos guiarmos por horários rígidos, que ignoram o organismo e que estabelecem horas de comer. Pensou que o certo é voltar aos tempos de criança, quando se come e deixa de se comer porque o corpo pede. Numa busca na Internet, deu de caras com estas mesmas conclusões no método da alimentação intuitiva.

O método ergue-se em dez princípios fundamentais, em dez mantras, a ser trabalhados junto de quem tem formação neste método. "Não têm de ser todos trabalhados ou sequer por ordem", explica Joana Amaral. No entanto, há um que é transversal a todos os casos: “É mesmo necessário rejeitar a mentalidade da dieta. É o principio basilar.”

  1. Rejeitar a mentalidade das dietas
  2. Honrar a fome
  3. Fazer as pazes com a comida
  4. Desafiar o polícia da comida
  5. Descobrir o prazer na comida
  6. Sentir a saciedade
  7. Lidar com as emoções e bondade
  8. Respeitar o corpo
  9. Valorizar o movimento
  10. Honrar a saúde

A capacidade em esquecer os automatismos gerados pela severa cultura da restrição é fundamental. É que nas suas mais variadas formas — do Keto ao Paleo — ela transforma a fome e a comida em obstáculos a uma vida plena. A cultura das dietas cria obsessões, cria listas de proibidos, põe a comida e a fome como inimigos número um. Não deixa sentir prazer ou sequer saúde. E o seu ciclo é quase sempre igual: querer emagrecer, começar a restringir, não aguentar e comer muito, e voltar ao início para um novo plano.

O fenómeno foi potenciado pela grande onde do fitness e nutrição que, com o aparecimento das redes sociais, cresceu exponencialmente. No entanto, hoje nota-se um shift: várias influenciadoras têm vindo a mudar aquilo que comunicam, dando conta de como a vida assente em restrições as prejudicou.

"Tinha de estourar esta cultura das dietas. Não era sustentável”, considera, acrescentando ainda que a nutrição deveria ser sempre acompanhada de uma vertente forte de comportamento alimentar. "Há profissionais que fazem união entre nutrição e comportamento alimentar fabuloso. Mas são poucos."

A cultura da restrição e do controlo alimentar levado ao extremo produz muitos efeitos nocivos, do ponto de vista físico e mental. Estar de dieta significa estar sempre a pensar em dieta. Significa obcecar sobre o que se deve comer e não se deve comer. Faz-nos planear milimetricamente cada refeição, contabilizando tudo o que temos no nosso prato, qual calculadora humana. Faz-nos ignorar a fome, faz-nos, em muitos casos, rebentar e comer este mundo e o outro, tal é a pressão.

Há mais: a restrição e controlo exacerbados promovem os sentimentos de culpa quando se come fora do plano, o que gera a jornada em busca de um falso equilíbrio. Exemplos: se comi isto ao almoço, vou comer isto ao jantar, se comi isto ao jantar, amanhã vou correr uma hora no ginásio. 

“Na cultura das dietas, tudo é uma tentativa de controlo de alimentação, seja o jejum intermitente, seja a dieta flexível, que são formas mais disfarçadas de controlarmos aquilo que ingerimos”, diz Joana.

Caso estes regimes não existissem, a alimentação intuitiva não seria um método, mas uma coisa muito mais simples: alimentação. “A alimentação intuitiva só tem este nome porque existe uma cultura das dietas. Caso contrário, seria nada mais nada menos, do que, simplesmente, alimentação: comer quando tenho fome e parar quando estou saciada. Não ficar com receio de comer e não ficar com receio de ter fome.”

Tudo se resume a voltar ao método mais natural de todos, esquecendo aquele que é “contra-natura”: “Comer é um ato natural. E as dietas fazem-nos controlar uma coisa que é natural, para que se torne não é natural."

"É muito importante começar a sentir biologicamente a nossa fome, assim como as nossas emoções."

O trabalho na alimentação intuitiva tem de ser mais estruturado, porque, para que se consiga novamente comer naturalmente, é necessário esquecer os gatilhos enraizados pelas dietas e é também necessário trabalhar questões internas. É preciso despir todos os preconceitos acumulados ao longo dos anos em relação à alimentação. É preciso saber escutar verdadeiramente o corpo.

Uma das etapas neste método passa, aliás, por voltar a compreender os sinais da fome e da saciedade, esquecidos pelo colossal esforço em ignorá-los.  “Compreender fome, saciedade e satisfação são conceitos que têm de ser compreendidos a nível, mental e físico. É muito importante começar a sentir biologicamente a nossa fome, assim como as nossas emoções.”

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É preciso fazer este exercício. "Num plano alimentar só posso comer às 8 horas e às 13 horas, só que às 11 horas tenho fome, mas vou ignorá-la. E isto acontece tantas vezes, que é provável que me esqueça do que é sentir fome. A longo prazo o que é que acontece? Amenorreias, anorexias, quedas de cabelo.”, diz.

Do outro lado da moeda, temos os episódios de compulsão alimentar e a fome emocional. Também estes dois aspetos são trabalhados no método da alimentação Intuitiva. “É preciso compreender a fome emocional. Perceber que necessidades básicas estamos a ignorar e que nos fazem comer para compensar”, diz Joana Amaral, que refere que é comum as pacientes estarem, em paralelo, em processos de terapia. “A nossa alimentação reflete quase sempre o nosso estado emocional.”

Joana Amaral descreve o padrão das clientes que a procuram: "A maior parte são mulheres, que têm muito stresse no trabalho e que estão presas num ciclo de restrição, não restrição. Estão em dieta, ou estão fora da dieta, com grandes episódios de verocidade", conta. "E há uma coisa que nunca as larga: a privação mental — ou seja, aquela sensação de que posso estar a comer, mas não devia. É preciso lutar contra isso."

Trabalhados os mandamentos da alimentação intuitiva, o grande objetivo do método passa por gerar uma automatização. “Uma alimentação que se baseie na intuição e na real vontade e necessidade do corpo”, explica.

E isso não significa que não possa comer quando não tem fome. Pelo contrário. Na alimentação intuitiva não existem proibições. “Temos de compreender que há fases e fases na vida. Há dias e dias. Há alturas em que nos vai apetecer comer um bolo ou um gelado. É super normal a pessoa associar comida a certos momentos, vivências e convívio na nossa vida. Não se pode negar isso."