Perguntem a qualquer mãe ou pai, ainda antes de o bebé nascer, qual o maior medo quanto à chegada da criança. Claro que o momento do parto pode assustar, a alimentação tem que se lhe diga, mas há um ponto em que todos os pais concordam: o receio de que o filho que aí vem durma mal.
Mas, afinal, o que é isto de dormir mal? É não dormir de todo, acordar muitas vezes de noite, fazer sestas pequenas ou adormecer apenas a mamar ou com a luz de presença X e o boneco Y? "Existem muitas expetativas dos pais em relação ao sono, e muita falta de informação. A verdade é que o sono, como área científica, ainda não é muito falado, mas é um tema que gera muita ansiedade nos pais, ainda mais do que a alimentação", explica-nos Andreia Neves, cardiopneumologista especialista em sono pediátrico e autora do novo livro "O sono do meu bebé", editado pela Ideias de Ler em outubro de 2021, e que pode ser uma tábua de salvamento para muitos pais que desesperam com o sono dos filhos.
"As questões mais banais sobre o sono são aquelas que me chegam mais em consulta", salienta a também investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que acredita que a falta de informação e a constante culpabilização dos pais são dois dos maiores inimigos dos adultos no que diz respeito ao sono das crianças.
"Para começar, é preciso esclarecer que existem muitas teorias e coisas que se leem na internet que não foram escritas por especialistas e não estão, em termos de evidência, validadas. Quando os pais procuram informação é muito importante perceberem de que fontes chega essa mesma informação, se é fidedigna e validada por médicos e especialistas", alerta Andreia Neves à MAGG.
O segundo passo? Deixar de lado a culpa. "Os pais acham sempre que estão a fazer alguma coisa mal porque o bebé dormia muito bem nas primeiras seis semanas de vida, estava tudo ótimo, e de repente, deixou de dormir bem. Mas isto é normal, e acontece devido aos padrões de sono", refere a especialista e mãe de duas crianças, com 5 e 2 anos.
De acordo com Andreia Neves, esta mudança ocorre sensivelmente a partir do segundo mês de vida do bebé. "Os adultos têm quatro fases de sono, duas mais profundas, e outras duas mais superficiais. Os bebés não, nascem apenas com duas fases de sono. No entanto, a partir dos 2 meses, é expectável que comecem também a ter um sono mais superficial", o que resulta na tal alteração do padrão de sono, "que é esperada", garante a especialista.
"Como pais, achamos sempre que a culpa é nossa. E é claro que por vezes podemos ter culpa de algo — embora, obviamente, sem qualquer intenção de fazer algo mal, mas sim devido à falta de ferramentas e informação —, mas muitas outras vezes, tem mesmo apenas que ver com a evolução natural do sono da criança."
"Ter um sono irregular é completamente normal no primeiro ano de vida"
Bebés fofinhos a dormir descansadíssimos da vida a noite inteira no seu pequeno berço, tal anúncio amoroso de fraldas, todos queríamos. E de cada vez que ouvimos a história do filho da amiga que é um pequeno anjo e dorme umas boas 14 horas de empreitada, ficamos a remoer de inveja. Ou pior: começamos a pensar se 1) estamos a fazer algo mal — clássico —; ou 2) se algo se passa com o nosso bebé.
Spoiler alert: é bem provável que seja normal, e que o tal filho da amiga é que seja a exceção. "Ter um sono irregular é completamente normal no primeiro ano de vida. Ou seja, se o meu filho, até ter 1 ano, não conseguir dormir a noite inteira de seguida, não está fora da norma nem daquilo que é expectável", esclarece Andreia Neves.
"Claro que temos de perceber que não dormir a noite inteira de seguida não é o mesmo que uma criança de 9 ou 10 meses que acorda umas boas sete vezes por noite, todas as noites. É importante salientar que sim, é normal existir um sono irregular no primeiro ano de vida, mas se temos uma criança que dorme mal sempre, acorda muitas vezes, faz sestas muito pequenas e isto acontece como padrão, aí sim, pode existir algum distúrbio do sono que pode ter de ser avaliado."
O que é normal e os sinais de alarme a que deve estar atento
Falando então em balizas, o que representa o expectável ou sinal de alarme de algum distúrbio relacionado com o sono? "A partir dos 3 anos, se eu tenho uma criança que não dorme a noite toda na maior parte das noites, deve ser avaliada. Mas também existem sinais mais transversais", explica Andreia Neves.
"Em qualquer idade, se temos uma criança que chora muita para dormir, tem uma aversão total ao sono e uma má relação com o sono, é um fator de alarme. O mesmo em bebés de mais de 6 meses que dormem sempre mal, que é um padrão dormir mal, não alternando fases melhores com piores. E se a partir dos 2, 3 anos, não começa a dormir noites completas na maior parte dos dias", refere a especialista em sono pediátrico.
Da mesma forma, Andreia Neves destaca que, nas crianças, ter pesadelos todos os dias, transpirar muito, dormir de boca aberta, não ter um um despertar matinal regular e demonstrar sinais de irritabilidade, tudo isto de forma recorrente, pode ser indicador de que algo se passa com o sono.
"Crianças que dormem mal terão, na sua maioria, dificuldades comportamentais, quer seja a nível de rotinas, comportamento, falta de ferramentas de sono. Mas também existem casos em que o distúrbio do sono pode ter que ver com patologias, como a apneia de sono, por exemplo", alerta Andreia Neves, que destaca que a "privação de sono ou sono de má qualidade tem um impacto até à vida adulta".
E há que saber avaliar também a qualidade do sono. "Se eu tenho um miúdo que vê imensa televisão antes de ir dormir ou tem horários de sono impróprios, até pode acontecer essa mesma criança chegar à cama e 'aterrar', como costumamos dizer, e dormir até de manhã. Mas se eu for monitorizar o cérebro, vou perceber que há fases do sono que vão estar em défice, nomeadamente a fase três, que é a mais afetada quando fazemos asneiras antes de ir dormir."
A autora de "O sono do meu bebé" também salienta que existem alterações do sono que se vão manifestar a curto, médio e longo prazo, através de irritabilidade, falta de atenção e dificuldades a nível da aprendizagem, citando apenas alguns exemplos. "Pode afetar os miúdos mesmo ao nível do seu crescimento e desenvolvimento."
Há uma idade perfeita para as crianças saírem do quarto dos pais?
Numa simples palavra: não. No que ao sono diz respeito, Andreia Neves não se cansa de repetir, também no livro, que não existem fórmulas mágicas ou perfeitas. Existem, sim, diretrizes que podem ajudar os pais a tomar decisões.
"De uma forma geral, antes dos 6 meses de idade é mesmo contraindicado os bebés dormirem num quarto separado dos pais, até pela questão da Síndrome da Morte Súbita — dormir no mesmo espaço que os adultos é um fator protetor. A partir do meio ano, prefiro não falar de idades, mas sim de momentos em que uns começam a interferir com o sono dos outros."
Para a especialista, se os pais vão para a cama e a criança acorda ou, pelo contrário, os adultos despertam a qualquer movimento do bebé, ficando "em alerta", esta pode ser uma "fase propícia para a mudança de quarto". "E mesmo não gostando de falar de idades, e tendo esta informação baseada apenas em experiência, e não em evidência científica, as mudanças de quarto costumam correr melhor a partir dos 9 meses. Não quer dizer que seja sempre assim, mas a experiência diz-me que é uma idade melhor", acrescenta Andreia Neves, que também salienta que, por volta dos 2 anos, a criança deve ter o seu espaço para dormir e a sua autonomia.
Outro fator importante no tema das camas e quartos tem que ver com a coerência. "Muitas vezes tenho pais em consulta que não querem dormir com os filhos, que a cama partilhada não é opção. Mas depois, à primeira dificuldade, levam os filhos para a sua cama. Isto é uma má prática porque o objetivo não é fazer cama partilhada, mas o que estão a comunicar à criança é justamente o oposto", destaca a autora do livro.
O seu bebé vai precisar de ajuda para dormir. Aceite, que dói menos
Como em tudo na vida, gerir expetativas é meio caminho andado para não sofreremos desilusões — e o mesmo se aplica ao sono dos bebés. "Não é expectável que uma criança com menos de 9 meses saiba adormecer sozinha, ou não precise de ajuda para voltar a dormir quando acorda a meio da noite", salienta Andreia Neves.
"Até lá, há que gerir expetativas, perceber que o bebé vai precisar da nossa ajuda para adormecer, até porque não é expectável que uma criança tão pequena consiga fazer isso tudo sozinha. É aceitar que é normal e descomplicar. Não entrar nos alarmismos de estava tudo bem e agora não está", realça a médica, que deixa um alerta. "Mas descomplicar não é negligenciar. Não faz sentido eu ter uma criança de 4 ou 5 anos que nunca dormiu uma noite inteira porque os pais estavam à espera que passasse."
Mas, calma; se por um lado aceitar que vai ter umas quantas noites mal dormidas pela frente pode ajudar à causa, saiba que há esperança no horizonte. "É expectável que, por volta dos 2 anos, as crianças voltem a dormir melhor", salienta Andreia Neves.
"Tem que ver novamente com os padrões de sono. A partir desta idade, caso estejamos a falar de uma criança com rotinas de sono adequadas e que esteja tudo a correr dentro do expectável a nível de saúde, a probabilidade de dormir noites inteiras na grande maioria dos dias é grande. Agora, nem isto significa que durmam a noite toda 100% das vezes, nem que a criança passe a dormir a noite inteira no dia em que faz 2 anos. É um processo", refere a especialista.
"O sono do meu bebé — Um guia para noites tranquilas dos 0 aos 5 anos", de Andreia Neves, é editado pela Ideias de Ler e tem um preço recomendado de venda ao público de 15,50€.