Esta terça-feira, 6 de janeiro, Portugal registou 10.027 novos casos de COVID-19, o maior número desde o início da pandemia no nosso País. Para muitos especialistas — e para grande parte da opinião pública —, o aumento exponencial tem uma ligação direta com o abrandamento das restrições no período do Natal. Com o País a continuar em estado de emergência, são esperadas novas medidas restritivas. Mas caso os números continuem em rota ascendente, um novo confinamento também pode acontecer, alertam os especialistas.
"A ligação ao Natal pode ser feita e infelizmente tem que ser feita. E não é só por este valor [número de casos registados a 6 de janeiro]: percebemos, mesmo naqueles dias em que havia menos notificação e se faziam menos testes, que o número [de casos] praticamente duplicou. Passou de 11 mil infecções para 21 mil. Nesta altura – e eu tinha sido cauteloso com o valor na passada semana – percebi que já tínhamos tempo para ver as consequências do que se passou no Natal. Este valor traduz tudo isso. Ainda tinha dúvidas nos últimos dias, mas agora é claro", explicou ao "Público" o médico infecciologista António Silva Graça.
O especialista acredita que a implementação de novas medidas restritivas é necessária para estabilizar a pandemia, e defende o recolher obrigatório às 23 horas. No entanto, duvida da eficácia de a circulação e funcionamento de estabelecimentos comerciais ser permitida até às 13 horas. "Não me parece adequada, pois leva a que as pessoas se juntem muito num período horário mais limitado. Tem de ser dada prioridade ao trabalho – menos gente a circular – e, por outro lado, garantir um número suficiente de transportes públicos, para garantir que as pessoas não se juntam demasiado quando as utilizam", salientou o especialista.
Tal como já foi noticiado, o efeito Natal pode ser especialmente grave em Portugal, e muito devido às diferentes medidas implementadas no nosso País em comparação com outros países europeus, que apostaram em restrições fortes na quadra festiva. "Estivemos em contracorrente em relação a países que tomamos por ‘desenvolvidos’ ou ‘referências’, estou a pensar em concreto na Alemanha. Os países, de uma forma ou de outra, começaram a anunciar confinamentos para a altura do Natal e Portugal deixou a circulação de pessoas ao critério do bom senso de cada um", salientou Tiago Correia, especialista em Saúde Internacional, também ao "Público", que considera que a situação portuguesa antes do Natal estava "estabilizada".
Assim, Portugal estará a pagar a fatura dos convívios e contactos de dezembro. Sobre os números registados esta quarta-feira, Ricardo Mexia, presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Saúde Pública, diz serem "o preço do aligeirar de medidas durante o período de Natal" e considera o cenário "expectável", escreve o "Diário de Notícias". "Sabíamos todos que ia haver consequências."
O impacto no SNS
Depois do aumento exponencial de casos de infeção registados esta quarta-feira, todos os hospitais de Lisboa deverão, "de imediato, escalar os seus planos de contingência para o nível máximo" e "garantir a alocação de meios humanos à área dos cuidados críticos" de forma a maximizar a capacidade de resposta nas unidades de cuidados intensivos. Foi esta a medida comunicada pela ministra da Saúde, Marta Temido, ao presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) por e-mail, a que o jornal "Expresso" teve acesso.
João Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, sublinha que números como estes são incomportáveis para o SNS. "A confirmar-se que os dez mil casos registados são atuais e não qualquer somatório de testes que não foram realizados durante o período do fim de ano, estamos perante um número muito grave", explicou ao "Diário de Notícias", que confirmou posteriormente junto da DGS que os números são reais.
Assim, o intensivista alerta que o impacto destes novos casos poderá ser brutal "daqui a uma semana ou dez dias nos hospitais, nomeadamente nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI)" e defende também a necessidade de o governo de António Costa tomar medidas de imediato para reduzir a curva de transmissão da doença. "Neste momento, 94% das camas das UCI estão ocupadas, não há capacidade de resposta. Portanto é natural que se suspenda algumas atividades e que se aumente o número de camas para doentes COVID de forma a gerir a situação", disse João Gouveia, numa clara referência à medida anunciada por Marta Temido ao presidente da Administração Regional de Saúde (ARS).
Portugal a caminho de um novo confinamento?
Ricardo Mexia, presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Saúde Pública, salientou também que números como os registados a 6 de janeiro não são sustentáveis nem para a saúde pública, nem para a rede hospitalar. "Ninguém é um fervoroso defensor do confinamento geral, mas quando não há alternativas e temos de salvar vidas, se calhar é a solução que temos de adotar", disse ao "Público".
Caso o índice de transmissibilidade – representado por R(t) – se mantiver nos valores atuais, Milton Severo, epidemiologista e investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, também admite um novo confinamento."Para tomar a decisão não conta só o número atual de novos casos, temos de ter em conta o índice de transmissibilidade que, neste momento, ainda é inferior àquele registado em março. Este índice diz-nos quantas pessoas em média cada pessoa infecciosa infeta, na primeira fase cada pessoa infectaria duas, agora está entre 1,27 a 1,57. Se o índice voltar rapidamente abaixo de 1, não creio que seja preciso confinar, agora se se mantiver este valor entre 1,27 a 1,57 provavelmente aí pode ser necessário um novo confinamento", explicou à mesma publicação, e alertou que os números do Ano Novo podem ainda não ter sido contabilizados.
Mas há quem não seja tão a favor de um novo confinamento. Paulo Santos, médico e investigador do Cintesis, considera que esse cenário seria especialmente crítico para a economia e "só iam aguentar os que têm capacidade económica", e acredita que é necessário "proteger os idosos e os que estão a morrer, internados", escreve o "Público".
Paulo Santos acredita fortemente que o uso da máscara é uma das medidas mais eficazes, mas que nem todos a cumprem. "Temos de implementar o uso generalizado máscara de uma vez por todas. Passo na rua e vejo jovens juntos a conviverem sem máscara."
Filipe Froes, pneumologista e coordenador do gabinete de crise COVID-19 da Ordem dos Médicos, acrescenta ainda que é necessário perceber se a nova variante do coronovírus "se traduz por maior impacto nos grupos pediátricos", uma vez que "parece estar associada a uma maior transmissão nas crianças, o que pode ter implicações nas medidas a adoptar nas escolas" e analisar também o "risco de transmissão aos grupos mais vulneráveis, por exemplo aos avós", salientou ao "Público", factor que pode ser crucial para avaliar os diferentes cenários, como um novo confinamento.